O Instituto Datafolha divulgou, no mês passado, os resultados de pesquisa realizada com o segmento evangélico, na cidade de São Paulo e ratificou os dados de outro levantamento, feito em nível nacional, em 2022, que concluiu que a cara da igreja evangélica no Brasil é de uma mulher negra. Em escala nacional este não é um dado que chama a atenção, até porque esta é a cara do cidadão brasileiro, de maioria feminina e negra.
Contudo, quando se trata de um estado em que apenas 43% da população é negra, esses números vão além de uma média populacional. Segundo a pesquisa, 67% dos evangélicos na capital são negros, enquanto no recorte populacional da cidade são 43%. Algumas hipóteses podem ser levantadas para explicar esse números. A alta incidência de igrejas independentes nos territórios, para mim, é o principal deles.
Segundo a pesquisa, a maioria dos entrevistados frequentam templos pequenos, de até 200 membros. As igrejas, como pontos de encontro comunitário, ganham mais sentido quando se está em uma igreja próxima de casa, até porque se frequenta aos finais de semana, e com o valor caro do transporte público, fica inviável ir para longe. Até mesmo a dinâmica de crescimento dessas comunidades, por meio de convite dos membros a visitantes, faz com que vizinhos, familiares, amigos sejam parte de uma mesma comunidade.
Assim, é um equívoco pensarmos que essas pessoas frequentam um templo apenas para ouvir um pastor. Elas vão para verem e serem vistas, se sentirem parte de uma comunidade. É um espaço de segurança social. Mesmo com todo discurso patriarcal e racista que está presente nos púlpitos das igrejas, elas acolhem e humanizam seus membros.
A grande questão a se pensar é: como grupos progressistas podem conversar com esta população, que é bombardeada por discursos de terrorismo moral e de ódio o tempo todo? A primeira atitude a ser tomada é entender que a imagem do evangélico não pode ser a de um homem branco reacionário. E que ao contrário do que se imagina, essas mulheres que estão na base da igreja têm total noção da importância das políticas públicas para a segurança de suas famílias.
Elas sabem que o Estado deve garantir saúde, educação, trabalho, transporte… a grande questão é que esses direitos basilares para dignidade das pessoas não estão diretamente vinculados com o imaginário evangélico de família, que atrela este tema apenas a pautas morais. Contudo, o que deve nos vincular com as mulheres e homens negros evangélicos é a necessidade de políticas públicas. Devemos entender que há possibilidade de diálogo em torno destas pautas comuns.
Ao fim de julho, mês de Teresa de Benguela, no Mês Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, acredito que devemos eliminar de vez a ideia de que mulheres negras evangélicas contribuem para o fundamentalismo religioso. Essas mulheres também têm seus filhos assassinados a cada 23 minutos, suas filhas são as maiores vítimas de abusos sexuais e elas, as maiores vítimas de violência doméstica e feminicídio, no País.
Enquanto perdemos tempo apenas batendo de frente com os Silas Malafaias, Felicianos, Magnos Maltas, quem está dialogando com a maioria deste segmento evangélico? A família é uma grande preocupação das mulheres negras evangélicas que, segundo estatísticas, compõem, juntamente com outras mulheres negras, a maioria das famílias monoparentais. E sobre elas recai o peso do cuidado, do sustento, da esperança de não ter um filho morto pela PM.
É necessário trazer para o centro do nosso diálogo com essas mulheres as políticas de seguridade social, e disputar com a extrema direita o monopólio da defesa da família. Afinal, uma família segura é aquela que tem casa, sustento, saúde, educação. Precisamos deslocar o termo família do campo da moralidade e aproximar da discussão dos direitos humanos. A recusa das mulheres evangélicas ao PL 1904/24 (PL do Aborto), nos mostrou que este segmento tem real noção da importância das políticas públicas de defesa da infância e das mulheres.
Temos que abrir mão do lugar de salvadores da periferia e ouvirmos as demandas dessas mulheres. Temos que deixar nítido que respeitamos suas espiritualidades, ao invés de colocar em seus braços a culpa do crescimento da extrema direita no Brasil.
Por fim, o alto número de mulheres negras paulistanas nas igrejas evangélicas pode ser fruto do crescimento das pequenas igrejas que, além de fazerem um trabalho de assistência social a essa população extremamente vulnerabilizada, também está olhando para essas pessoas com um olhar humanizador. As igrejas produzem humanização, ao mesmo tempo que oprimem? Sim! A pergunta que faço é: por que essas mulheres negras buscam esse espaço seguro de humanização nas igrejas? Talvez tenhamos que ter uma ação perene nos territórios, e não apenas tê-las como alvo de “campanhas vira-voto” em época eleitoral.