Nos bastidores do poder, um novo e controverso jogador tem dominado as atenções: as apostas online, popularmente conhecidas como bets. Protagonizando mais de 50 reuniões em menos de dois anos, essas empresas – quase todas sem sede no Brasil têm sido visitas frequentes nos gabinetes do Executivo.

Ciclo vicioso

A agenda das bets não é exatamente novidade em Brasília. A cada troca de governo, a possível legalização dos jogos de azar ressurge como potencial fonte de arrecadação e solução para regular o que já acontece em qualquer esquina do País. Desde 2023, as apostas online despontaram e trouxeram novas preocupações.

Empresas como Sportingbet, Betano e Bet365 se tornaram onipresentes, patrocinando eventos e bombardeando as telas dos brasileiros – e, como era de se esperar, lotando as agendas do poder executivo.

Nos últimos 20 meses, as bets têm circulado nas agendas do poder tal como políticos em época de campanha. Foram 52 reuniões, e à medida que a regulamentação se aproximava, as reuniões se tornaram quase diárias.

Fora do radar, dentro do Palácio

Das 15 empresas de apostas que apareceram nas agendas do governo, apenas 3 têm sede no Brasil.

Essa disparidade é como um truque de mágica: Embora haja leis que tentam assentar as apostas ao território nacional – por exemplo, a Lei 13.756 de 2018, a Lei 14.790 de 2024 e uma recente portaria do Ministério da Fazenda, que exige que as empresas tenham sede no Brasil – a realidade é bem diferente.

A imensa dessas empresas opera de forma remota. Esse paradoxo revela uma contradição preocupante: as empresas estão fisicamente fora do Brasil, mas elas conseguem exercer enorme influência sobre as decisões políticas e econômicas do País.

Essa presença invisível cria um ambiente de incerteza e falta de proteção para os consumidores brasileiros. A falta de integração dessas empresas ao sistema tributário nacional não só prejudica a arrecadação de impostos, mas também evidencia a fragilidade na fiscalização e na responsabilização.

Diálogo forçado

A crescente influência das apostas online levou à criação da CPI das Apostas, que foi atrás de possíveis manipulações e irregularidades no setor. A CPI desvendou uma teia de possíveis fraudes nos resultados esportivos, mostrando a fragilidade da regulamentação. O impacto da CPI não se limitou apenas à investigação. A pressão gerada pela Comissão parece ter incentivado as empresas de apostas a se engajarem mais ativamente no diálogo com o Brasil.

Unidos, mas não muito

Mais de 15 empresas de Bet se reuniram com o governo para tratar do tema. Duas entidades grandes representam o setor, segundo as agendas oficiais, ANJL – Associação Nacional de Jogos Legais e o IBJR – Instituto Brasileiro de Jogos Responsáveis, mas, mesmo com essas entidades, as empresas fizeram questão de marcar território e se reunirem uma a uma com as autoridades. A campeã de reuniões foi a Bet365, sediada no Reino Unido.

Desafios transversais, preocupação direcionada

Os desafios do setor são gigantescos, abrangendo desde tributação até endividamento. No entanto, as reuniões, segundo as agendas do governo, concentraram-se basicamente na Casa Civil e no Ministério da Fazenda, ignorando casas importantes como o Ministério da Justiça e o Ministério da Saúde.

A preferência por esses espaços mostra a preocupação do setor apenas com a regulamentação e a arrecadação, esquecendo todos os problemas que o vício em apostas pode trazer para a sociedade.

Bets nas altas esferas: quem recebe?

Mais de 20 agentes públicos participaram de reuniões com bets. O principal interlocutor do governo para as bets foi José Francisco Manssur, ex-assessor especial da Secretária Executiva do Ministério da Fazenda, que praticamente emprestou o gabinete para as empresas do setor.

Manssur liderou a elaboração das regras para a regulamentação das apostas por cota fixa no Brasil. Em fevereiro de 2024, Manssur foi convidado a se retirar do cargo, abrindo caminho para a negociação de posições no governo com o Centrão, grupo que demonstra grande interesse na pauta de jogos de azar.

Imposto do pecado

O relatório recente da reforma tributária trouxe uma transformação significativa para as bets ao inclui-las no Imposto do Pecado. No entanto, comparado a outros setores, o imposto para o setor ainda é baixo. A regulação estipulou alíquota de 12%, e os apostadores deverão recolher 15% sobre os prêmios como Imposto de Renda. Além disso, o texto reafirma que as bets devem ter operação no Brasil e pagar outorga de R$ 30 milhões para operar por 5 anos.

Mais apostas e mais reuniões

Com a regulamentação ainda acontecendo, muitas reuniões ainda estão por vir antes que o mercado regulado de apostas comece a funcionar plenamente em 2025.

Com interesses em jogo e um mercado promissor à vista, a presença das bets nas agendas do governo só tende a aumentar. Esse cenário deve intensificar o debate sobre como equilibrar arrecadação, proteção ao consumidor e responsabilidade social. A grande questão é se o governo conseguirá marcar o gol da vitória mantendo o equilíbrio entre esses diferentes interesses.

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Última Atualização: 01/08/2024