Você já ouviu falar em declínio na moda? O termo pode gerar confusão, mas não é preciso inventar a roda. Alguns exemplos de declínio você já deve ter vivido na infância, ou até mesmo nos dias de hoje: receber roupas usadas de familiares mais velhos, customizar aquela calça jeans em um short, ir em brechós. Uma moda mais sustentável é gentil não só com o meio ambiente, mas também com as pessoas. Agora, o desafio é tirar essas práticas do horizonte e trazê-las para o lugar que hoje é ocupado pelo fast fashion.
“Declínio” é uma corrente filosófica e econômica que reconhece os limites do planeta, hoje exacerbados pelo modelo produtivista do capitalismo, e que propõe, justamente, o contrário. Desacelerar, diminuir a produção, o consumo e, com ele, o descarte – é o que o planeta Terra exige no momento. Para isso, é necessário transicionar para uma economia de baixo carbono, reduzir o uso energético e de materiais naturais e, claro, estimular a economia circular.
Na indústria da moda, diversas práticas já existem para tornar negócios e práticas de mercado mais horizontais. Como, por exemplo, a “livraria das coisas” ou “livraria de roupas”, no qual a prioridade é possuir menos e emprestar mais. Um relatório do Painel Internacional de Recursos da ONU sugere que reduzir o consumo em alguns setores pode diminuir emissões de gases do efeito estufa entre 79% a 99%.
É possível perceber o excesso de produção da indústria da moda quando iniciativas de livrarias de roupas nos Estados Unidos propõem a doação de peças. O World Economic Forum destaca que as indústrias mais beneficiadas pela economia compartilhada são aquelas com excesso de capacidade e redundâncias em seus ecossistemas. Excesso é o nome do meio da indústria da moda, não acha?
Esses espaços de troca de roupa também são descritos como uma forma de mudar a relação das pessoas com as roupas, um lugar no qual as pessoas fazem compras de graça e constroem uma comunidade, fazendo conexão com pessoas que pensam como elas. Em alguns lugares, a troca de roupa é também um espaço para compartilhar eventos comunitários, cozinhar alimentos mais acessíveis e enfrentar desafios como justiça alimentar e ambiental.
No Brasil, essa experiência mais humana com as roupas acontece, por exemplo, em Porto Alegre, no Brechó de Trocas, da psicóloga e psicanalista Helena Soares. Os encontros acontecem mensalmente e Helena descreve a atividade como “um espaço de convívio onde troca a troca é uma desculpa para se encontrar”.
Imagine só: você está em uma roda, com cinco a vinte peças de roupa em suas mãos e quando é sua vez, você apresenta cada uma delas, contando sua história com aquela peça. Depois de conhecer as peças que as outras pessoas trouxeram, troca, de repente, seu brinco por um par de botas. Não há parâmetros para as trocas, a regra, Helena explica, é que as duas partes estejam satisfeitas. “O Brechó de Troca passa a ser um projeto de escuta em si”, explica.
O declínio na moda só é possível por meio de leis
Tudo é lindo, mas ainda estamos muito longe de tornar essas práticas algo comum. Virgínia Vasconcelos, pesquisadora, cofundadora do Coletivo Mulheres do Polo e idealizadora do projeto Ética na Moda, vive bem a luta dessa realidade todos os dias. O Polo de Confecções do Agreste de Pernambuco é conhecido pelas belezas das tradições da confecção, mas também por condições de trabalho precarizadas vistas em regiões como Toritama, Caruaru e Santa Cruz do Capibaribe.
Dados apontam para uma informalidade que chega a 80%, em uma região de ultravalorização do empreendedorismo e ausência do poder público. “Esse modelo invisibiliza a situação dos trabalhadores e trabalhadoras dessa indústria e as desigualdades de gênero que assolam as mulheres dessa economia, em especial as costureiras informais e autônomas que atuam em domicílio”, afirma Virgínia.
A atuação do Coletivo Mulheres do Polo se dá em prol de trabalho digno, equidade de gênero e empoderamento econômico das mulheres dessa economia. “A moda mais lenta possibilita a redução das jornadas exaustivas de trabalho que as pessoas que atuam na produção em larga escala estão suscetíveis a desempenhar, isso representa um aspecto significativo na melhoria das condições de trabalho”, destaca.
Além disso, esse formato também impacta positivamente na criação de pequenos negócios e prima pelo trabalho artesanal, valorizando a cultura local, renda e crescimento econômico em regiões com pouco ou nenhum investimento produtivo. Para que essa mudança seja feita, ela precisa ser sistêmica, ou seja, através de um projeto político. Caso contrário, alerta Virginia, a slow fashion “pode ser utilizada por grandes marcas para promoção de greenwashing e captação de um mercado consumidor mais consciente”.
A União Europeia, por meio do Pacote Verde, tem buscado construir leis que obrigam empresas a serem mais responsabilizadas pelos impactos sociais e ambientais da indústria da moda. Por exemplo: uma repressão mais dura contra o greenwashing, relatórios obrigatórios sobre a sustentabilidade da empresa, responsabilidade estendida do produtor para têxteis, e um forte impulso para uma maior rastreabilidade de produtos.
No contexto brasileiro, o consumidor já dá indícios de preferir roupas com maior durabilidade e que não queimam a Amazônia e o Cerrado. “Questões ambientais aparecem na liderança entre as preocupações que motivam compras mais éticas para 88,1% dos respondentes”, aponta pesquisa com consumidores de moda do Instituto Modefica realizada em 2020.
Relações mais horizontais com a moda são possíveis. Em um mundo que funciona sobre a ótica do capitalismo, essas relações não são apenas radicais, mas uma saída para usufruirmos do que realmente nos alimenta, as relações humanas.