O outro lado da medalha
por Luís Carlos
Era o ano de 2010 quando houve o anúncio de que a Copa do Mundo seria no Catar. Desde então até o início do evento, e além, parte da sociedade, interessada ou não na disputa em si, protestou, com razão, contra a realização da competição esportiva mais importante do planeta em um país que não tinha a oferecer nem futebol nem respeito aos direitos humanos. Os mais isentos ou receosos de represálias chamaram a escolha de controversa.
Por um alto custo de vidas, dólares e reputações, a Copa começou, terminou e entrou para os arquivos da História, assim como a de 2018, que armou seu circo – com imensa trupe de palhaços – na Rússia de Vladimir Putin.
Olimpíadas não são Copas do Mundo; têm uma aura diferente, maior, trazida das profundezas da terra a cada quatro anos pelo Barão de Coubertin, cujo fantasma ad eternum proclama em vários idiomas uma mensagem repleta de união, paz, esquecimento – temporário – de diferenças, mãos dadas, espírito esportivo, respeito e inclusão.
Se assim é normalmente, o que dizer então de uma olimpíada especificamente disputada em Paris, capital da civilizada França, um dos berços da sociedade moderna?
Moderna e laica.
Em 2022, Lionel Messi, antes de erguer a Copa do Mundo que ajudou a conquistar para a Argentina, foi obrigado a usar um bisht. Pano passado, para muitos foi apenas a última extravagância de uma competição que estava terminando naquele domingo, 18 de dezembro, para alívio de muitos que não precisariam mais ter de ouvir protestos e manifestações. Quem pesquisou um pouco mais a fundo, porém, soube que a tal vestimenta é um traje milenar cujo uso representa relevância e poder.
Justo Lionel Messi, que cultivou o hábito, desde cedo, de celebrar seus gols apontando para o céu em tributo a um Deus ocidental de sua preferência – não para sua avó nem para Maradona, como talvez gostaríamos de acreditar.
De volta a 2024, não mais no atrasado, reacionário e misógino deserto, mas na civilizada Europa, o uso do hijab por um ser humano viola os atuais protocolos humanistas tricolores (liberté, égalité, fraternité?) e segue sendo um impasse, uma ofensa. O problema não vem de hoje, mas os maiores nomes do COI, assim como os da FIFA dois anos antes, seguem lavando as mãos com os mais caros sabonetes.
Em nossos próximos encontros com interlocutores progressistas precisamos colocar em pauta se continuaremos a encarar com dois pesos e duas medidas tratamentos que, essencialmente, divergem muito pouco no que representam nos dias de hoje. Omissão é escolha, sempre foi.
Preconceito também.
Luís Carlos é jornalista desde 1995 com experiência em rádio, TV, jornal, agência de notícias, digital e podcast. Tem graduação em Jornalismo e História, com especializações em Política Contemporânea, Ética na Administração Pública, Introdução ao Orçamento Público, LAI, Marketing Digital, Relações Internacionais e História da Arte.
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