Indígenas Ava Guarani resistem a despejos no Paraná
Cercados por fazendeiros e com ordem de despejo, indígenas no PR dizem que “vão resistir até a última gota de sangue”
Por Gabriela Moncau
Cercados por ruralistas e caminhonetes desde que, em 5 de julho, retomaram parte de seu território ancestral sobreposto por fazendas no oeste do Paraná, indígenas Ava Guarani afirmam que vão “resistir até a última gota de sangue” aos despejos determinados pela Justiça.
Neste mês de julho, os indígenas fizeram sete retomadas dentro da área já delimitada, porém com processo demarcatório estagnado, da Terra Indígena (TI) Tekoha Guasu Guavirá. Acatando o pedido de fazendeiros, o juiz João Paulo Nery dos Passos Martins, da 2ª Vara Federal de Umuarama, emitiu seis ordens de reintegração de posse. O primeiro prazo dado para a saída voluntária, antes da remoção forçada, vence na segunda-feira (29).
“Essa reintegração de posse é a reintegração da morte. Porque nenhum Guarani vai recuar. Vamos permanecer aqui, aconteça o que acontecer”, afirma Noêmia*, liderança Ava Guarani. “Com essa reintegração de posse o Brasil terá que assistir a um verdadeiro massacre”, alerta.
A Terra Indígena Guasu Guavirá
Localizada nos municípios de Terra Roxa (PR), Guaíra (PR) e Altônia (PR), a TI Tekoha Guasu Guavirá teve seus 24 mil hectares identificados e delimitados pela Funai em 2018. A área está sobreposta por cerca de 165 fazendas. A continuidade do processo demarcatório, no entanto, está suspensa por um pedido das prefeituras de Guaíra e Terra Roxa acatado pela Justiça Federal em primeira instância.
“Cansados das promessas vazias do homem branco”
“Esperamos demais pela Justiça brasileira, pelo Estado que deveria fazer valer os direitos que estão na Constituição Federal”, alega Noêmia. “Retomamos um território que nos pertence. Estas ampliações estão dentro da delimitação”, salienta.
“Fomos chamados de invasores. Não somos invasores, estamos fazendo a autodemarcação”, explica a liderança indígena. “Porque estamos cansados das promessas vazias do homem branco. Das pessoas que têm poder. E hoje vemos que esses que teriam o poder de fazer algo pelos Ava Guarani estão fazendo tudo ao contrário”, afirma Noêmia.
Atropelamentos, fogo e ameaças
No último 7 de julho pela noite, dois dias depois do início da onda de ocupações feita pelos Ava Guarani, um grupo de fazendeiros atacou a retomada tekoha Arapoty. Localizada em Terra Roxa (PR), a área está sobreposta pela Fazenda Brilhante, da família Rodolfo Ferreira.
“Os indígenas que estavam ali foram atacados, tiveram as lonas e os mantimentos queimados. O que não foi queimado foi levado pelos fazendeiros. Tocaram o terror. Quando a Força Nacional chegou, já tinham saído”, relata Wellington*, também liderança Ava Guarani.
“E na segunda-feira (15), às 7h os fazendeiros já chegaram lá atacando com tiros de armas de fogo, foguetes. E entraram na área de ampliação com caminhonetes. Correram atrás dos indígenas até alcançar e atropelar com a caminhonete”, relata Wellington. Três indígenas foram atropelados. Uma jovem quebrou o braço, uma mulher machucou o pé e um homem teve ferimentos leves.
“Se reuniram muitos fazendeiros, muito agressivos: ameaçando, xingando, queimaram um barraco, levaram os pertences”, narra Wellington. “E não deixaram o Samu chegar”, denuncia o indígena. Segundo ele, o cerco fez com que os feridos ficassem nove horas esperando o socorro médico.
“Desde então segue o monitoramento intenso. Fazendeiros ficam passando de caminhonetes, xingando, falam que vão matar todo mundo. Assim estão os dias na tekoha Tatury”, descreve Wellington.
Incerteza
“A gente não sabe o que vai ser depois que esse prazo vencer”, se preocupa Wellington, se referindo à iminência dos despejos e mencionando a presença de idosos e crianças nas retomadas.
“A gente não sabe se os fazendeiros vão vir ainda mais para cima, se as polícias vão vir para cima da gente. Estamos vivendo uma incerteza, sem saber o que vai ser nosso dia de amanhã”, diz.
“No meio de tudo isso, o mais importante para nós, povo Ava Guarani, é que aprendemos a reivindicar nossos direitos”, destaca Noêmia. “Aprendemos a lutar”, completa.
* Nomes foram alterados para a preservação das fontes.
Edição: Nicolau Soares