A Comissão de Anistia do MDHC concedeu o título de anistiada política à médica e professora Helena Costa, 82 anos. O colegiado reconheceu que Helena sofreu perseguição por ser contra o regime militar e, em nome do Estado brasileiro, pediu desculpas e homenageou a resiliência da professora, que encarou uma luta de 21 anos em busca de reparação.
Natural de Teófoli Otoni (MG), Helena compareceu ao julgamento que ocorreu no 31 de julho de 2024, em Brasília. Seu discurso foi marcado por uma grande lição de como lutar contra injustiças através dos meios legais, mesmo que os frutos dessa batalha levassem décadas para serem colhidos. Helena creditou esse ensinamento aos seus pais, sobretudo a mãe, a quem chamou de sua “maior educadora política”.
“Ela dizia: política é coisa importante, coisa séria; e justiça é necessária. Ela, branca, casada com meu pai, preto, ambos de Porto Seguro. (…) Na minha casa a gente viveu a diversidade racial, a diversidade religiosa – minha mãe era católica, meu pai era maçom. Nunca vi divergências colocas pelas posições assumidas. Este momento quero dedicar a eles.”
Helena viu a perseguição política começar quando ainda era jovem e trabalhava com educação de base, ajudando uma igreja num projeto social de alfabetização de trabalhadores rurais entre 1961 até 1965, quando o programa foi extinto já na ditadura. Foi quando Helena se mudou para Brasília, onde ingressou na UnB, no curso de medicina.
Na metade da graduação, Helena foi expulsa por ato administrativo do então reitor, que sabia que ela era contra a ditadura militar e integrante de movimento estudantil. “Entrei com mandado se segurança, seguindo a orientação da minha mãe: nunca aceite a injustiça, use a lei vigente em todas as épocas.” Helena saiu vitoriosa e concluiu o curso, mas não exerceu a profissão porque seu currículo era marcado pelos ditadores. “Tinha carimbo vermelho em cima”.
Restou à Helena lutar para ter reconhecido seu trabalho como professora no DF, de onde também acabou demitida a pedido do SNI (Serviço Nacional de Inteligência). A paixão pelo magistério – que lhe acompanhou desde a educação de base até as salas de aula em universidades – foi o que lhe garantiu sustento ao longo dos anos. Hoje, aposentada da UnB, ela relembra que foi atrás de documentos no tribunal militar, na Abin, no GDF e na própria UnB, para comprovar a “perseguição continua”.
Com voto da relatora Ana Maria Lima de Oliveira, a Comissão de Anistia reconheceu a situação de perseguição política na condição não apenas de médica, mas também de professora. O colegiado seguiu a recomendação de anistiar, pedir perdão e indenizar Helena pelos prejuízos e danos que ela colheu ao longo de sua vida de luta.
“Comprovada a perseguição política como professora e médica (…), não há dúvida de que faz jus ao título de anistiada política brasileira”, disse a relatora, que concedeu a declaração de anistiada política e oficializou, em nome do Estado brasileiro, o pedido de desculpas junto com a “reparação econômica em caráter indenizatório em prestação mensal permanente continuada no valor de R$ 2 mil, e efeitos financeiros retroativos contados a partir de julho de 1998, (…) perfazendo o total de 676 mil reais”, além do tempo de trabalho reconhecido pelo INSS.
A Comissão ainda fez uma homenagem à Helena e sua família. Na voz da presidente Eneá de Stutz e Almeida, o colegiado pediu desculpas “em nome do Estado brasileiro por todo sofrimento, perseguição que a senhora passou ao longo de sua vida e, ao mesmo, reconhecer sua coragem, resistência, sua luta, e por ter tido a resiliência e a inspiração dos seus pais, de continuar lutando. Quero fazer uma homenagem aos seus pais, em especial à sua mãe que ministrou esses ensinamentos do melhor caminho, embora o mais difícil, e que foi trilhado com muita coragem, luta, resistência e inspiração pela senhora. (…) É por causa de pessoas como você, Helena, que a gente vive hoje no Estado Democrático de Direito.”