*João Pedro Silva, em seu Blog
Algumas considerações rápidas sobre a desistência de Joe Biden e a quase certa escolha de Kamala Harris para assumir a candidatura democrata:
1. Podemos nos preparar para uma das campanhas mais sórdidas contra uma mulher. Os jornais americanos antecipam há muito tempo que os republicanos preparam dossiês contra Kamala, com informações desde o tempo em que ela atuava no Ministério Público da Califórnia. Como uma das táticas de Trump é a mentira (como ele fez várias vezes no comício da convenção republicana), vem aí uma sequência de ataques inimagináveis. Mas há uma armadilha: como calibrar essa investida do fascismo machista contra uma mulher negra, para que não passe dos limites? Com o detalhe de que trumpismo e bolsonarismo não conhecem limites.
2. O discurso dos que desejam Michelle Obama como alternativa que seria a mais óbvia e mais propensa a uma vitória, incluindo brasileiros que torcem de longe, demonstra como os inimigos do fascismo entram com facilidade no jogo do próprio fascismo. O que o trumpismo quer é que democratas e todos os anti-Trump se juntem à ladainha de que Kamala é fraca. O que a depreciação de Kamala pelos próprios democratas demonstra é que a autoestima da resistência à extrema direita é muitas vezes vacilante. Vale para os brasileiros. Como tirar de Kamala a aspiração legítima de substituir Biden sem que isso provoque um enorme estrago nas bases democratas? Poderiam substituí-la por um branco?
3. O novo cenário interfere, e muito, nos humores do mundo e, claro, da política brasileira. O bolsonarismo conta com a vitória de Trump como fato mais importante do ano, depois de sofrer derrotas externas devastadoras, no México e na França. A combinação ideal para a turma de Bolsonaro, acossada pela Justiça, é a conquista de prefeituras importantes no Brasil nas eleições municipais de 6 de outubro (primeiro turno) e 27 de outubro (segundo turno), com a vitória de Trump na eleição de 5 de novembro. Como eles contam com a vitória do republicano, para que se fortaleçam para 2026, a situação ideal seria a inversa: eleição antes lá e depois aqui. Mas a candidatura de Kamala, se for confirmada, abate um pouco os ânimos do fascismo aqui e empolga as esquerdas. A eleição americana interessa aos democratas brasileiros como nunca antes nesse século. Somos todos Kamala Harris.
4. Não, Kamala Harris não é igual ou parecida com Donald Trump. Não devemos romantizar os democratas americanos, mas não podemos passar desinformação. Trump e Kamala estão longe de serem parecidos, mesmo que os democratas apoiem guerras e todo tipo de desmando pelo mundo. Essa confusão equivale a afirmar que Bolsonaro e Simone Tebet se equivalem. Ou que Tarcísio de Freitas e Tabata possam ser semelhantes por serem de direita. Claro que não são. Menos, menos.
*João Pedro Silva é jornalista em Porto Alegre. É autor do livro de crônicas Todos querem ser Mujica (Editora Diadorim).
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