Nos últimos anos, um debate se instalou sobre a necessidade ou não de policiais militares portarem câmeras em suas fardas, para que seja visto como foi a abordagem ou determinada ação policial.
Essa medida surgiu como um paliativo diante do massacre cometido pela PM todos os anos no Brasil. Os números de mortos em razão da ação da PM são de um verdadeiro genocídio, e, para se ter uma ideia, em 2023, foram quase 6.300 mortos em ações da PM pelo Brasil, no que é chamado de “confronto”. Isso dá uma média de mais de 17 mortos pela polícia, por dia, durante um ano.
É diante desses números que uma série de medidas são levantadas pelos mais diversos setores da sociedade. Um partido revolucionário, como o PCO, defende o fim da PM, que seria a medida mais adequada diante da situação. E que a segurança seja exercida pela própria população, armada. Se o povo pode deliberar e participar de uma série de outras questões que lhe afetam, a segurança com certeza é uma delas, e uma das mais importantes diante de um Estado que mata milhares de pessoas ao ano.
Por outro lado, organizações reformistas falam em desmilitarizar, ou mesmo que a polícia faça curso de direitos humanos, que os policiais recebam melhores condições de trabalho, enfim, uma série de questões que não irão alterar um milímetro a situação atual de carnificina.
Mais rebaixada que essas propostas são as câmeras instaladas no fardamento do policial. Toda a polêmica em torno do problema não passa de uma farsa, pois o que realmente poderia acabar com a repressão policial é justamente a dissolução da corporação.
As maiores representantes dessa posição são as ONGs e os partidos da esquerda pequeno-burguesa. A Conectas, por exemplo, afirma que “seu uso [câmeras] oferece às polícias e à sociedade instrumento de prevenção e controle contra o abuso da atividade policial”, e cita estudo Universidade Estadual do Rio de Janeiro que afirma: “as câmeras corporais promovem a segurança pública, em sua acepção constitucionalizada de serviço público prestado de forma igualitária e eficiente, pautado na defesa de direitos fundamentais” (Qual o papel da câmera no uniforme de policiais? Veja o que dizem especialistas, Conectas.org, 8/2/2024).
O PSOL, vez ou outra, vai mais longe na demagogia. “As imagens geradas por câmeras colocadas nas fardas podem ajudar a esclarecer atuações controversas. O objetivo é dar segurança à ação policial, além de assegurar a possibilidade de não haver violações de direitos da população e reduzir os índices criminais”. A demagogia aqui é para a própria corporação, a declaração é da deputada estadual Renata Sousa, do PSOL do Rio de Janeiro, que já está em seu segundo mandato.
Talvez o que chama mais atenção é o medo em tratar do tema e a diplomacia em tratar das questões da Polícia Militar. Se por um lado é receio do que pode acontecer, como represálias vindas de uma corporação herdeira direta da ditadura, por outro lado, não deixa de ser uma demagogia descarada, pois as câmeras nos policiais não irão debelar a repressão policial.
Flávio Dino, seguindo a mesma linha, nos seus últimos dias de Ministro da Justiça, afirmou que “temos o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) e estamos propondo colocar lá, como requisito, a implantação das câmeras corporais […] será o último documento que vou assinar. As diretrizes técnicas vão ficar para o ministro [Ricardo] Lewandowski examinar”.
Mesmo assim, mesmo essa medida ultra paliativa, de câmeras em soldados da PM, recebeu uma gigantesca resistência da corporação. Obviamente, uma corporação militar não irá se sujeitar a qualquer medida minimamente democrática, não faz parte de seus estatutos.
Como não poderia deixar de ser diferente, a maior resistência parte do estado de São Paulo, um dos maiores campeões em chacinas cometidas por policiais, e detentor de recordes atrás de recordes de pessoas mortas em ações policiais.
No geral, as câmeras de segurança vinham cumprindo um papel semelhante. Vários casos de agressão policial foram registrados por elas, mas isso não quer dizer absolutamente nada, pois somente é um registro de algo que já aconteceu. Uma câmera não tem a capacidade de prevenir ou reduzir uma ação delituosa qualquer, menos ainda prevenir uma ação delituosa oficial, ou seja, oriunda do próprio Estado. Quando muito serve para a denúncia.
Por outro lado, as câmeras, de conjunto, servem para controlar a população. A burguesia faz uma campanha moral em torno das milhares de câmeras espalhadas pela cidade, mas a realidade é que o cidadão comum está sitiado e a chance de ser perseguido pelo Estado é muito maior com as câmeras, quaisquer que sejam elas. O reconhecimento facial (que é um desastre) está aí para isso. Pessoas são presas indiscriminadamente por conta de tal reconhecimento.
Tomemos o exemplo dos deuses da democracia mundial, os Estados Unidos. Lá, 80% da força policial está com câmeras em seu fardamento, e isso já faz mais de 10 anos. Conclusão: “uma revisão abrangente de 70 estudos sobre o uso de câmeras corporais constatou que a maior parte das pesquisas sobre câmeras corporais não demonstrou efeitos consistentes ou estatisticamente significativos”, afirmou, recentemente, o Instituto Nacional de Justiça, seguido por estudos diversos.
O escândalo montado em torno da necessidade ou não das câmeras corporais em policiais é mais uma forma de esconder o verdadeiro debate sobre o problema. Que é a luta pelo fim da Polícia Militar e das demais forças repressivas responsáveis pela morte do povo trabalhador. E o resultado dessa discussão das câmeras, até pela demagogia envolvida nela, vai acabar trazendo mais repressão contra o povo. Esse, no geral, é o resultado de uma propaganda demagógica, o aumento dos ataques contra a população.