A espionagem americana sobre Lula – levantada por João Pedro – não deveria ser surpresa para ninguém, assim como a constatação dos interesses norte-americanos do golpe do impeachment.
Com Lula e Dilma, o Brasil procurava uma diversificação de parcerias que permitisse um desenvolvimento menos dependente. E o campo da defesa era central, pelos avanços tecnológicos proporcionados e pelo fato do Brasil ter fincado os pés no setor, através da Embraer e das experiências com satélites, inaugurada em 2002 com o lançamento do primeiro satélite geoestacionário brasileiro, o SC-2, para comunicação e monitoramento do tempo.
O parceiro escolhido foi a França, especialmente depois dos primeiros contatos de Lula com o presidente francês Emmanuel Macron. Criou-se uma afinidade imediata que resultou no acordo para fabricação do submarino nuclear brasileiro.
Ao contrário do que escrevi no artigo “Exclusivo: para entender a injustiça contra o Almirante Othon”, a França não exigiu uma empreiteira francesa para a construção do estaleiro da Marinha. Queria a Odebrecht, pela boa reputação que a empresa alcançara em obras pelo mundo. Lula insistiu para dividir o trabalho entre mais empreiteiras, para não depender exclusivamente de uma. Mas ficou valendo a posição francesa.
O projeto do submarino avançou rapidamente. Cerca de 600 engenheiros e operários especializados fizeram cursos na França para atender às exigências de qualidade do submarino. Foram construídos três submarinos convencionais.
A construção do submarino nuclear esbarrou em um problema técnico. Os reatores brasileiros – desenvolvidos com tecnologia própria, graças ao Almirante Othon – precisavam ser acoplados aos cascos do submarino. E isso envolvia uma engenharia mais complexa. Mesmo assim, após conversas com Macron, começaram os estudos.
Quando sobreveio o golpe do impeachment, o governo Temer deixou de pagar os franceses e o projeto dos submarinos foi interrompido. Além disso, o Departamento de Estado se valeu da parcerias com procuradores brasileiros e suiços para armar uma denúncia contra Macron.
O projeto está sendo retomado agora, especialmente devido à simpatia mútua desenvolvida entre Lula e Macron.
O golpe do Gripen
Não foi o único boicote que se abateu sobre os acordos Brasil-França.
O segundo golpe foi anterior, na licitação FX, para adquirir os caças da Aeronáutica. Venceu a Saab, sueca, com seu avião, o Gripen.
Até hoje o Brasil não viu o Gripen voar, assim como não viu transferência de tecnologia – uma das imposições do acordo. O Brasil está se limitando a montar os aviões com todas as peças sendo enviadas prontas da Suécia.
Quando o Gripen voar, não terá capacidade de atravessar o país. Se sair do Amazonas, terá que fazer uma parada em Goiás para se abastecer, antes de chegar no Rio Grande do Sul. E terá lugar apenas para um piloto. Ultimamente, a Saab, fabricante do Gripen, prometeu melhorar sua capacidade e construir um avião para dois pilotos. Mas são apenas projetos.
A licitação FX foi a grande esperança de início da modernização das Forças Armadas. O Plano Nacional de Defesa, lançado no período de Nelson Jobim, como Ministro da Defesa, previa um modelo de força enxuta, tecnológica e com capacidade rápida de locomoção, já que as ameaças externas ao país vinham da fronteira do Amazonas (pelos traficantes) e da costa marítima.
O grande responsável por esse desastre, da escolha do Gripen, foi o então Ministro da Aeronáutica Tenente-Brigadeiro Juniti Saito, um americanófilo radical, cego aos interesses nacionais. Ele assumiu o comando da Aeronáutica em 2007. No final do seu governo, Lula teve oportunidade de substituí-lo por outro, de pensamento mais nacionalista, mas demorou a decidir e o candidato foi para a reserva. Saito foi mantido no cargo por Dilma Rousseff até 2015.
No início da licitação, Saito vendeu para Dilma que a escolha deveria recair sobre o americano F15. Nunca foi contestado. Aí apareceram, no Wikileaks, as notícias sobre espionagem americana, e Dilma desistiu da proposta.
Um dos pontos centrais da licitação, que inclusive pesava contra os F-15, era não depender de aviões que contivessem peças norte-americanas, dado o alto grau de controle exercido pelo Pentágono. Nesse contexto, o Rafale, da francesa Dassault, emergiu como favorito, especialmente após a tal visita de Lula a Macron, que selou a parceria.
Além de não ter nenhuma dependência de tecnologia norte-americana, a Dassault se comprometia a montar uma fábrica no Brasil que serviria para vender para toda a América Latina e Sul Global. O interesse da França estava na existência de uma inteligência tecnológica brasileira. O Rafard seria fabricado em São José dos Campos, através de uma spinoff, ou seja, da criação de uma nova empresa, condição imposta por Lula para assegurar a transferência de tecnologia.
Saito era tão apaixonadamente americanista, que recusou-se a entrar em um Rafale, para um vôo demonstração. Quem entrou foi um civil, o Ministro da Defesa Nelson Jobim.
Além disso, a compra do Rafale abriria caminho para uma parceria em satélites.
Os satélites franco-brasileiros
A base de Alcântara tem linha reta com a linha do Equador. A França tem o Centro Espacial de Kourou, localizado na Guiana Francesa, mais diagonal com a linha do Equador. Tentou-se um acordo de cooperação entre as duas bases, que permitiria fabricar no Brasil os lançadores franceses Ariane, considerados os melhores lançadores espaciais do mundo. O acordo permitiria o controle de satélites geoestacionários.
O acordo foi suspenso pelo governo Temer, e a base de Alcântara literalmente entregue aos Estados Unidos. Foi assinado um acordo pelo qual fica proibida a entrada de brasileiros e também o uso dos recursos do aluguel no programa espacial brasileiro.
Não foi o único boicote nas relações Brasil-França.
A França desenvolveu um supercomputador que controla toda a inteligência do país, de armas atômicas a carteiras de identidade, além de servir para pesquisas acadêmicas. Nas conversas entre Lula e Macron saiu a possibilidade da instalação do supercomputador no Brasil. O primeiro módulo chegou a ser trazido e instalado em Petrópolis. Com o golpe do impeachment, também essa parceria foi interrompida.
Agora, a Aeronáutica anuncia a compra de velhos F15, para suprir a ausência dos Gripen.