Uma diretora de escola em realidade paralela

Por [Seu Nome], colunista do UOL

Cristiane Meire é diretora da Escola Estadual Jornalista Vladimir Herzog, em São Bernardo do Campo, São Paulo.

Eis que ela aderiu ao modelo cívico-militar que o governo paulista quer implantar no estado, porque adepto não dá baboseira da “escola sem partido”, mas da “escola com exército”.

A intenção dela já mobiliza o Sindicato dos Jornalistas no Estado de São Paulo, a APEOESP e o movimento estudantil de São Bernardo, além de ter motivado nota da família Herzog, assinada pelo filho mais velho, Ivo Herzog:

“Lugar de militar é nos quarteis, não nas escolas. A família Herzog protesta fortemente em relação ao projeto de tornar a Escola Estadual Jornalista Vladimir Herzog, uma escola civil-militar. Caso o projeto caminhe, iremos tomar as medidas cabíveis para que o nome do meu pai não se associe a esta atrocidade”.

Também o Instituto Vladimir Herzog publicou nota. Entre outras coisas, diz:

“É uma afronta inadmissível a mera cogitação de que seja militarizada uma escola que leva o nome de Vladimir Herzog, jornalista brutalmente assassinado por agentes da ditadura civil militar instaurada em 1964. Tal projeto, de cunho autoritário e abominável, desrespeita e fere a história, o legado e os valores democráticos defendidos por Vlado em vida.

Esta é a segunda vez que o atual Governo do Estado de São Paulo promove o desrespeito a memória e a história de todas e todos aqueles que lutaram em nome da democracia que hoje vigora em nosso país.

Assim, nós do Instituto Vladimir Herzog, organização comprometida com os valores democráticos e que há 15 anos preserva o legado de vida de Vlado, não pouparemos esforços para impedir que esse projeto seja implementado na escola em questão.

Em nenhum país verdadeiramente democrático, teríamos a associação – ainda que simbólica -, de um nome como o do jornalista Vladimir Herzog, a uma escola de ensino cívico-militar. Esse projeto de poder, que busca promover o apagamento da nossa história de violência, não prosperará enquanto verdade.

Militares, que no passado perpetraram um golpe de estado e implementaram a censura no país, não devem ter lugar em nossas escolas”.

É intenção do Instituto Vladimir Herzog, há 15 anos na luta em defesa do Direitos Humanos e da Liberdade de Expressão, convidar a diretora Meire para conhecê-lo, certo de que, por incrível que possa parecer, ela desconhece quem foi e como morreu sob tortura, em dependências do exército, em São Paulo, em 1975, o jornalista Vladimir Herzog, então diretor de jornalismo da TV Cultura.

Porque de duas, uma: ou a diretora Meire desconhece a História ou está no papel de provocadora.

Nenhuma das alternativas a credencia a estar onde está.

Se houver terceira opção, que Meire se aprofunde na história da vida de Herzog e retire o nome da escola que dirige da lista.

Foto: Reprodução

Nota

Converter E.E. Vladimir Herzog em “cívico-militar” é afronta à memória do jornalista assassinado pela Ditadura Militar

A anunciada inclusão da Escola Estadual Vladimir Herzog, de São Bernardo do Campo, no “Programa Escola Cívico-Militar do Estado de São Paulo” (lei complementar 1.398/2024) é uma verdadeira afronta à memória desse jornalista, bem como uma agressão a seus familiares, amigos e à categoria profissional dos jornalistas, representada pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP).

Nunca é demais lembrar que Vladimir Herzog, diretor de jornalismo da TV Cultura e professor da Escola de Comunicações e Artes da USP, foi assassinado no fatídico dia 25 de outubro de 1975 no principal centro de torturas mantido pela Ditadura Militar: o DOI-CODI do II Exército (hoje Comando Militar do Sudeste), sediado na capital paulista.

Ademais, a sua morte foi inicialmente apresentada pelo Exército como decorrente de “suicídio”. Ninguém foi punido. Pelo direito internacional, o crime de assassinato sob tortura pelas mãos do Estado é imprescritível e inanistiável ― como aliás já decidido pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos ao apreciar o caso (2015), e depois ratificado pela Corte Interamericana (Corte IDH).

O SJSP continua exigindo apuração total do crime e a punição dos responsáveis ainda vivos, bem como a retratação do Estado brasileiro frente à família Herzog e a familiares de centenas de outros brasileiros e brasileiras assassinados pela Ditadura Militar (1964-1985).

Aprovado às pressas pela Assembleia Legislativa, sem qualquer debate com a sociedade, o “Programa Escola Cívico-Militar do Estado de São Paulo” é inconstitucional, como acaba de apontar a Advocacia Geral da União (AGU), porque delega à Polícia Militar atribuições educativas que lhe são indevidas e incompatíveis. É uma aberração que só interessa a setores de extrema-direita que pretendem militarizar o ensino e abrir caminho ao fascismo.

O Ministério Público (MP-SP) e a Defensoria Pública do Estado de São Paulo acabam de protocolar uma ação civil pública que pede a suspensão do programa de escolas cívico-militares do governo estadual, apontando uma série de ilegalidades nas quais ele incorre.

Exortamos a população de São Bernardo do Campo a resistir a essa imposição odiosa e lutar para que a Escola Estadual Vladimir Herzog seja retirada desse programa.

São Paulo, 20 de julho de 2024

Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo

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Última Atualização: 21/07/2024