Em um artigo intitulado PEC da Anistia explicita temor de que Congresso deixe de ser masculino e branco, publicado pela Folha de S.Paulo, uma tal Cida Bento, que se apresenta como “doutora em psicologia”, procura apresentar um dos raríssimos projetos progressistas do Congresso Nacional como um retrocesso. Fundadora do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), a ilustre desconhecida Cida Bento foi eleita pela revista britânica The Economist como uma das pessoas mais influentes do mundo na promoção da diversidade – um título típico daqueles cuja política está alinhada aos interesses do grande capital imperialista.
O texto de Cida Bento começa com uma choradeira contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 9/2023, conhecida vulgarmente como “PEC da Anistia”:
“Os primeiros dias desta semana foram marcados pela expectativa de que fosse antecipada a apreciação pelo Senado Federal da vergonhosa PEC da Anistia, recentemente aprovada pela Câmara e que pretende alterar a Constituição para anistiar partidos já condenados pelo descumprimento de cotas para mulheres e pessoas negras, além de garantir ‘imunidade tributária’ para as legendas.”
Ou Cida Bento escreveu seu texto com base apenas no que ouviu falar por aí sobre a PEC, ou está muito mal intencionada. Afinal, a PEC 9/2023 não prevê “imunidade tributária” para ninguém. Não se trata, portanto, de uma proposta cujo objetivo é livrar os partidos de pagamentos de impostos, como Bento dá a entender, mas, pelo contrário, uma proposta de aliviar os partidos políticos que foram vítimas das arbitrariedades da Justiça Eleitoral brasileira.
Opor-se à PEC da Anistia é defender que os partidos políticos sejam reféns da Justiça Eleitoral no que diz respeito ao seu funcionamento, à sua distribuição de recursos e à sua escolha de candidatos. Para Bento, revoltar-se contra a ditadura dos tribunais eleitorais, que impõem multas aos partidos todas as vezes em que se chocam com os interesses dos iluminados juízes, seria “vergonhoso”. Honrado, portanto, seria que cada partido entregasse nas mãos de um ditador como Alexandre de Moraes o poder de decidir tudo o que a agremiação irá fazer.
O que Bento propõe, no final das contas, já não é um controle burocrático sobre a atividade partidária – o que, em si, já é bastante ruim. Sua proposta beira ao nazismo, que intervinha diretamente nas organizações políticas, destituía seus dirigentes, atropelava direitos democráticos, prendia quadros partidários, invadia sedes e confiscava a propriedade das agremiações.
Se um partido não cumpriu a “cota de gênero”, por que ele deveria se submeter a qualquer tipo de multa ou sanção? Não há uma única linha na Constituição Federal que obrigue os partidos políticos a cumprir com cotas dessa natureza. Obstaculizar sua atividade política com base nesse pretexto é, portanto, um abuso por parte dos tribunais.
A PEC 9/2023, portanto, não busca estabelecer privilégios para os partidos políticos. Pelo contrário: busca enfrentar a casta de juízes privilegiados que, sem terem sido eleitos por ninguém, querem intervir no funcionamento das agremiações.
A grande desculpa de Cida Bento para defender a ditadura da Justiça Eleitoral é a tese de que as cotas serviriam para combater a desigualdade racial no Brasil. Diz ela:
“Enquanto o Brasil não assumir a rica beleza de sua identidade africana, a maioria de sua população ficará alijada do conjunto nacional, disse o senador Abdias do Nascimento no discurso de estreia na tribuna do Senado em fevereiro de 1991. (…) Não é aceitável conceder anistias às legendas partidárias, pois representa um descumprimento dos ditames de justiça e equidade racial que precisam orientar a política brasileira.”
Pura picaretagem. As cotas aqui aparecem simplesmente como um pretexto para a defesa das arbitrariedades da Justiça Eleitoral. Afinal, a luta do negro e a luta das mulheres não irá avançar nem um único milímetro com medidas como essa. Para combater a opressão sobre o negro, não basta ter mais negros deputados. O problema central do regime não está na cor das bancadas, mas efetivamente nos partidos que controlam o regime. Um Congresso Nacional dominado pelo União Brasil, pelo Partido Liberal e pelo Movimento Democrático Brasileiro continuará sendo um Congresso dominado pelos inimigos do povo negro e das mulheres, ainda que venha a se tornar um parlamento 100% negro.
Não é uma medida efetiva, em nenhum aspecto. Sua única consequência é que fornece ainda mais condições para os tribunais determinarem quais partidos eles consideram “legítimos” ou não para a disputa das eleições.