A Crise Mundial Agravada

Por Leonardo Silva**

Na crise de 1929, o presidente estadunidense Hoover insistiu numa política conservadora de austeridade no plano interno, ao mesmo tempo em que, no plano externo, implantou as famigeradas tarifas Smoot-Hawley, as quais quadruplicaram, da noite para o dia, as taxas de importação de 3.200 produtos.

Os demais países avançados da época, também imersos na impotência do paradigma conservador, retaliaram da mesma maneira, o que fez com que o comércio mundial caísse de US$ 18 bilhões, em 1929, para cerca de US$ 6 bilhões, em 1933.

Tivemos, como consequência, a grande Depressão e uma crise mundial que só foi realmente superada com o esforço econômico da Segunda Guerra Mundial.

Hoje, as circunstâncias são diferentes. Há muitos mais atores econômicos relevantes e o comércio mundial é bem mais diversificado.

Naquela época, por exemplo, a Ásia respondia por apenas cerca de 10% das importações mundiais. O comércio mundial estava muito concentrado no Atlântico Norte, entre a América do Norte e a Europa.

Atualmente, porém, o continente asiático responde por praticamente um terço do total das importações mundiais. O Pacífico tornou-se um grande polo dinâmico da economia mundial.

Mesmo assim, os EUA continuam a ser, segundo dados da OMC, o primeiro importador mundial, absorvendo 13,2% do comércio internacional.

Em segundo lugar, está a China, com 10,6%. Num distante terceiro lugar, está a Alemanha, com cerca de 6%.

Por conseguinte, as promessas protecionistas de Trump, somadas às ameaças de uma desvinculação significativa entre as economias dos EUA e a da China, poderão causar dano considerável.

As tarifas de importação médias dos EUA estão em torno 3,4%. Aumentá-las linearmente para 10%, em todos os produtos vindos do mundo, e em 60% especificamente para os produtos chineses, como promete Trump, teria um impacto muito grande, uma vez que ocorreriam as correspondentes retaliações.

É difícil quantificar o impacto geral, pois há muitos fatores envolvidos. Mas não há dúvida de que medidas protecionistas de tal monta e um agravamento do conflito geoeconômico entre as duas principais economias do mundo ameaçariam toda a economia mundial, que mal se recupera dos efeitos negativos da pandemia.

Como fator complicador, há de se salientar que os EUA inviabilizaram, desde 2018, o sistema de solução de controvérsias da OMC, ao não designarem juízes para o Appellate Body, a segunda e definitiva instância do sistema.

Desde então, o comércio mundial virou terra de ninguém. Cada um faz o que quer.

O Brasil poderia não ser muito afetado diretamente, uma vez que não depende mais tanto das exportações para os EUA.

Hoje, os EUA absorvem 10,86 % das exportações do Brasil. Mesmo assim, eles ainda são o segundo importador de produtos brasileiros, embora bem atrás da China, que absorve 31% das exportações brasileiras.

Nossas principais exportações para lá, como as de produtos metalúrgicos, aviões e suas partes, suco de laranja, combustíveis etc. poderiam, é claro, sofrer um efeito direto do protecionismo trumpista.

O efeito negativo maior seria, contudo, o indireto, via o provável desaquecimento e desorganização da economia global.

Entretanto, é provável que a própria economia estadunidense e a população daquele país sofram o dano maior.

Cálculos indicam que, se Trump cumprir o que promete, cada lar americano terá um prejuízo de US$ 1.500,00 anuais, por causa dos custos adicionais dos produtos.

Além disso, muitas indústrias dos EUA poderiam ser afetadas, já que componentes importados fazem parte de seus produtos finais. Produtos que dependem de insumos vindo da China e do México seriam especialmente afetados.

Não é a primeira vez que isso aconteceria. Um estudo de janeiro de 2021, encomendado pelo Conselho Empresarial EUA-China (USCBC), afirma que as políticas comerciais do ex-presidente Donald Trump custaram aos Estados Unidos 245.000 empregos, em seu primeiro mandato.

Dessa vez, contudo, o dano poderia ser bem maior. Não apenas no plano econômico, mas também no plano político-diplomático.

Haveria também de se computar os danos à cooperação centrada na descarbonização das economias, algo vital para o futuro do planeta.

O primeiro governo Trump foi o do American First, a América em primeiro lugar. Agora, Trump parece propor a America Alone, a América isolacionista.

O prejuízo maior, não obstante, seria à democracia. A nova eleição de Trump dará fôlego político ao preocupante crescimento da extrema-direita mundial, inclusive ao bolsonarismo.

Trump, que prometeu retaliação (retribution) caso chegue ao poder, poderá afetar mortalmente as instituições democráticas dos EUA.

Seu projeto político, o “Projeto 2025”, propõe que toda a burocracia federal, incluindo agências independentes, como o Departamento de Justiça, seja colocada sob controle presidencial direto – uma ideia controversa conhecida como “teoria do executivo unitário”.

Na prática, isso agilizaria a tomada de decisões, permitindo ao presidente implementar diretamente políticas numa série de áreas.

A proposta também inclui à eliminação das proteções laborais para funcionários públicos, que poderiam então ser substituídos por nomeados políticos.

Ou seja, propõe-se um aparelhamento total do Estado norte-americano, que faria Bolsonaro corar.

Os danos à economia poderiam ser revertidos. Mas os danos à democracia podem ser irreversíveis.

A vitória de Trump poderá se constituir num atentado à democracia no mundo inteiro.

**Leonardo Silva é sociólogo e especialista em Relações Internacionais.

*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

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Última Atualização: 18/07/2024