“Ônibus atropela sexagenário na Avenida São João.”

Li esta manchete no jornal quando estava no último ano da faculdade. Até a década de 1970, as pessoas de 60 anos eram consideradas muito velhas. Chegar aos 70 anos, raridade. Aos 80 nem se fala.

Hoje, a expectativa de vida na maioria dos países está na faixa dos 70 anos. No Japão, França, Itália e outras nações desenvolvidas, já passou dos 80. O número de centenários espalhados pelo mundo cresce a cada novo censo demográfico.

Em maio, a revista The Lancet publicou um estudo que espelha essa realidade. Com base no Chinese Longitudinal Healthy Longetivity Survey, pesquisadores chineses acompanharam uma coorte de mulheres e homens com 80 anos ou mais. Entre eles 1.454 centenários e 3.768 que faleceram depois dos 80, mas antes de completar 100 anos (grupo controle). Eles foram seguidos de 1998 a 2008, com o objetivo de estimar o impacto do estilo de vida na probabilidade de viver mais de 100 anos. A média de idade dos participantes foi de 94,3 anos. Desses, 62% eram mulheres.

Os autores criaram um escore para avaliar os hábitos possivelmente ligados à longevidade. Deram notas de zero a 2 para cada um de cinco fatores ligados à qualidade de vida: fumo, atividade física, diversidade da dieta, consumo de álcool e Índice de Massa Corpórea (IMC).

Nota zero, quando o item era mal avaliado, nota 2 no caso oposto. Por exemplo, sedentarismo recebia zero, atividade física leve nota 1, moderada ou intensa, 2.

Como foram cinco os itens avaliados com notas de zero a 2, o somatório possível de escores variou de zero a 10.

Os resultados revelaram que o grupo com escores entre 8 e 10, comparado com o de zero a 5, tiveram 33% de chance a mais de chegar aos 100 anos.

Dos itens examinados, apenas três tiveram impacto significativo na longevidade: nunca ter fumado, praticar atividade física e diversidade dietética, com consumo de vegetais variados e frutas.

Não guardaram relação com a chance de atingir 100 anos: sexo feminino ou masculino, consumo de álcool, IMC, anos de escolaridade, local de residência, estado civil ou apresentar condições crônicas.

Considerados apenas os três fatores com impacto na longevidade (fumo, atividade física e dieta), o grupo com escore de 5 ou 6, comparado ao de escores entre zero e 2, teve probabilidade de chegar aos 100 anos 61% mais alta.

A relação entre o que chamamos de estilo de vida saudável e mortalidade é conhecida há muitos anos, a literatura científica está repleta de estudos que a comprovam. A importância desse trabalho realizado em 22 cidades da China é a de ter estudado milhares de pessoas com 80 anos ou mais.

A demonstração de que a adoção de estilo de vida saudável, mesmo em idades mais avançadas, aumenta a probabilidade de viver mais de 100 anos é nova na literatura médica.

O achado de que os valores do IMC não tenham influenciado a probabilidade de viver mais, nessa população, quando sabemos que a obesidade na vida adulta é fator de risco para a mortalidade, tem explicação: depois dos 80 anos, a perda de massa muscular, o emagrecimento e a possibilidade de condições crônicas podem estar relacionados com a subnutrição e restrições alimentares. Estudos anteriores já haviam demonstrado que o excesso de peso pode ter efeito protetor na idade avançada.

O consumo de álcool, cada vez mais considerado nocivo na medicina moderna, não reduziu a expectativa de vida nessa população com mais idade. Será interessante verificar se essa conclusão ficará comprovada em outras pesquisas. Uma das fragilidades da publicação chinesa foi a de ter avaliado o uso ou não de álcool sem examinar a quantidade e a frequência do consumo atual ou anterior.

Esses dados falam a favor da necessidade de estabelecermos critérios para definir novos parâmetros de avaliação do que chamamos estilo de vida saudável, para a faixa etária acima dos 80 anos. Qual o IMC ideal, quantas porções de vegetais nas refeições, quanto de álcool pode ser consumido sem prejuízo, quais os exercícios mais adequados?

A longevidade depende principalmente de fatores genéticos e sociodemográficos, mas é desafiador saber que podemos ter mais tempo de vida se soubermos conduzi-la com sabedoria até as idades mais avançadas. •

Publicado na edição n° 1320 de CartaCapital, em 24 de julho de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Centenários’

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Última Atualização: 18/07/2024