“Se aprendêssemos a escutar, se aprendêssemos a nos escutar. Porque escutar o outro é parar um pouco a vida, o seu coração, e não ir adiante, como se não nos interessasse. E a vida está nos habituando a seguir adiante, a não nos interessarmos pela vida do outro, por aquilo que o outro deseja dizer, ou até respondendo o outro antes que termine de falar. Se nos ambientes em que vivemos aprendêssemos a escutar…como tudo mudaria; como mudariam as coisas em família se marido, mulher, genitores, filhos, irmãos aprendessem a se escutar…Mas tendemos a responder antes de saber o que a outra pessoa quer nos dizer. Temos medo de escutar? O trabalho mudaria tanto se escutássemos. Tanto no bairro mudaria. Quantas coisas mudariam em nossa pátria se aprendêssemos, como povo, a nos escutar”

Papa Francisco

Além de não nos escutarmos, vivemos uma era de escassa reflexão, a que se contrapõem inúmeros chavões, os quais, seguindo o bordão nazista, são repetidos à exaustão para se tornarem “verdades”.

Um deles – e dos mais repetidos – é: “polarização”.

Entretanto, uma “polarização” implica, pelo menos, dois polos.

Ocorre que, atualmente, só há um polo, tentando recolonizar o outro, como nação e como indivíduos.

São as oligarquias do Norte aliadas às do Sul, tentando subjugar povos e corpos.

No entanto, nem as maiorias do Sul nem os demais seres humanos que aí habitamos estamos dispostos a uma “neo-escravidão”, que visaria, em última análise, a roubar-nos a liberdade, as riquezas laborais e naturais de que dispomos.

No âmbito pessoal, as mulheres não querem voltar a se subordinar aos homens; os gays não estão a fim de voltar para o armário e os pretos, a serem tratados como segunda classe.

Mais ainda, os empobrecidos entendem que não são pobres, foram despossuídos; os afrodescendentes compreendem que foram sequestrados e desterritorializados; as transgêneros, que têm direitos iguais e devem desfrutar da vida com o gênero ao qual de fato pertencem.

Vale recordar que a base da acumulação capitalista do Ocidente é a escravidão. Daí derivou a revolução industrial e toda a riqueza acumulada pelas oligarquias do Norte. Por isso, no declínio de suas economias e sociedades, identificam no recolonizar a saída para decadência, que experimentam cada vez mais.

Outra contribuição notável à reflexão sobre as “verdades por repetição” é dada pelo deputado estadual do Paraná, Renato Freitas.

O jovem deputado e advogado chama atenção para o fato de que, no Paraná – mas podemos extrapolar para todo o Brasil e o Ocidente – os tais “freios e contrapesos” da democracia deixaram de funcionar (se é que um dia existiram).

Em seu lugar, subsistem compadrios, arranjos delituosos, que atam os três poderes do Estado, na forma de mútua concessão de salários altíssimos, cargos inúteis e corrupção bem pouco velada.

De fato, os poderes deixaram de se complementar, para serem, mais bem, fonte de desfrute de plutocracias e apaniguados.

Veja-se o caso da Câmara dos Deputados, com orçamento secreto, que despeja bilhões do orçamento público nas burras dos parlamentares, sem controle efetivo de gastos.

O mesmo vale para o Conselho Nacional de Justiça, que deveria fiscalizar a atuação dos juízes, mas é leniente com os desmandos dos magistrados, como se viu com relação aos implicados na Lava Jato.

Convém notar que os estereótipos não são exclusividade da direita, infelizmente.

Uma parte da esquerda nacional, por exemplo, não vê forças de esquerda nos atuais trabalhistas ingleses ou na Frente Popular francesa.

Caso pudessem seguir a BBC (a rede pública de rádio e TV), já teriam percebido a diferença que a vitória deles trouxe para as matérias da emissora, o mesmo valendo para a TV pública francesa France 24 Heures.

Em Pensando com Florestan Fernandes (Série Realidade Brasileira, ENFF), o grande sociólogo nos estimula a refletir:

“Quanto tempo as burguesias nacionais ter-se-iam aguentado no poder se fossem atacadas de modo direto, organizado e eficiente? Ou estamos sujeitos a uma ‘fatalidade histórica’, que prolonga o período colonial e a tirania colonizadora depois da Independência e da expansão do Estado nacional? O diagnóstico correto, embora terrível para todos nós, é que nunca fizemos o que deveríamos ter feito.

Os ‘revolucionários’ quiseram manter seus privilégios ou seus meio-privilégios, sintonizando-se com as elites no poder e com as classes dominantes. Formaram a sua ‘ala radical’, sempre pronta a esclarecer os donos do poder sobre o que certas reformas implicariam, para evitar uma aceleração da desagregação da ordem e os seus efeitos imprevisíveis (…)

Não estou inventando. Voltamos as costas à organização da revolução e auxiliamos a contrarrevolução, uns mais, outros menos, uns conscientemente, outros sem ter consciência disso. E a ‘massa’ da esquerda tem os olhos fitos no desfrute das vantagens do status de classe média. O que ameaça esse status entra em conflito com o socialismo democrático… Fomos paralisados pela ideia do gradualismo democrático-burguês e pelo poder de coação da ordem.”

São chamamentos para não sermos como os ricos que nem sequer olham para os semelhantes, por se crerem seres superiores, quase por vontade divina, como se o sol girasse em torno deles – e não o contrário.

Diversamente, vejamos, julguemos e ajamos!

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Última Atualização: 16/07/2024