Por Leonardo Sakamoto
Ao negar o caráter golpista do ataque às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023, o prefeito de São Paulo Ricardo Nunes (MDB) fez seu segundo strike contra a democracia. Em seu cálculo eleitoral, ele acredita que isso vai agradar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus seguidores radicais, mas que não vai levá-lo a perder votos junto ao restante da população.
Em sabatina UOL/Folha, realizada nesta segunda (15), Nunes ecoou a desculpa dada por bolsonaristas envolvidos nos ataques golpistas para fugir da cadeia, afirmando que “o 8 de janeiro foi um atentado contra os patrimônios públicos”, mas que não havia uma tentativa de golpe.
Ou seja, na sua avaliação, o que saiu ferido não foi a democracia, mas vidraças e cadeiras. Ainda tentou comparar com outros protestos da esquerda, ignorando que os próprios golpistas no 8 de janeiro reivindicavam em gritos e cartazes que as Forças Armadas atropelassem o resultado das eleições.
Para alguém que diz, como ele, ser “extremista em favor da democracia”, ele não teve problemas para relativizar o principal ataque ao Estado democrático de direito desde 31 de março de 1964.
O prefeito já havia dado outra declaração no mesmo sentido ao UOL. Em entrevista ao programa de entrevistas Alt Tabet, no mês passado, ele disse que aceita o apoio da ultradireita desde que ela defenda a democracia.
Considerando que os fundamentos desses grupos ao redor do mundo passam pelo atropelamento das garantias e proteções de minorias em direitos e pela substituição do respeito às instituições pela fé em líderes de massa como base de um governo, o que Nunes afirmou é semelhante a dizer que aceita mergulhar pelado no mar desde que não se molhe.
O crescimento da ultradireita vem erodindo princípios democráticos ao redor do mundo e levando à ascensão de políticos autocráticos, racistas e fascistas, com um discurso que atrai muitos jovens, o que é um desafio a partidos de esquerda, centro e direita. Não à toa, levou a uma barreira sanitária contra ela na França nas eleições parlamentares.
Nunes não é de ultradireita. Mas como quer o apoio do bolsonarismo à sua campanha pela reeleição (o seu principal adversário, o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL), é apadrinhado pelo presidente Lula), precisa de votos que podem ser transferidos pelo ex-presidente.
Mas, pelo visto, pouco se importa com o que isso fará à sua biografia, desde que se mantenha no poder. Ele se reuniu, em maio, com Matteo Salvini, líder da ultradireita italiana, sem divulgar o encontro em sua agenda. Segundo o prefeito, isso ocorreu porque acompanhou o deputado estadual Tomé Abduch (Republicanos) em uma reunião com Salvini, que é vice-primeiro-ministro.
No Brasil, durante os últimos anos, as liberdades constitucionais foram evocadas por grupos de extrema direita como justificativa para atacar o sistema eleitoral e, portanto, a própria democracia. Por estarem em uma democracia, defendiam ser livres para atacar a própria democracia.
Nunes também não morre de amores por Bolsonaro, e sabe que o ex-presidente tem um piso, mas também um teto na capital. Busca ficar mais próximo do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), com melhor imagem e avaliação. Mas, no final do dia, precisa de Bolsonaro, porque ele é um enorme cabo eleitoral.
Isso gera cenas de complicadas. A resposta dada a Antonio Tabet soma-se a outras situações de constrangimento explícito envolvendo o prefeito e a ultradireita, como naquela em que ele defendeu que Jair Bolsonaro foi um bom gestor da pandemia de covid-19, apesar dos mais de 700 mil mortos – muitas das quais evitáveis se houvesse um governo guiado pela ciência.
O prefeito se diz um homem religioso. Vai lembrar, portanto, do Evangelho de Marcos, capítulo 14, versículo 30: “E disse-lhe Jesus: em verdade te digo que hoje, nesta noite, antes que o galo cante duas vezes, três vezes me negarás”.
O galo vai cantar em 6 e 27 de outubro, no primeiro e segundo turnos da eleição. Até lá, Nunes tem chance de negar a democracia ainda mais uma vez.
Originalmente publicado no Uol
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