O álbum A Lira do Povo sai do comum, mergulhando no universo do cancioneiro nacional antigo. Ele se divide em três suítes, com músicas que se agrupam em cada uma delas em um longo pot-pourri, respeitando um tema. O resultado é primoroso e coloca o trabalho entre os melhores do ano.

No terceiro disco do jovem Ayrton Montarroyos, sua bem postada voz reverbera novas versões, com ótimos arranjos e transições musicais cuidadosas. O cantor selecionou inicialmente 80 músicas para depois escolher as 27 – entre canções e citações de canções – que entraram no disco, sendo que 25 delas são composições do século passado.

“Tive sempre muita vergonha das músicas que ouvia e gostava. Sempre fui cobrado por inovações. Tentei compor, vi que era ruim – tenho autocrítica”, diz. “E essas canções (do álbum) fazem parte de minha audição diária de música.”

O título do disco foi uma sugestão de Hermínio Bello de Carvalho, que teve uma canção em que inseriu letra – A Estrada do Sertão – gravada no álbum. Há ainda músicas de Edu Lobo, João do Vale e Sérgio Ricardo, entre muitos outros de um repertório rico do cancioneiro.

“Fui selecionando essas canções e tentando encontrar universos onde elas pudessem se tocar”, conta. “Quis dividir em três ambientes: sertão, mar e cidade, tanto nos sentidos literais, como nos figurativos e nos metafóricos.”

Assim, a suíte I do álbum é mítica, relacionada ao interior do homem, do sertão. A suíte II do tem a designação de lírica e se relaciona ao mar e às incertezas. A suíte III é épica, do fim da viagem, já nas cidades. Essa estruturação do disco foi inspirada na sua formação, em sua cidade natal, Recife, a partir de leituras, principalmente de João Cabral de Melo Neto.

“O sertão, por exemplo, é o interior do homem, os seus sentidos sensoriais, suas perspectivas, seus sonhos”, explica. “O mar sendo lugar de transição, os pensamentos mais profundos. O ambiente da cidade é a chegada, a destruição da viagem, quando acaba.”

O trabalho expõe uma densa pesquisa feita pelo autor. “É o que me dá menos trabalho. É o que faço com muito amor”, diz. “Ouvir música é uma libertação. Ouço música o dia inteiro, o tempo inteiro. Estou sempre ouvindo coisa nova. Então, para mim, é mais fácil selecionar repertório.”

A grande dificuldade do álbum foi a montagem dos arranjos. “Foram mais de 30 ensaios. Levou um ano. Esse processo foi muito dificultoso. Às vezes havia músicas que não estavam no roteiro, apareciam no meio de uma execução.”

Ayrton conta que enfrentou obstáculos para conseguir a liberação – com o respectivo pagamento – com as editoras detentoras dos fonogramas para regravar.

“Existe uma série de regras impeditivas da arte no Brasil. Tem que se guiar pelas leis do pop, pela lei do streaming”, reclama. A disponibilização do disco nas plataformas de música teve de ser dividida em nove faixas (embora não se perceba isso não hora de ouvi-las), e não em três suítes, como a ideia original, para atender o padrão de arrecadação de direitos. “Com isso, não se tem liberdade de criação no Brasil. Descobri com esse disco.”

“O que estou cantando no disco é cultura popular, foi o povo que deu ao Brasil. São músicas em que 90% dos casos são pobres que fizeram, pessoas que não tiveram oportunidade de nada. Isso é a lira do povo”, acrescenta.

O disco A Lira do Povo (gravadora Kuarup) tem a participação de Alaíde Costa. A banda é formada por Arquétipo Rafa (percussão, baixo e produção), Ariane Rodrigues (flautas), Rodrigo Campos (violões), além de Rhaissa Bittar, Mari Tavares e Tatiana Burg (coro). A direção artístico-musical é do próprio Ayrton.

Assista à entrevista de Ayrton Montarroyos:

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Última Atualização: 15/07/2024