A esclerose múltipla (EM) é uma doença neurológica que afeta principalmente mulheres entre 20 e 40 anos e costuma evoluir de forma silenciosa. Quando o diagnóstico é confirmado, muitas vezes o cérebro já sofreu danos relevantes, com prejuízos à visão, à coordenação motora e a outras funções neurológicas.
Embora os tratamentos disponíveis consigam retardar ou até interromper a progressão da doença, o início precoce das terapias é decisivo para preservar a qualidade de vida dos pacientes. Por isso, estratégias capazes de antecipar o diagnóstico ou prever a evolução do quadro são consideradas essenciais.
Um avanço nesse sentido foi apresentado em um estudo publicado em outubro na revista Nature Medicine. Pesquisadores da Universidade da Califórnia em São Francisco, nos Estados Unidos, identificaram biomarcadores no sangue que podem estar presentes até sete anos antes da primeira crise clínica de esclerose múltipla.
Segundo os cientistas, o processo inflamatório que caracteriza a doença começa muito antes do primeiro surto perceptível. O sistema nervoso é atingido por inflamações contínuas, que podem se intensificar em determinados períodos.
“Mesmo antes dos picos de inflamação, temos pacientes com funções primárias do cérebro prejudicadas, mas muitas vezes sem que associem os sintomas à doença. Eles passam por fadiga mental e física, depressão, ansiedade, irritabilidade, sinais inespecíficos, mas que podem ser melhor entendidos conforme aprofundamos nossas ferramentas de diagnóstico”, explica o neurologista Rodrigo Barbosa Thomaz, coordenador do Centro de Excelência em Esclerose Múltipla e Doenças Desmielinizantes do Hospital Israelita Albert Einstein.
O estudo teve como objetivo identificar um conjunto de 21 biomarcadores que, embora não sejam exclusivos da esclerose múltipla, ajudam a indicar a presença da doença e a monitorar sua progressão e a resposta ao tratamento. Para isso, os pesquisadores analisaram mais de 5.000 proteínas em amostras de sangue de 134 voluntários do Exército dos Estados Unidos, acompanhados por mais de dez anos e que, posteriormente, desenvolveram a condição.
Os resultados indicam que, anos antes do surgimento dos primeiros sintomas ou mesmo das lesões detectáveis por ressonância magnética, já é possível identificar proteínas associadas à esclerose múltipla. A mais precoce delas é a glicoproteína oligodendrócita da mielina (MOG), detectada até sete anos antes dos sinais clínicos e relacionada aos primeiros danos nas fibras nervosas.
Em seguida, observa-se o aumento da interleucina 3 (IL-3), proteína que recruta células de defesa responsáveis por atacar o cérebro e a medula espinhal. Cerca de um ano depois, surge a cadeia leve de neurofilamento (NfL), marcador de lesão direta do tecido neuronal. Essas descobertas sustentam o desenvolvimento de um possível exame de sangue capaz de identificar a doença ainda em sua fase pré-clínica.
Para Thomaz, a utilização desses marcadores pode mudar a prática clínica. “Hoje identificamos a progressão da doença com base em sintomas e exames de imagem. Mas em áreas que já foram atacadas, ou seja, dentro das lesões cerebrais, a ressonância nem sempre é capaz de mostrar o que está ocorrendo. Biomarcadores como esses nos permitem medir esses processos invisíveis no exame de imagem, ajudando a entender se há risco de progressão e se o tratamento está realmente controlando as inflamações”, afirma.
O especialista ressalta, porém, que esses marcadores não são exclusivos da esclerose múltipla. “O neurofilamento, por exemplo, também se altera em outras condições neurológicas”, diz. “A avaliação de múltiplos marcadores, associada a algoritmos de inteligência artificial, tende a personalizar o cuidado. Isso pode indicar quem tem maior risco de progressão, de sequelas e quem pode evitar surtos se tratado precocemente.”
Segundo ele, a análise conjunta de múltiplos biomarcadores, associada a algoritmos de inteligência artificial, tende a tornar o cuidado mais personalizado, identificando pacientes com maior risco de progressão ou de sequelas e aqueles que podem se beneficiar de intervenções precoces.
O que é a esclerose múltipla
A esclerose múltipla é uma doença autoimune e desmielinizante, caracterizada pelo ataque do sistema imunológico à bainha de mielina — estrutura que reveste os neurônios e acelera a transmissão dos impulsos nervosos. “A mielina está distribuída por todo o cérebro e é fundamental para a rapidez das respostas neurológicas”, explica Thomaz.
Apesar de a mielina ter capacidade de regeneração, a doença também ativa mecanismos que dificultam esse processo. Sem tratamento, funções como visão, sensibilidade e mobilidade podem ser progressivamente comprometidas. Os sintomas variam de alterações leves de sensibilidade a dificuldades para enxergar, caminhar, falar ou raciocinar.
*Com informações da Folha e da Agência Einstein.
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