O último apaga a luz
por Luiz Gonzaga Belluzzo e Manfred Back
“Deus disse: ‘Faça-se a luz!’. E a luz foi feita”. (Gênesis 1: 3)
É o momento em que a ordem surge do caos, menos para os paulistanos. Aqui na maior cidade da América Latina, só caos e escuridão, nem o apóstolo São Paulo salva a Enel! Entre a ventania e os fios pendurados nos postes, a calamidade institucional da regulação do fornecimento e distribuição de energia elétrica, nas mãos ineficientes da prefeitura e governo paulista. Quase 25% da população de Sampa, sem luz, no caos, aqui a luz foi desfeita e com desfaçatez!
Entre o apagão geral de energia, vivemos o apagão da polarização que se debruça na oposição binária entre Estado e Mercado, se o setor elétrico deve ser de controle privado ou público. Geração de energia para chegar na sua casa, na sua loja, no seu banco, no transporte público e na sua indústria depende de transmissão para ser distribuída. Culpar eventos aleatórios de clima e calamidades, escondem a falta de luz e transparência da concessão a Enel. A maior cidade do país tem que rezar para que não chova nem vente! A maior arrecadação de imposto do país, vive ao léu com linhas de transmissão a céu aberto em pleno século XXI! Lembrar ao alcaide e governador de São Paulo que a geração de energia no grande irmão do Norte é pública, não foi privatizada. Por que será? Porque energia é estratégica, é insumo fixo na cadeia econômica, portanto, precisa ter preço regulado e garantia de produção e fornecimento. Sem energia não se produz, não se vive! Make Eletropaulo Great Again! São Paulo e o Brasil merecem!
Em linguagem econômica, chamamos de bem público, aquele que apresentam duas características: não excludentes e não rivais. Não podem excluir ninguém de seu consumo, portanto, dependem de uma política regulada de preço, para que todos tenham acesso. E o uso de energia de uma pessoa não pode rivalizar com o de outras pessoas, ou seja, não impede o consumo de outras pessoas, ao mesmo tempo. O fornecimento e distribuição de energia têm que estar à disposição de todos.
A garantia de fornecimento de energia deve ser assegurada pelo Estado, no caso da cidade paulista, pela prefeitura. A energia elétrica – bem público – é imprescindível para a prestação de serviços estrategicamente públicos. Mesmo que sejam de propriedade concedida a uma empresa privada, no caso, a Enel. A ordem dos fatores não deveria mudar o resultado!
A concessão pública cedida a Enel, não isenta a responsabilidade da prefeitura paulistana, pois o fornecimento de luz é um direito do cidadão e um dever do Estado .
O contrato de concessão com a Enel foi assinado em 1998 e vence em 2028, porém, a empresa pede renovação antecipada para mais 30 anos. A regulação do setor elétrico e a fiscalização dos serviços da Enel e de outras distribuidoras cabe a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). Em São Paulo, a Enel desempenha o papel de distribuidora de energia. A empresa italiana diz ser responsável por fornecer eletricidade para 7,5 milhões de unidades consumidoras em 24 municípios da região metropolitana. O monopólio privado de concessão de energia deixa a população à mercê de uma única empresa, seja ela eficiente ou não. Cuidado para não cair no discurso fácil que, como o vento, derruba os fios de transmissão de energia. A ladainha privatista reza que basta aumentar a concorrência, como se a luz fosse um bem de consumo qualquer. Respeite esse bem público essencial para a atividade econômica e qualidade de vida de todos. É um monopólio do Estado, e o Estado somos nós!
Segundo Renato Fernandes de Castro ex-superintendente da Arsesp (Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo): tem ocorrido há anos “um movimento de diminuição cada vez maior do escopo da atividade desenvolvida pela Arsesp na fiscalização do serviço das distribuidoras, porque a Aneel dispõe de menos dinheiro para pagar. Então, eu acredito que é uma questão sistêmica.
Na grei dos economistas poderia figurar com aplomb Sir Arthur Lewis. Discorrendo sobre o papel dos investimentos públicos em infraestrutura, Lewis ensinou: “Há necessidade de vastas despesas por agências públicas e empresas de utilidade pública em estradas, ferrovias, portos, energia elétrica e outros grandes projetos que estão muito além da capacidade do indivíduo ‘poupador’. Um pessimista certamente observará que, em muitos casos, essas vastas despesas não levaram a nada, porque foram mal desenhadas, mas daí concluir que o crescimento econômico é possível sem tais gastos é um non sequitur absurdo”.
E você? Até o próximo efeito climático! Reze aos céus para que haja luz!
Porque o último apagou a luz…
Luiz Gonzaga Belluzzo é professor titular do Instituto de Economia (IE) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (1985-1987) e de Ciência e Tecnologia de São Paulo (1988-1990). Belluzzo é formado em Direito e Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP), pós-graduado em Desenvolvimento Econômico pela Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) e doutor em economia pela Unicamp. Fundador da Facamp e conselheiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), é autor dos livros “Os Antecedentes da Tormenta”, “Ensaios sobre o Capitalismo no Século XX”, e coautor de “Depois da Queda, Luta Pela Sobrevivência da Moeda Nacional”, entre outros. Em 2001, foi incluído entre os 100 maiores economistas heterodoxos do século XX no Biographical Dictionary of Dissenting Economists. Em 2005, recebeu o Prêmio Intelectual do Ano (Prêmio Juca Pato).
Manfred Back bacharel em Ciências Econômicas pela PUC-SP, mestre em Administração Pública pela FGV-SP. Atuou como Trader na bolsa de valores (BOVESPA), como operador na mesa de operação de renda variável e futuros, como economista-chefe, como gestor de carteira e fundo de ações. Professor de microeconomia, macroeconomia, mercado de capitais e derivativos de graduação, pós-graduação e de ensino fundamental.
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