Em mais um ataque à democracia promovido pela direita no Congresso Nacional, o Senado aprovou, nesta quarta-feira (17), o Projeto de Lei da “Dosimetria”, que diminui a pena de golpistas que atentaram contra as instituições do País (inclusive o próprio Congresso). A matéria, que na essência é uma anistia disfarçada dirigida a Jair Bolsonaro (PL), deverá seguir para a sanção presidencial, mas Lula já disse que a vetará.
Nesta quinta-feira (18), durante café da manhã com jornalistas, Lula negou o suposto acordo que teria sido feito para aprovar o projeto e reafirmou sobre sua posição a respeito da dosimetria.
“Se houve acordo com governo, eu não fui informado. Então, se o presidente não foi informado, não houve acordo. Tenho dito que as pessoas que cometeram crime contra a democracia brasileira terão que pagar contra os atos cometidos contra esse país. Nem terminou o julgamento (de todos os núcleos da trama) ainda e já resolvem diminuir a pena. Com todo respeito que tenho ao Congresso, na hora que chegar na minha mesa, eu vetarei”, declarou.
Lula já havia se colocado dessa forma em outras ocasiões e, após a aprovação da matéria no Senado, a ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, reforçou tal posição. “O presidente Lula vetará esse projeto. Condenados por atentar contra a democracia têm de pagar por seus crimes. A redução das penas de Jair Bolsonaro e demais golpistas, aprovada no Senado, é um desrespeito à decisão do STF e um grave retrocesso na legislação que protege a democracia”, salientou.
Votação e mandado de segurança
O projeto da “dosimetria” foi aprovado em meio a uma série de irregularidades e procedimentos nebulosos. Nos últimos dias, a sinalização era de que o texto sofreria mudanças profundas ou, ainda, poderia ser rejeitado durante sua tramitação no Senado. No entanto, acabou sendo aprovado — primeiramente na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, depois, no Plenário, onde teve 48 votos a favor e 25 contrários.
Conforme apontado por parlamentares da base governista, após a aprovação, o PL deveria retornar à Câmara, já que o mérito foi alterado e precisaria passar pelo aval dos deputados antes de ir à sanção. Mas, uma manobra da direita fez com que a emenda, que mexeu no conteúdo, fosse classificada como mera mudança de redação.
Tal emenda diz respeito à mudança apresentada no Senado para sanar brechas, criadas no projeto aprovado na Câmara, que possibilitariam aos condenados por crimes sem relação com a tentativa de golpe se beneficiarem da lei no que diz respeito à progressão das penas.
Usando como base essa manobra da direita, as bancadas do PCdoB, PT, PSol e PSB da Câmara impetraram mandado de segurança junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a suspensão da tramitação do projeto de lei.
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De acordo com o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), o argumento central da ação é o fato de uma emenda apresentada e aprovada na CCJ do Senado ter sido “indevidamente classificada como ‘emenda de redação’, quando, na realidade, promove alteração substancial de mérito ao modificar critérios de execução penal e excluir centenas de tipos penais do alcance da norma”.
O líder do PCdoB na Câmara, Renildo Calheiros (PE), também se manifestou neste sentido: “Os senadores mexeram no mérito do projeto, alteraram seu conteúdo, e chamaram isso de emenda de redação. Isso é um absurdo, não pode”. Para ele, o encaminhamento, adotado pelo Senado “é irregular e precisa ser revisto” antes de seguir à sanção presidencial.
Além dessa questão, Lindberg Farias ainda argumentou ter havido supressão indevida do prazo regimental de vista na CCJ, sem regime de urgência e sem justificativa objetiva, “restringindo o debate parlamentar e violando as prerrogativas das minorias”.
Isso porque durante a análise na CCJ, os governistas apresentaram requerimentos pedindo o adiamento da votação ou a realização de audiência pública devido à relevância da matéria e ao pouco tempo que o Senado teve para debatê-la após sua aprovação na Câmara.
Todos os pedidos foram rejeitados, o que levou os senadores a solicitarem vista sobre o projeto. No entanto, ao invés do prazo de cinco dias — em geral concedido nessas situações —, foram dadas apenas quatro horas.
Segundo a liderança do PT, “a combinação desses vícios revela fraude ao processo legislativo e risco concreto de interferência indevida em julgamentos penais em curso no STF, o que exige controle jurisdicional para preservar a separação de poderes, a legalidade do processo legislativo e a integridade do Estado Democrático de Direito”.
Acordo
Outro ponto que marcou a tramitação do projeto no Senado foi a especulação sobre um suposto acordo entre governo e oposição para fazer passar a dosimetria, em troca da aprovação de projeto de taxação BBB (Bets, Bancos e Bilionários), de interesse do governo e que já havia passado pela Câmara. Tal proposta — que acabou sendo aprovada por 62 votos a seis —, reduz benefícios fiscais, aumenta a tributação de bets e fintechs, bem como dos juros sobre o capital próprio (JCP).
Ao longo do dia, lideranças do governo desmentiram essa tese, dizendo que o acordo previa apenas a entrada em votação das matérias e não a forma como votar em cada uma. “Nós não trocamos nada. A única coisa que a gente falou é de votar as duas matérias hoje. E quem tiver voto que ganhe a votação”, afirmou o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), à GloboNews.
Durante a tramitação, Wagner disse, ainda, que “não há como minimizar os atos do 8 de janeiro. O PL da Dosimetria é um convite a novas badernas. A orientação do governo é voto contrário, o partido fechou questão no ‘não’, e quero repelir qualquer tentativa de imputar ao governo algum tipo de negociação”, afirmou.
O líder lembrou, ainda, que o PT tentou impedir, por três vezes, a votação da proposta na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mas a maioria do colegiado optou pela aprovação do texto.