PF descobre que Moro fez esquema de espionagem que atingiu desembargadores, políticos graúdos e presidente do TCE

A Polícia Federal apreendeu documentos, relatórios de inteligência e mídias que indicam a realização de escutas telefônicas e ambientais contra autoridades com foro privilegiado por ordem do então juiz federal Sergio Moro, quando ele era titular da 13ª Vara Federal de Curitiba. As informações foram reveladas pela jornalista Daniela Lima, do portal UOL.

O material apreendido aponta que as gravações atingiram autoridades que só poderiam ser investigadas mediante autorização de tribunais superiores, como o presidente do Tribunal de Contas do Paraná (TCE-PR), desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e políticos com prerrogativa de foro. As escutas teriam sido realizadas sem autorização do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou do Supremo Tribunal Federal (STF).

A síntese dos relatórios recolhidos pela Polícia Federal sustenta a acusação de que delatores foram utilizados para monitorar ilegalmente autoridades fora do alcance legal do juízo de primeira instância. Parte significativa desse material permaneceu fora dos autos judiciais e foi encontrada nas dependências da própria Vara Federal.

Gravações atingiram presidente do TCE-PR e desembargadores

Entre os alvos das escutas está o então presidente do Tribunal de Contas do Paraná, Heinz Herwig. De acordo com os documentos, uma gravação envolvendo Herwig foi realizada em fevereiro de 2005, embora ele só pudesse ser investigado mediante autorização do STJ. Cinco meses depois, conforme os registros apreendidos, Moro determinou formalmente que o delator repetisse a tentativa de escuta.

Além desse episódio, a Polícia Federal identificou registros de gravações envolvendo desembargadores que integravam o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, responsável por revisar decisões da Justiça Federal no Paraná. As escutas teriam sido realizadas por outro colaborador da Vara, o advogado Sérgio Costa.

Assim como no caso do presidente do TCE-PR, os desembargadores só poderiam ser investigados mediante decisão do STJ. Não há registro de autorização judicial de instância superior para a realização dessas gravações.

Busca foi autorizada por Dias Toffoli

A ordem de busca e apreensão na 13ª Vara Federal de Curitiba foi expedida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli. A decisão ocorreu após sucessivas solicitações do STF para que documentos, fitas e gravações fossem encaminhados à Corte, o que não teria ocorrido mesmo depois da saída de Sergio Moro da magistratura.

Toffoli apura denúncias de que delatores foram usados para monitorar autoridades fora do alcance legal do então juiz, com o objetivo de pressioná-las posteriormente. O procedimento tramita sob sigilo no STF.

Relatórios foram mantidos fora dos autos

As denúncias foram levadas ao Supremo inicialmente pelo ex-deputado estadual Tony Garcia, que firmou acordo de delação premiada com Moro há cerca de 21 anos, após permanecer aproximadamente 30 dias preso. Garcia tornou públicas as acusações em entrevista concedida ao jornalista Joaquim de Carvalho, da TV 247.

Entre 2004 e 2005, segundo o delator, ele realizou gravações telefônicas e ambientais por ordem direta do então juiz, inclusive com o uso de câmeras ocultas em seu escritório. Um policial federal chegou a ser designado para acompanhar as atividades, atuando como secretário.

Os relatórios mencionam desembargadores do TRF-4 em situações de foro íntimo, com registros de temor por parte dos magistrados de terem sido gravados. As referências aparecem de forma genérica, como títulos de arquivos. Um deles traz o nome de um magistrado acompanhado da descrição: “com medo de que as fitas das festas vazassem, contou para a mulher que foi filmado”.

Áudio completo permaneceu oculto por anos

No caso de Heinz Herwig, havia apenas registros sumários da gravação em relatórios encaminhados ao STF. A íntegra do áudio nunca havia sido revelada e permaneceu guardada nas gavetas da 13ª Vara Federal.

Essa circunstância permitiu que Sergio Moro, hoje senador pelo União Brasil, classificasse publicamente as acusações como fantasiosas, uma vez que o conteúdo integral das gravações não era conhecido.

A transcrição completa da conversa entre Tony Garcia e Heinz Herwig tem cerca de 40 minutos de duração e ocupa aproximadamente 20 páginas. No diálogo, ambos fazem críticas diretas à atuação do então juiz.

“Na verdade, ele é polícia, é promotor e é juiz”, afirma Heinz Herwig. Em outro momento, Tony Garcia declara: “Tudo o que você fala ele diz que é mentira. Quem cair na mão desse cara está ferrado”.

Conversa menciona pressão e risco jurídico

A investigação sobre Heinz Herwig consta expressamente no acordo de delação firmado por Tony Garcia e assinado por Sergio Moro. O termo previa a apuração de eventual envolvimento do então presidente do TCE-PR com uma grande empresa do setor alimentício, hoje em processo de falência. “O beneficiário se compromete a testemunhar e trazer prova documental”, registra o acordo.

Na conversa gravada, o tema surge de forma lateral. O foco recai sobre a pressão exercida pela Justiça. Tony Garcia relata sua prisão e a busca realizada em sua casa. “Eles estão querendo aparecer”, diz Heinz. “Querem fazer negócio”, responde o delator. “Agora, quem corre risco? Corro risco eu, corre risco você.” Heinz concorda: “Eu, claro”.

Autoridades com foro privilegiado são mencionadas ao longo do diálogo, conteúdo que, pela legislação, deveria ter sido submetido à análise de tribunais superiores, o que não ocorreu.

Defesa de Moro nega irregularidades

Em despacho de julho de 2005, ao analisar relatórios da Polícia Federal, Sergio Moro escreveu: “Considerando os termos do acordo, reputa este Juízo conveniente tentativas de reuniões, com escuta ambiental, com Roberto Bertholdo, Michel Saliba e novamente com Heinz, visto que as gravações até o momento são insatisfatórias para os fins pretendidos”.

Procurado, Sergio Moro afirmou, por meio de sua assessoria, que a investigação em curso no STF se baseia em “relatos fantasiosos do criminoso condenado Tony Garcia”. Segundo ele, a colaboração ocorreu entre 2004 e 2005 e, por não ter acesso aos autos atuais do inquérito, não poderia comentar o material apreendido.

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