Engenharia nacional e soberania, por José Manoel F. Gonçalves

Engenharia nacional e soberania

por José Manoel Ferreira Gonçalves

Engenharia como instância de Estado

Antes de tudo, é preciso afirmar que a engenharia nacional integra o núcleo duro da segurança do Estado e não apenas o ecossistema técnico de projetos e obras. Portanto, quando a engenharia se cala, o país perde um de seus principais instrumentos de formulação estratégica. Assim, o chamado “silêncio histórico” não se limita a uma abstinência de opinião, mas configura verdadeira omissão política na defesa dos interesses nacionais. Desse modo, essa omissão contribui para a desindustrialização, para a primarização da economia e para a transformação do Brasil em praça de consumo de tecnologias alheias.

Além disso, quando a engenharia recupera sua “capacidade de enfrentamento”, ela assume uma obrigação moral perante a sociedade. Dessa forma, ela passa a vigiar criticamente cada decisão de infraestrutura, cada concessão, cada contrato de grande porte. Assim, a engenharia precisa subordinar o lucro imediato à racionalidade de Estado e rejeitar soluções que reforcem dependências tecnológicas. Por isso, o vetor central do planejamento deve ser a autonomia de longo prazo, e não o ganho financeiro de curto prazo.

Engenharia Nacional Soberania Tecnológica

Sob essa ótica, a expressão Engenharia Nacional Soberania Tecnológica não corresponde a um slogan vazio, mas a um programa de ação. Consequentemente, o Brasil precisa vincular cada grande obra à formação de competências locais, à consolidação de cadeias produtivas e à internalização de conhecimento. Do contrário, o país apenas “compra pontes e usinas”, enquanto outras nações vendem inteligência, patentes e domínio de processos.

Do mesmo modo, a engenharia deve ocupar o centro da formulação de políticas públicas. Assim, ela precisa influenciar marcos regulatórios, critérios de licitação, modelos de concessão e agendas de inovação. Portanto, quando o Estado exclui a engenharia nacional dessas escolhas, ele abdica de pensar o próprio futuro e terceiriza sua soberania.

Reciprocidade, China e interesse nacional

No campo internacional, a reciprocidade se apresenta como fronteira mínima de dignidade diplomática. Por isso, o investimento estrangeiro, inclusive o chinês, revela-se bem-vindo, mas somente quando associado a cláusulas de transferência de tecnologia, conteúdo local robusto e acesso efetivo aos mercados dos países investidores. Caso contrário, a relação desliza para um neocolonialismo sofisticado, em que o Brasil oferece infraestrutura crítica e recebe, em troca, empregos de baixa qualificação e dependência tecnológica.

Além disso, a legislação chinesa ilustra com clareza essa lógica de proteção. Ali, o estrangeiro enfrenta exigências rigorosas: experiência comprovada, patrocínio empresarial, sistema de pontuação, proficiência no idioma e forte controle estatal. Já aqui, o movimento atual aponta para uma abertura quase irrestrita, sem contrapartidas equivalentes para os profissionais brasileiros em solo chinês. Assim, sem reciprocidade, não há parceria; há subordinação.

Engenharia Nacional Soberania Tecnológica e o PL 1.024/2020

É nesse cenário que a manifestação encaminhada à CCJC sobre o Projeto de Lei nº 1.024/2020 assume caráter de alerta institucional. De fato, o documento que levo à Câmara aponta riscos concretos à soberania técnica, à formação profissional e ao mercado de trabalho qualificado. Em síntese, o PL amplia a atuação de profissionais estrangeiros sem assegurar, de forma efetiva, filtros de qualificação, fiscalização rigorosa e reciprocidade internacional.

Portanto, quando o país afrouxa suas barreiras técnicas sem exigir tratamento paritário, ele fragiliza sua própria comunidade de engenheiros. Assim, a agenda que o Brasil necessita não é a da mão de obra importada e barata, mas a de fortalecimento da formação interna, do respeito aos conselhos profissionais e da defesa intransigente da Engenharia Nacional Soberania Tecnológica.

Um projeto de país, não de ocasião

Em última análise, a discussão sobre o PL 1.024/2020 não trata apenas de mercado de trabalho, mas de projeto de país. Portanto, ou o Brasil usa a engenharia como cérebro estratégico do desenvolvimento, ou aceita o papel de consumidor de soluções concebidas fora de suas fronteiras. Assim, cada grande obra deve deixar legado de tecnologia, indústria e conhecimento. Do contrário, ela se converte em monumento à nossa dependência.

Por isso, defender a engenharia nacional diante de iniciativas legislativas inadequadas não configura corporativismo, mas ato de responsabilidade de Estado. E, enquanto houver margem para o enfraquecimento silencioso da nossa capacidade técnica, haverá risco direto à soberania.

José Manoel Ferreira Gonçalves é Engenheiro Civil, Advogado, Jornalista, Cientista Político e Escritor. Pós-doutor em Sustentabilidade e Transportes (Universidade de Lisboa). É fundador e presidente da FerroFrente e da Associação Água Viva, coordenador do Movimento Engenheiros pela Democracia (EPD) é um dos fundadores do Portal de Notícias Os Inconfidentes, comprometido com pluralidade e engajamento comunitário.

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