O paradoxo fiscal dos refrigerantes, por Luís Nassif

A Zona Franca de Manaus abriga um dos maiores escândalos tributários do país: os subsídios bilionários à indústria de concentrados de refrigerantes. Produzidos na capital amazonense e comprados por gigantes como Ambev e Coca-Cola, esses insumos geram benefícios fiscais que hoje somam R$ 2,3 bilhões por ano. Com a reforma tributária, o valor pode saltar para R$ 3,1 bilhões, um acréscimo de R$ 800 milhões anuais.

Como funciona

O coração do subsídio está em três mecanismos:

  • Crédito presumido de ICMS (90,25%) concedido pelo Amazonas.
  • Crédito fictício de IPI, que aumenta conforme a alíquota.
  • Incentivos adicionais em IRPJ, PIS/Cofins e imposto de importação.

Na prática, dois grupos concentram quase tudo: Ambev (Arosuco) e Coca-Cola (Recofarma).

Entendendo o crédito fictício do IPI

1. Regra geral do IPI

  • O IPI é um imposto não cumulativo: o valor pago na compra de insumos pode ser abatido do imposto devido na venda do produto final.
  • Normalmente, só há crédito se houver pagamento real de imposto na etapa anterior.

2. A exceção da Zona Franca de Manaus

  • Produtos fabricados na ZFM são isentos de IPI.
  • A dúvida era: se não houve imposto na origem, haveria crédito na destinação?
  • Em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que sim: há direito ao creditamento de IPI mesmo quando os insumos são isentos, considerando os incentivos regionais previstos na Constituição (art. 43, §2º, III) e no art. 40 do ADCT 

3. Como isso gera o “crédito fictício”

  • As empresas que compram insumos da ZFM podem lançar créditos de IPI como se o imposto tivesse sido pago.
  • Esse crédito pode ser usado para abater tributos futuros ou até para pedir ressarcimento.
  • Na prática, é um subsídio indireto: o governo concede um benefício sem que tenha havido recolhimento real de imposto.

4. Impactos práticos

  • Para empresas fora da ZFM: redução significativa da carga tributária, aumento da competitividade e possibilidade de restituição de valores.
  • Para a ZFM: maior atratividade como polo industrial, já que os produtos dali geram créditos mesmo sendo isentos.
  • Para o sistema tributário: distorção, pois cria créditos sem contrapartida de pagamento, ampliando subsídios e incentivando setores específicos como o de refrigerantes.

Irregularidades apontadas

A Receita Federal já identificou indícios de fraude e abuso: insumos sem beneficiamento real, kits “reacondicionados” apenas para gerar crédito, sobrepreço artificial, publicidade embutida na base incentivada e subdeclaração de royalties. Resultado: parte da propaganda de refrigerantes é financiada pelo contribuinte.

Em vez de corrigir distorções, a nova regulamentação cria novos créditos (CBS e IBS) e mantém a lógica do crédito presumido — onde o governo concede benefício mesmo sem pagamento real de imposto.

Para neutralizar os subsídios, especialistas calculam que seria necessária uma alíquota mínima de 8% sobre bebidas açucaradas. O teto de 2% em discussão no Congresso é visto como simbólico, uma seletividade “de fachada”.

O Brasil corre o risco de institucionalizar uma contradição: subsidiar o consumo de produtos nocivos à saúde enquanto finge aplicar seletividade tributária. Um sistema moderno no discurso, mas incoerente na prática.

O jogo de lobbies no Congresso

Quem puxou e sustentou o teto de 2%

1) Sen. Izalci Lucas (PL-DF) — autor da emenda

Foi dele a emenda que escreveu o limite: as alíquotas do Imposto Seletivo para bebidas açucaradas “respeitarão o percentual máximo de 2%”. 

2) Sen. Eduardo Braga (MDB-AM) — relator que incorporou a emenda

Como relator no Senado, Eduardo Braga acatou a emenda do Izalci e levou o teto para o texto aprovado na Casa

3) Bancadas/partidos na Câmara tentando “ressuscitar” o teto

Quando o texto voltou à Câmara em dezembro de 2025, o relator Mauro Benevides Filho (PDT-CE) retirou o teto do parecer.
Depois, houve destaque do PL tentando reestabelecer o teto — mas ele foi rejeitado (242 x 221) em 16/12/2025. 

4) Defesas públicas na Câmara (exemplos com fala registrada)

  • Dep. Capitão Alberto Neto (PL-AM) defendeu reduzir imposto para refrigerantes, com argumento de impacto no bolso. 
  • Dep. Luiz Lima (Novo-RJ) se posicionou contra aumento de impostos, em geral, criticando elevação de carga. 

Quem bateu de frente com o teto (e por quê)

No Senado

  • Sen. Humberto Costa (PT-PE) criticou o limite de 2% por esvaziar a função do imposto como instrumento de saúde pública. 

Na Câmara

  • Dep. Padre João (PT-MG) criticou explicitamente o teto e defendeu alíquotas maiores. 
  • Dep. Túlio Gadêlha (Rede-PE) também defendeu elevar o percentual (ou seja, rejeitou o “tampão” de 2%). 

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