É curiosa a suposta disputa entre a SABESP e a Phoenix FIP (do empresário Nelson Tanure) em torno do controle da EMAE – a empresa de energia paulista vendida pelo governo Tarcísio de Freitas.
No artigo “Como Tarcísio de Freitas de enredou no caso Banco Master” detalhei a patranha.
- O governo Tarcísio de Freitas privatiza a EMAE, vendendo o controle ao Fundo Phoenix FIP, cujo investidor de referência é Nelson Tanure. Valor: algo em torno de R$ 1,0–1,04 bilhão.
- Tanure monta um acordo com o banco XP, emite debêntures no valor de R$ 1 bilhão, que são adquiridas pelo fundo Macadâmia. A garantia são ações da EMAE.
- Já privatizada e sob gestão vinculada ao Phoenix/Tanure, a EMAE aplica R$ 160 milhões em CDBs de um banco do conglomerado Master em 30/9/2025.
- Na sequência, em 7/10/2025, depois de ter comprometido 5,88% do caixa da EMAE com o Master, as debêntures não pagam nem a primeira rodada de juros e a Vórtx Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários, no papel de agente fiduciário, decreta o vencimento antecipado de todas as debêntures.
- Pouco mais de um mês depois, em 18/11/2025 o conglomerado Master (Banco Master, Letsbank) foi colocado em liquidação extrajudicial pelo Banco Central. Ou seja, Tanure não pagou pela EMAE, esvaziou seu caixa e ainda conseguiu repassar para a Sabesp-Equatorial (outra das empresas-piranha do setor elétrico).
- O cunhado de Daniel Vorcaro (dono do Master), Fabiano Zettel, foi o maior doador pessoa física da campanha de Tarcísio (R$ 2 milhões).
Agora, Tanure faz o que mais gosta: um novo litígio judicial para questionar o direito da Vórtx de requerer o vencimento antecipado da dívida “apesar da possibilidade de cura pela Phoenix”.
Os esquemas de participações cruzadas
O episódio suscita duas indagações que ainda não foram desbastadas nem pelos inquéritos em andamento nem pela cobertura jornalística. E onde se escondem as maiores ameaças de risco sistêmico
1. Qual o real envolvimento de Tanure com o Banco Master?
2. Qual o tamanho da rede de capitalizações cruzadas entre FIDCs. Aqui reside o maior risco de crise sistêmica no mercado.
Participações cruzadas ocorrem quando empresas ou fundos possuem ações uns dos outros, criando um círculo de controle recíproco.
Pesquisas da UFRJ mostram que no Brasil há redes de cross ownership (empresas diferentes que possuem participações acionárias umas nas outras) e common ownership (única entidade -ou grupo de entidades- controla participações significativas em várias empresas diferentes) entre companhias, revelando vínculos ocultos que afetam a concorrência.
Os maiores FIDCs diversificados do país (como Red Asset, Multiplike, Grupo Sifra, Daycoval) movimentam bilhões de reais em direitos creditórios, muitas vezes com sobreposição de investidores e devedores.
Estruturas de participações recíprocas e em cascata permitem que o mesmo capital circule em várias empresas, mascarando a real liquidez. Isso pode inflar balanços e proteger controladores em caso de colapso.
Quando um elo da rede quebra (como o Master), o efeito dominó atinge fundos, empresas e investidores interligados. Esse modelo cria “caixas pretas” que dificultam a fiscalização e favorecem a manipulação contábil. Os ativos de uma empresa podem ser usados como garantia de passivos de outra. Quando uma empresa do grupo entra em colapso, suas dívidas podem ser transferidas para outra, protegendo o verdadeiro controlador. Na rede de participações cruzadas, é comum que os investidores reais estejam em um nível intermediário — controlando empresas em camadas.
A transferência de ativos e fluxos de caixa entre empresas de grupos com participações cruzadas cria esquemas para esvaziar caixa, utilizando empréstimos entre empresas ou transferências artificiais de valores:
- Distribuição de lucros é antecipada para empresas sem liquidez real.
- Manipulação contábil pode ocorrer com valores inflacionados entre empresas do mesmo grupo.
Em escândalos como os das empresas de Tanure e outros fundos de investimento, essas manobras financeiras podem reduzir ou esconder o patrimônio disponível para saldar as dívidas com credores, enquanto o capital circula entre empresas interligadas.
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