Sobre o novo artigo da Fração Trotsquista (FT) polemizando com a LIT-QI

Os militantes do Movimento Revolucionário dos Trabalhadores (MRT) e da Fração Trotsquista (FT) Iuri Tonelo, André Barbieri e Danilo Paris, responderam ao nosso último artigo, com um novo, “A concepção morenista de revolução e a crise histórica da LIT”. Neste artigo, tentam vincular uma suposta “crise mais profunda da LIT” a suas concepções equivocadas, em especial à teoria da revolução em Nahuel Moreno.

Não vamos gastar tinta com a suposta maior crise da LIT. Se bem que a FT vem alardeando nossa “maior crise” desde o seu surgimento, assim como vaticinando sobre nossa incorrigibilidade.

Sobre a proclamada maior crise da LIT pela FT/PTS, tem um velho ditado popular que diz: “não se joga pedras em árvores que não dão frutos”. Esse tipo de afirmação, nos parece, responde mais a objetivos autoproclamatórios de autoconstrução, do que um real interesse em discutir ou em ter compromisso com a verdade. Aos que se interessem em saber sobre a luta política que se desenvolveu no interior da LIT nos últimos anos, indicamos a leitura da declaração do PSTU – LIT sobre o assunto, que pode ser encontrada aqui ( link).

Não vamos, porém, responder ao artigo com o mesmo tom e forma com que fazem os autores citados. Acreditamos que o debate franco é necessário, no mesmo nível que o respeito e a sinceridade dos argumentos. Deixaremos que os leitores julguem não apenas as opiniões emitidas, mas também a forma com que elas foram expostas.

Sim, queremos entrar na discussão sobre o conceito de revolução, porque nos parece uma diferença real entre nós e vale a pena ir até o final para dar nitidez sobre o que se está discutindo. E como parte disso, vamos voltar mais uma vez à discussão sobre Nahuel Moreno e à acusação, infundada, de que a FT faz de um suposto “etapismo” do mesmo.

Vamos pegar um caso acessível a todos, o da Revolução Sandinista, e ver qual foi a linha política de Moreno nesta revolução. Poderíamos tomar outros, como citaremos ao longo do texto, e se nos dedicamos exclusivamente à Revolução Sandinista se deve meramente à economia de espaço.

Nós acreditamos, como já dissemos em anterior artigo, que os autores têm uma metodologia equivocada quando julgam o passado, e que esta metodologia é parte da tradição teórica da FT, como podemos ver em um de seus primeiros textos dedicados a criticar Nahuel Moreno. Nos parece que há uma leitura determinista do passado, como se os processos históricos, e nos casos as revoluções, estivessem condenadas a ser exatamente como foram, e não que estavam em disputa e sofreram transformações em seu percurso. Isto fundamenta uma leitura teórica dogmática e esquerdista que, contraditoriamente, justifica uma política oportunista no presente.

Depois disso entraremos também, e mais uma vez, na discussão concreta, em especial nas questões sobre Palestina, Ucrânia e Brasil.

No caso do Brasil, vamos mostrar como a política do MRT durante o impeachment de Dilma Rousseff os levou a ser parte de um campo burguês, o campo do governo burguês de conciliação de classes de Dilma-Temer, ao mesmo tempo que tentavam entrar em um dos partidos deste campo burguês, o PSOL.

Na questão da Ucrânia e Palestina, queremos discutir dois aspectos: primeiro que há um desprezo pelas lutas dos povos oprimidos pelos seus direitos à nacionalidade. Na Ucrânia diretamente ao não se colocarem do lado do povo ucraniano contra a Rússia de Putin, e por seu direito de defender o país invadido do jeito que for preciso.

No caso palestino, passando por cima das palavras de ordem democráticas, cuja mais importante é “Palestina livre do Rio ao Mar”, à qual contrapunham até alguns dias atrás, “Palestina operária e socialista”.

É nitidamente uma ruptura com a metodologia do Programa de Transição, substituindo-a por um programa máximo abstrato, e neste caso abandonando estas importantes tarefas democráticas pelo caminho (na mesma medida em que cedem a Putin na Ucrânia) e que, historicamente, têm vacilado em diversas ocasiões em defender com todas as letras o fim do Estado sionista de Israel na Palestina.

Nesse novo artigo, e em outros que se sucederam a essa resposta, a FT também tenta mudar, corrigir ou ajustar uma série de posições, sem dizer que está mudando. Essa, na nossa opinião, é mais uma faceta de uma metodologia ruim com a qual a FT trabalha. Uma suposta infalibilidade é acompanhada de distorções sobre as opiniões com as quais debate. Isto, para além de não contribuir para um bom ambiente de debate, dificulta também discutir a essência das diferenças. Isso é assim na questão das revoluções do pós-guerra, que trataremos logo a seguir, mas também em outras questões que não abrangem o escopo deste artigo. Este é o caso da recente mudança de posição da FT sobre a China, no nosso modo de ver, bastante atrasada, incompleta e unilateral, onde necessitam mais uma vez distorcer nossas posições.

Vamos ao texto.

Mais uma vez a teoria da revolução

A discussão sobre o que é uma revolução, uma das polêmicas que temos com a FT, pode ser feita de várias maneiras e tomando vários enfoques: histórico, acadêmico ou militante. Não é indiferente a forma que encaramos a discussão.

Isso porque uma coisa é discutir de forma asséptica e 30, 40, 50 anos depois dos fatos, tendo conhecimento de seu resultado, e sem se preocupar em responder a cada novo momento dos acontecimentos. E outra bem diferente é tentar entender cada curva desses mesmos acontecimentos e como responder a eles. Determinar em cada um dos acontecimentos onde e quando se produziram as mudanças que determinaram a nova correlação de forças.

Para poder fazer isso de forma militante, concreta, obviamente é preciso saber dizer que fenômeno político está se vivendo naquele momento, e que possibilidades estes momentos políticos te abrem ou te fecham.

Aí entra a discussão sobre o que é uma revolução. Em nosso artigo apresentamos a definição abaixo do que era uma revolução, da obra de Trotsky, “História da Revolução Russa”:

A característica mais incontestável da Revolução é a intervenção direta das massas nos acontecimentos históricos (…) A história de uma Revolução, para nós, inicialmente, é a narrativa de uma irrupção violenta das massas nos domínios onde se desenrolam seus próprios destinos.

Ou seja, o que define que um determinado processo se deu de forma revolucionária e não reformista, é a ação das massas, que passa por cima de suas representações legais e atuam elas mesmas em seu próprio nome.

A esta citação de Trotsky, fomos respondidos com outra:

A revolução significa mudança do regime social. Ela transmite o poder das mãos de uma classe, que se esgotou, às mãos de outra classe em ascensão. A insurreição constitui o momento mais crítico e mais agudo na luta de duas classes pelo poder. A sublevação não pode conduzir à vitória real da revolução e à implantação de novo regime senão quando se apoia sobre uma classe progressista, capaz de agrupar em torno de si a imensa maioria do povo. (…) A intervenção ativa das massas nos acontecimentos constitui o elemento indispensável da revolução. E, sem dúvida, a demonstração, de uma rebelião, sem elevar-se à altura de uma revolução. A sublevação das massas deve conduzir à derrubada do poder de uma classe e ao estabelecimento da dominação de outra. Somente assim teremos uma revolução consumada.

Aparentemente há uma contradição entre estes textos, afinal, para Trotsky o que define uma revolução é “uma irrupção violenta das massas nos domínios onde se desenrolam seus próprios destinos” ou, como diz a citação dos companheiros, seria a “derrubada do poder de uma classe e ao estabelecimento da dominação de outra”. Nos parece que a contradição é falsa porque Trotsky está falando de coisas distintas.

No primeiro caso, Trotsky se refere ao processo. Como reconhecer que estamos diante de um processo revolucionário? Trotsky diz que é se há uma intervenção violenta das massas que irrompem na realidade política por conta própria. É essa ação violenta, por fora das formalidades legais e dos calendários oficiais, que define um processo revolucionário.

A segunda citação, que justamente se chama “O Que Foi a Revolução de Outubro” Trotsky está falando da consumação da Revolução de Outubro na ex-URSS. Ou seja, quando a Revolução de Outubro é vitoriosa. Os textos são, obviamente, complementares, um ajuda os que querem saber se é ou não uma revolução, o outro a definir quando a revolução proletária chegou a seu primeiro termo, a conquista do poder.

No entanto, poderiam argumentar, que, ou se tem vitória da Revolução de Outubro, ou não se tem nada, Falar em vitória da revolução democrática, por exemplo, seria um erro, ou um exagero ou mesmo reformismo. E, inclusive, que falar em revolução democrática pura e simplesmente é aderir a uma forma de etapismo ou semi-etapismo.

Obviamente, olhando em uma perspectiva mais longa, e longe dos acontecimentos, esse tipo de argumento pode parecer fazer sentido. Mas se olharmos os acontecimentos em seu momento, tal afirmação perde totalmente a sua força, e é contraditada inclusive por teóricos da própria FT.

Trotsky dedica três capítulos da História da Revolução Russa à Revolução de Fevereiro (capítulos VII, VIII, IX) e logo no início do capítulo VIII ele diz:

Os advogados e os jornalistas que pertenciam às classes prejudicadas pela Revolução gastaram, posteriormente, boa quantidade de tinta para demonstrar que, em fevereiro, houve apenas uma sublevação de mulheres reforçada por um motim militar; foi precisamente assim que alguns nos apresentaram a Revolução. Luís XVI, em seu tempo, obstinava-se em acreditar que a tomada da Bastilha era o resultado de uma revolta, até que lhe explicaram, com deferência, que se tratava de uma Revolução.

Ou seja, para Trotsky o que aconteceu em fevereiro, essencialmente uma mudança de regime na Rússia czarista, foi uma revolução, a de fevereiro, e ele observa, na citação (cujos itálicos são nossos) justamente que alguns confundem uma revolta com uma revolução.

No entanto – e é isso o que distingue nossa política para esses processos daquela dos reformistas e etapistas em geral – nós, diante disso, impulsionamos a continuidade da revolução e não sua parada obrigatória na etapa democrática recém-conquistada. Como diz o próprio Trotsky no Novo Curso:

Uma vez que começa a revolução (na qual participamos e dirigimos), em nenhum caso a interrompemos em uma etapa formalmente determinada. Pelo contrário, não deixamos de realizar e levar adiante esta revolução, de acordo com a situação, enquanto ela não tenha esgotado todas as possibilidades e todos os recursos do movimento. (“Novo Curso” 6 A “subestimação do campesinato”)

Ou seja, nós colocamos nosso esforço e política para o desenvolvimento permanente da revolução “enquanto ela não tenha esgotado todas as possibilidades e todos os recursos do movimento”.

Isso significa afirmar que as revoluções não param em processos intermediários? Quem nos responde é Juan Dal Maso, teórico da FT, ao discutir a teoria da Revolução Permanente, respondendo a Perry Anderson. O que diz Juan Dal Maso?

Perry Anderson, por sua vez, faz uma espécie de objeção “falsacionista”: a TRP [Teoria da Revolução Permanente] nunca foi confirmada, pois durante a segunda pós-guerra houve revoluções anti-imperialistas (Argélia) e agrárias (Bolívia) que não foram socialistas, assim como na Índia se estabeleceu uma democracia burguesa estável.

A partir dessa visão mais ampla do século XX, propomos também que o “falsacionismo de ocasião” de Perry Anderson ignora o fato de que a TRP não sustenta que soluções parciais para as demandas democráticas sejam impossíveis (Juan Dal Maso Em busca da forma atual da revolução permanente)

Ora, ao que parece, igual a nós, o teórico da FT concorda que soluções parciais para as demandas democráticas são possíveis, embora nem sempre inevitáveis e, dizemos nós, como também pensavam Trotsky, Lênin e Moreno.

Voltemos à questão da resposta militante, e dos momentos em que as analisamos.

Em agosto de 1979, poucos dias depois do triunfo da Revolução Sandinista (19 de julho de 1979), Moreno se reúne com os combatentes das Brigadas Simon Bolívar para discutir a situação da Nicarágua e ter uma política para o país e o subcontinente (o texto “Las perspectivas y la política revolucionária después del triunfo de la revolución nicaragüense” está disponível no arquivo Leon Trotsky).

Primeira questão, o que havia ocorrido na Nicarágua? Moreno diz: aqui triunfou uma revolução. Segunda questão, qual o caráter da revolução que triunfa? Moreno diz: é uma revolução democrática. Terceira questão, qual a tarefa diante deste triunfo? Moreno diz, e aqui vamos citar textualmente:

Nenhum dos presentes acredita que o processo revolucionário na Nicarágua tenha terminado. Todos sentem, e assim o manifestaram, que está apenas começando.

Ou seja, a vitória da revolução democrática não terminou, mas apenas iniciou a revolução.

Há algum etapismo aí? Os companheiros dirão que a terminologia é etapista, que o próprio Moreno fala em vitória da revolução democrática. Sim, é verdade, Moreno chama esse momento transitório da revolução que não se concluiu de democrática, ou democrático burguesa. Seria esse afinal o crime de Moreno? Vejamos uma passagem de Trotsky:

(…) Sem nos opormos à revolução democrática, muito pelo contrário, apoiando-a sem reservas, mesmo no marco da separação (ou seja, sustentando a luta, mas não as ilusões), devemos lutar por nossa posição independente perante a revolução democrática, recomendando, aconselhando, propondo a idéia da Federação das Repúblicas Soviéticas da Península Ibérica, como parte constituinte dos Estados Unidos da Europa (Carta a Nin: Los soviets y el problema de la “balcanización” , 1 de setiembre de 1931)

Está certo Trotsky em chamar a revolução espanhola em curso de democrática? Será que ele propõe etapas distintas para a revolução? Ou seria apenas uma forma de destacar que as tarefas motoras do início da revolução espanhola eram aquelas da revolução democrática?

Mais uma vez retomando o fio do raciocínio. Em agosto de 1979, Nahuel Moreno estava diante de uma revolução que havia triunfado parcialmente, em um processo em aberto no qual era necessário intervir.

Saber se estava diante de uma vitória era fundamental, sobre que tipo de vitória também, porque poderia ter havido uma reforma controlada pelo imperialismo e a burguesia. Portanto, dizer que tinha havido uma revolução e não uma reforma, ou seja, que o aparato central da burguesia, suas forças armadas, tinham sido destruídas pela ação das massas, era fundamental para se ter uma noção do que se poderia fazer. Por outro lado, delimitar que era uma revolução democrática burguesa, pelas tarefas, direções e limites que estavam colocados naquele momento, indicava a necessidade de seguir até a revolução socialista.

No texto que indicamos acima, a maior parte é dedicada justamente a isso, à necessidade de construir um partido revolucionário, de manter, estender e centralizar as milícias, de construir organismos de duplo poder, de ser oposição ao GNR (o governo que surgiu da revolução sandinista), pois que o governo era o principal inimigo, e exigir à FSLN que rompesse com a burguesia e tomasse o poder.

Não nos parece para nada uma orientação etapista. Nem nos parece uma orientação concreta equivocada para aquele exato momento, ainda que poderia haver um ou outro aspecto em que a política concreta pudesse ser, ou não, diferente.

Mudando de opinião sem dizer

Em nosso texto anterior, criticamos a FT pela visão que apresentavam no texto “Polêmica con la LIT y el legado teorico de Nahuel Moreno”, sobre as revoluções anticoloniais.

Dizíamos, então:

Ademais, a análise da FT sobre os processos de descolonização na África mostra-se profundamente insuficiente. Eles resumem, por exemplo, que movimentos como o Mau Mau (Quênia) e a luta de Patrice Lumumba (Congo) lograram apenas uma “independência formal como semicolônias”, e que a Argélia, após alcançar um “governo operário e camponês”, retrocedeu para um Estado burguês semicolonial. Sobre as colônias portuguesas, afirmam que as lideranças pequeno-burguesas (como o MPLA) não instauraram Estados operários nem mesmo deformados.

Essa leitura nos parece equivocada por ser teleológica e determinista, como se o resultado final estivesse contido de forma inelutável no início do processo, julgando-o com a lente de hoje, cinquenta anos depois. Ao fazê-lo, a FT desconsidera o contexto histórico real: o que chamam de ‘apenas independência formal’ representou, em seu momento, gigantescas vitórias táticas. Essas revoluções, que antecederam e sucederam a Revolução Portuguesa (outro evento crucial ignorado pela FT), foram grandes acontecimentos históricos que, dentro dos marcos da revolução permanente, se desenrolaram de forma inesperada.

Eis que agora, após a nossa crítica, e sem dizê-lo, aparece em um texto sobre a revolução angolana (Classes, Estado e Estratégias nas independências africanas (Parte 2)) a seguinte passagem:

A explosão revolucionária das massas africanas, sobretudo no pós-guerra, desestabilizou o equilíbrio imperialista, precipitou crises políticas nas metrópoles e teve impactos profundos sobre os ciclos de mobilização nos países centrais — como demonstram, por exemplo, a conexão entre as guerras coloniais portuguesas e a Revolução dos Cravos, ou o vínculo entre as lutas de libertação nas colônias francesas e o Maio de 1968. Apesar dos limites impostos pelas direções e pelas estratégias adotadas, reafirmamos aqui nosso entusiasmo com a energia histórica dessas massas, cuja ação não apenas impulsionou as independências nacionais, mas também contribuiu para a crise do capitalismo internacional.

Ou seja, a mesma idéia que exprimimos em nosso texto e o oposto do dito até hoje pela FT. Saudamos esse avanço da compreensão dos processos revolucionários que faz o autor do texto, ainda que o mais correto seria assumir claramente a mudança de posição, coisa que nem o autor, nem a corrente faz.

Não achamos que essa mudança (bem como a leitura da Revolução Permanente feita por Juan Dal Maso que citamos acima) sejam casuais, é a realidade que vai fazendo a teoria da revolução da FT desmoronar ao mesmo tempo que dá razão a Nahuel Moreno, como também a Trotsky e Lênin.

Esses ajustes empíricos, no entanto, são insuficientes. Chamamos os companheiros a pensar se a sua visão sobre a revolução permanente e o papel das palavras de ordem democráticas, na verdade, não questionam a metodologia do programa de transição, e não se constituem numa visão esquemática da Revolução Permanente.

Dito isso, uma síntese

Pedimos desculpas pela longa digressão a que fomos obrigados a fazer, mas cremos que havia muitos elementos de confusão no debate e era necessário dar nitidez a eles.

Podemos dizer sinteticamente que, para nós, uma revolução é a entrada violenta, abrupta, das massas no cenário político. Que. ao iniciar-se uma revolução. nós lutamos para que ela assuma uma dinâmica permanente, ou seja, para que não pare em nenhuma etapa pré-determinada, mas que, ao lutar para que ela não pare em uma etapa pré-determinada, não ignoremos que pode haver momentos episódicos em uma revolução e que, como observa Juan Dal Maso, a TRP [Teoria da Revolução Permanente] não sustenta que não possam haver soluções parciais para as demandas democráticas.

Não ser partidário dessas soluções parciais não significa não as identificar e valorá-las. E esta valoração evolui com o tempo, pois toda revolução que não avança retrocede. As revoluções (com este nome) Sandinista, Portuguesa, Argelina, Angolana, Moçambicana, entre outras, foram grandes triunfos de revoluções democráticas, cujo curso permanente foi interrompido pela ação consciente de vários agentes, e que retrocederam, algumas para além de seu ponto inicial de partida.

Moreno, como poderá ser visto em seus escritos sobre estas revoluções (há longos textos de Moreno sobre a Revolução Portuguesa, Sandinista, sobre Angola, além de Cuba, Peru, a revolução política na Polônia etc.) jamais advogou por parar a revolução em qualquer etapa episódica desta, sempre defendeu e buscou orientar a política de seus partidos e militantes para buscar os pontos de apoios necessários para garantir a permanência desses processos.

Por fim, a metodologia da explicação que dão os autores do texto é, nos desculpem, profundamente marcada por um determinismo, ou seja, interpretam os acontecimentos de 50 anos atrás a partir dos resultados de hoje, e têm “linha política’ para esses processos como se, em seus inícios eles, fossem iguais ao seu resultado final. E com essa forma de raciocinar concluem que os acontecimentos em questão (no caso essas revoluções) só poderiam ter dado no que deu, e que nunca foram um processo em disputa. Ou seja, como se não houvesse alternativas a disputar, ou como se fosse possível construir qualquer alternativa de direção revolucionária sem disputar tais processos. Parodiando o historiador russo Vadim Rogóvin, havia alternativa (embora ele falasse no caso da possibilidade de uma revolução política e de uma direção revolucionária para ela).

Determinismo e formalismo andam de mãos dadas. Por isso insistimos que vale a pena a militância e o ativismo se apropriar de “As lições de Outubro” de León Trotsky, até para ver que poderia ter existido vários desfechos diferentes para a Revolução Russa de 1917. E para ver que, de modo algum, o desfecho vitorioso de Outubro pode prescindir de reconhecer uma revolução democrática em fevereiro e ter uma política correta para sua continuidade. Por outro lado, essa visão formalista, e até esquerdista na teoria, encobre e justifica muitas vezes uma política oportunista, como na Ucrânia e mesmo na Palestina, quando criticam o Hamas por motivos equivocados, como o questionamento à legitimidade das ações do 7 de outubro, ou à questão de fazer prisioneiros de guerra. Ou no Brasil perante a crise do governo Dilma-Temer e na Argentina perante Christina Kirchner.

Mais uma vez sobre a política da FT para a Palestina

Nesse novo artigo que estamos respondendo, na parte correspondente à Palestina, nos acusam de “exercer o que, em lógica, se denomina ‘falácia do espantalho’: reduzir a posição do interlocutor ao absurdo, para facilitar a derrota de um argumento inexistente”.

É uma acusação muito grave. No entanto, o leitor poderá comprovar que não só não utilizamos em nenhum momento essa falácia, como, pelo contrário, o artigo deles que é um verdadeiro exemplo dessa manobra..

A luta por uma “Palestina livre do rio ao mar”

Os companheiros afirmam que “dizer que a FT se nega a levantar a bandeira de ‘Palestina livre, desde o rio até o mar’ é um método deplorável e pouco valente, para ocultar o debate central.”

Mas o certo é que a FT, pelo menos até agora, sempre foi contrária ao uso dessa consigna. Um de seus principais dirigentes, Matías Maiello, dizia em novembro de 2023 (ver aqui).

Nós lutamos pela plena realização do direito à autodeterminação nacional do povo palestino e pela única solução estratégica verdadeiramente progressista, a saber, uma Palestina operária e socialista.”

Em seu escrito, não mencionava em nenhum momento a consigna de uma Palestina livre do rio ao mar. Outro dirigente, Paul Morao, escrevia nas mesmas datas (leia aqui) Paul Morao, 30 octubre de 2023):

“Nós defendemos o projeto de uma Palestina operária e socialista na qual árabes e judeus possam viver em paz.

De novo, nenhuma menção a uma Palestina livre do rio ao mar. Philippe Alcoy insistia na mesma tecla:

“Hoje, para garantir os direitos nacionais dos palestinos, lutamos por um Estado operário e socialista, laico, em todo o conjunto da Palestina histórica.”

Outra vez, sem referência alguma a uma Palestina livre do rio ao mar.

Polemizando com a FT (leia aqui), dávamos nossa opinião sobre as razões da sua rejeição a esta palavra de ordem:

“Os companheiros da FT pensam que defender a palavra de ordem ‘Palestina democrática, laica e não racista, do rio ao mar’ equivale a defender uma ‘etapa democrática’ e renunciar ao caráter socialista da revolução palestina. Mas se enganam totalmente, porque essa consigna é, atualmente, a principal reivindicação do programa para a revolução socialista na Palestina e em toda a região. Em lugar de integrar essa palavra de ordem em um programa transicional — combinando-a com demandas econômicas, sociais, transicionais e socialistas, dando à revolução palestina uma dimensão regional e internacional (que culmina na luta por uma federação socialista do Oriente Médio e Norte da África) — a FT a substitui pela consigna de uma “Palestina operária e socialista”.

E acrescentávamos:

“Este grave erro da FT choca frontalmente com a metodologia com a qual os trotskistas abordamos esses problemas ao longo de nossa história”, a metodologia do Programa de Transição.

Os companheiros da FT dizem agora em sua resposta que “a FT ergue com orgulho a consigna ‘Palestina livre, desde o rio até o mar’”. Se essa é sua nova posição, nos alegramos enormemente e a entendemos como um resultado da impressionante mobilização de milhões de pessoas em todo o mundo, que fizeram dessa palavra de ordem uma bandeira central na luta contra o genocídio sionista.

Também pensamos que não deveria ser um problema entre revolucionários reconhecer um erro e retificá-lo. No entanto, os companheiros da FT não só não reconhecem seu erro, como nos acusam de falsários pelo fato de mostrar as posições que defenderam por tanto tempo. Além disso, longe de limitar-se a isso, dedicam-se a atribuir-nos posições que jamais defendemos, sem sequer mostrar uma única declaração, resolução ou artigo nosso que comprove o que afirmam. Depois, sobre essa base falsa (“falácia do espantalho”), lançam acusações sem fundamento contra nós.

Argumentam, assim, que a LIT levanta “o programa de uma ‘Palestina laica, democrática e não racista’, opondo-se à dinâmica permanentista e desvinculando-a da perspectiva programática da revolução socialista”. E ainda mais, dizem que a LIT consideraria “possível a existência de uma Palestina independente, ‘laica, democrática e não racista’ (…) dentro dos marcos da atual arquitetura do Oriente Médio” e que “se aproxima política e programaticamente de variantes das direções burguesas árabes.”

São acusações delirantes. De onde puderam tirar tais conclusões quando defendemos justamente o contrário? O recente XVI Congresso Mundial da LIT, cujas resoluções estão publicadas em nossa página, aprovou o seguinte:

Defendemos a consigna histórica de uma Palestina livre, democrática e laica do rio ao mar, associada à destruição do Estado de Israel, à luta por um governo dos trabalhadores e à revolução socialista.

Esta consigna democrática é parte do programa da revolução permanente, que se vincula à luta anti-imperialista das classes trabalhadoras da região e à solidariedade nos centros imperialistas, e que se completa na consigna de uma Federação de Repúblicas Socialistas Árabes.

A reivindicação democrática nacional contida na palavra de ordem ‘Palestina livre, democrática e laica do rio ao mar’ pode assumir um caráter de transição, porque para se concretizar necessita da destruição do Estado de Israel, o que só será possível em um processo de revolução permanente que combine uma nova intifada, um novo processo revolucionário nos países da região (primavera árabe), com a resistência armada na Palestina e mobilizações de massas em todo o mundo.

Alguém vê aqui algum sinal de “etapismo”, a cantilena com a qual a FT nos acusa dia e noite, e com base na qual nos rebaixou de revolucionários a “centristas”?

Mas o problema, na verdade, está agora com os próprios companheiros da FT, pois se persistirem em defender a palavra de ordem democrático-nacional de uma “Palestina livre, do rio ao mar”, terão sérias dificuldades em sustentar com coerência sua particular concepção da revolução permanente.

A crítica aos “métodos do Hamas”

Há um ponto importante de nossos artigos que os companheiros da FT não quiseram abordar em sua resposta. Referimo-nos ao seu repúdio aos “métodos do Hamas”. Eles evitaram a polêmica, limitando-se a dizer que “do ponto de vista histórico, todas as manifestações dessa resistência são legítimas”, o que é uma generalidade que serve para tudo e para nada.

Alcoy escreve, no artigo citado:

Este método de atacar a população civil israelense é totalmente reacionário e contraproducente para a causa palestina.

Maiello reforça:

Isso prejudica enormemente a causa [palestina], por isso é fundamental delimitar esses métodos que não têm nada a ver com os do proletariado.

Maiello também se opõe frontalmente à tomada de “reféns” (na verdade prisioneiros de guerra), dizendo:

O que tem a ver a tomada como reféns do arcebispo de Paris, dos padres e dos gendarmes durante a Comuna com a tomada de reféns em um festival de música onde uma parte significativa dos participantes eram jovens pacifistas que não eram inimigos da causa palestina? Nada a ver.”

Na verdade, os companheiros da FT, longe de contextualizar as “mortes de civis” do 7 de outubro, deram a elas uma centralidade que só pode ser entendida pela brutal e persistente pressão da campanha dos meios de comunicação ocidentais. Alcoy chega inclusive a fazer valorizações morais:

“Rejeitar a qualificação de ‘terrorismo’ não é relativizar nem muito menos justificar os crimes do Hamas contra civis palestinos e israelenses”.

Por nossa parte, defendemos que nunca devemos equiparar a violência do opressor com a do oprimido e que: “não podemos qualificar de ‘crimes’ as mortes de civis israelenses, vítimas da resposta militar do Hamas à barbárie de Israel, verdadeiro responsável por suas mortes.”

Afirmamos também: “a LIT posicionou-se incondicionalmente ao lado da resistência palestina contra o Estado genocida de Israel e defendeu sua ação de 7 de outubro de 2023.”

Estamos convencidos de que, dessa maneira, continuamos a tradição marxista de defender o direito dos povos oprimidos a rebelar-se por qualquer meio necessário. Nos situamos no campo militar dos palestinos, ainda que não tenhamos acordo programático nem político com a direção do Hamas.

Pensamos que a FT se equivocou gravemente ao esquecer em sua argumentação que “a sociedade israelense está completamente militarizada. A juventude israelense ou está no exército ou é reservista. Mesmo se fossem apenas ‘civis’, atacar a resistência palestina pela morte de civis é um erro total. Trata-se de uma ação de guerra, de um povo oprimido em profunda desvantagem militar frente a uma potência nuclear.”

Quanto à tomada de “reféns”, respondemos dizendo que “este tipo de ação foi realmente utilizado pelos bolcheviques na revolução russa, assim como na Comuna de Paris. O que há de errado nisso? Contrariamente ao afirmado pela FT, a tomada de ‘reféns’ (prisioneiros de guerra) mostrou-se correta, sendo até agora um elemento central que provoca crise interna em Israel, mobilizando milhares de familiares contra o governo Netanyahu pela conquista de um acordo que permita sua libertação.”

E acrescentamos “É muito difícil que um militante da FT convença qualquer ativista palestino de que a tomada de ‘reféns’ foi um erro. Não por acaso, esse assunto desapareceu de sua imprensa. Como costuma ocorrer com a FT, não deram explicação sobre isso e, se modificaram sua posição, também não fizeram autocrítica.”

Explicamos também “não se pode abstrair que o Hamas é uma resistência popular sem aviões, tanques nem navios, enclausurada na maior prisão a céu aberto do mundo, submetida a um cerco criminal e a ataques atrozes durante 17 anos. Nessas circunstâncias, não se pode exigir que o Hamas respeite um suposto código moral de combate em sua luta — enormemente desigual — contra o exército ocupante.”

Não se pode esquecer que “os assentamentos israelenses nos arredores de Gaza (e, de modo geral, todo o território de Israel, erguido sobre o saque das terras palestinas e a limpeza étnica) não são só colônias construídas sobre terras roubadas pela violência, mas também cumprem uma função militar de cerco à Faixa, conectadas a uma ampla rede de instalações militares, atacadas pelos milicianos e em grande parte destruídas.”

Além disso, “Israel é uma base militar gigante onde, além das tropas em serviço, há 400.000 reservistas e grande número de civis armados”. Também destacamos que “uma coisa é a propaganda sionista falaciosa, reproduzida massivamente pelos governos e pelos meios ocidentais, e outra são os fatos reais, parte dos quais veio à tona nas últimas semanas, embora rapidamente silenciados. Sabemos, por exemplo, que parte dos mortos no festival de música foram vítimas de disparos indiscriminados de helicópteros militares israelenses e que, como menciona Maiello, parte dos mortos nos assentamentos próximos à Faixa de Gaza foram vítimas das tropas israelenses que combatiam os milicianos palestinos.”

Confraternização palestina com a classe operária judia-israelense?

Este é outro aspecto que os companheiros da FT deixam deliberadamente de lado em sua resposta.

Em nosso artigo dizíamos que um dos grandes motivos da crítica da FT aos “métodos do Hamas” era porque os consideram um grande obstáculo à confraternização da classe trabalhadora palestina com a israelense. Alcoy expressa isso dizendo que o ataque de 7 de outubro “afasta ainda mais qualquer perspectiva de unidade de classe entre os trabalhadores palestinos e judeus.”

Morao, por sua vez, criticando as organizações francesas LO e NPA-C, denunciava corretamente a falsa simetria que estas estabeleciam entre palestinos e trabalhadores israelenses. E o próprio Maiello reconhece que a classe trabalhadora israelense é majoritariamente sionista e desempenha papel fundamental na colonização e no regime de apartheid, e que sua colaboração sionista com a burguesia é forte e profundamente enraizada.

No entanto, escrevíamos: “apesar de suas próprias afirmações, Morao nos diz que a confraternização dos palestinos com os trabalhadores e a juventude israelenses é ‘a única possibilidade de emancipação para ambos os povos’”.

Maiello repete a mesma idéia, fazendo um paralelismo histórico com a ocupação militar nazista da França durante a 2ª Guerra Mundial, para reivindicar a confraternização entre palestinos e trabalhadores israelenses como tarefa essencial e denunciar que todo ato que amplie o fosso entre ambos é ‘diretamente contrarrevolucionário’.”

Mais adiante, Maiello tenta justificar sua política de confraternização comparando o sionismo dos trabalhadores judeu-israelenses com “o profundo racismo dos operários norte-americanos com o qual Trotsky se deparou em sua época.”

E cita Trotsky:

“99,9% dos trabalhadores americanos são chauvinistas; são algozes de negros e também de chineses. Essas bestas americanas precisam ser educadas. Precisam entender que o Estado americano não lhes pertence e que não precisam ser os guardiões desse Estado.”

O problema, explicávamos, é que essa comparação é forçada e artificial:

“O proletariado judeu-israelense distingue-se do proletariado branco norte-americano em relação aos negros por um problema material, econômico, que transcende e determina suas ideologias e políticas. (…) [uma vez que] A colonização sionista converteu o proletariado judeu em agente e beneficiário do roubo de terras, casas e empregos do povo palestino.”

Também dizíamos:

Isso não significa que não exista luta de classes entre a burguesia e o proletariado israelenses. Mas esses conflitos são subordinados à manutenção da ordem colonial contra os palestinos. (…) É impossível uma aliança entre o proletariado judeu-israelense e o palestino pelo fim do genocídio e pela libertação da Palestina, por essa diferença material. (…) O sionismo é muito mais que uma ideologia: é um Estado colonial e terrorista construído sobre o espólio das terras palestinas e sua limpeza étnica, com um regime de apartheid e uma falsa democracia corrupta. (…) Grande parte dos israelenses, inclusive trabalhadores, é uma população vinda do exterior que vive sobre terra roubada que não lhe pertence.

Concluíamos:

O problema das teses da FT é que, se estivessem corretas, o povo palestino e todos nós estaríamos condenados a uma luta sem esperança. É como se a vitória da revolução argelina dependesse da confraternização entre os argelinos e os pied-noirs franceses, que foram à Argélia para se apropriar das melhores terras, apoiados pelo Exército colonial francês.

Quanto às mobilizações dos familiares dos reféns, não há dúvida de que tinham caráter progressivo por enfrentarem Netanyahu e exigirem cessar-fogo. Mas seu alcance era claramente limitado por não questionarem as bases do sionismo.

Citando o jornalista israelense Gideon Levi, lembrávamos três traços sinistros que caracterizam a ampla maioria da população israelense, inclusive sua classe trabalhadora: 1- Considera-se “o povo escolhido, com direito de fazer o que quiser”; 2 – Sendo o opressor, apresenta-se como a grande vítima; 3- Pratica uma desumanização sistemática da população palestina, um elemento comum em todas as limpezas étnicas, da mesma forma que os nazistas fizeram com os judeus.

As pesquisas de opinião reafirmam repetidamente que mais de 80% da população judia-israelense apoia a limpeza étnica.

Afirmávamos também:

“Uma Palestina livre, laica, democrática e não racista, do rio ao mar, só pode existir com a destruição do Estado de Israel, o retorno de milhões de refugiados palestinos e a devolução das terras aos seus legítimos donos. Isso significa que muitos israelenses chegados de outros países ao longo destes anos para ocupar terras, lugares e moradias palestinas terão que partir, e apenas uma minoria judaica disposta a viver em igualdade de direitos com os palestinos terá lugar no novo Estado palestino.”

E concluíamos:

A vitória sobre o Estado de Israel virá da luta do povo palestino, incluindo a luta armada, da solidariedade ativa dos povos dos países árabes e islâmicos da região (que deverão enfrentar suas covardes burguesias) e da solidariedade massiva dos trabalhadores e da juventude dos EUA, da UE e do resto do mundo. A colaboração de uma pequena minoria israelense antissionista será, sem dúvida, relevante, mas defender que a confraternização é ‘a única possibilidade de emancipação de ambos os povos’ não só está completamente fora de lugar, como é um erro grave.

A polêmica sobre a Ucrânia

Antes de entrar na polêmica com os companheiros da FT sobre as profundas diferenças que temos sobre qual deve ser a política dos revolucionários diante da guerra da Ucrânia, queríamos chamar a atenção sobre a crítica que nos fazem, não só porque deveriam fazê-la ao que dizemos e ao que fazemos, mas também pelo tom brutal que utilizam, longe de uma polêmica saudável entre duas forças que se consideram estar no campo revolucionário. O que buscam quando escrevem que a LIT/PSTU “se reduz a fazer eco da política central do imperialismo estadunidense e das potências da OTAN” e que “se aproximaria perigosamente de porta-voz, dentro da esquerda, do programa militarista de Trump, Macron, Starmer e Merz”?. Dito isso, entremos na polêmica com os companheiros.

A natureza da guerra

Este assunto é, sem dúvida, o ponto de partida e a base principal de nossas diferenças. Pensamos que os companheiros da FT têm dado diferentes versões da guerra, ainda que complementares entre si.

Versão 1

Emilio Albamonte, seu principal dirigente, centrou-se nos aspectos de método e escreveu que “se fosse pelo problema da autodeterminação nacional, estaríamos com a Ucrânia; há um problema de autodeterminação nacional em que uma enorme potência invade um país semicolonial”. Isso deveria ser um ponto crucial para que um marxista revolucionário se coloque no campo militar do país oprimido agredido. Entretanto, para Albamonte, este critério não funciona para a Ucrânia, porque “não é um país dependente ou uma semicolônia qualquer”, já que suas classes dominantes e a ampla maioria da população trabalhadora “por votação, porque fizeram um golpe, etc. etc., se propôs como um apêndice da União Européia e, se possível, da OTAN”. Isso, segundo Albamonte, convertia a guerra numa “guerra reacionária” por ambos os lados.

Esta mistura entre os oligarcas e a classe trabalhadora ucraniana, maioria da população, é um erro muito grosseiro para um marxista, quando estamos nos referindo a classes sociais antagônicas. Certamente, a falsa consciência que possa sofrer, durante certo tempo, a classe trabalhadora — que se explica, em boa medida, pela ausência de partidos revolucionários enraizados na Ucrânia e na UE — pode estar, por longo ou curto período, em profunda contradição com seus interesses de classe. Mas esta contradição só pode ser resolvida através da ação, o que inclui a defesa militar do país contra a invasão russa, o desmascaramento nesse processo do governo burguês pró-imperialista de Zelensky e o avanço na construção de uma alternativa revolucionária.

Versão 2

Em paralelo às teses de Albamonte, Matías Maiello escreveu um artigo buscando combater os argumentos a favor de uma “guerra justa” da Ucrânia. Para tal fim, não hesitou em tomar como suas partes substanciais da versão de Putin sobre o conflito, algo que a própria realidade tem desmontado. Maiello nos faz um relato da Ucrânia nos últimos anos onde discorre sobre o Euromaidan, de uma Ucrânia dominada pela extrema direita e de uma “guerra civil de baixa intensidade marcada pela existência de uma minoria russófona de um terço da população”.

Maiello confunde deliberadamente a existência de uma (ampla) minoria russófona com uma minoria russófila, quando a amplíssima maioria dos russófonos combate Putin, que impôs um regime de terror nas zonas ocupadas. Ele coloca como expressão dos dois campos em guerra as “milícias separatistas do Donbass”, de um lado, e, de outro, “as milícias de extrema direita como o batalhão Azov”, como se isso fosse uma expressão genuína da realidade ucraniana. Mas a influência social e o peso político da extrema direita ucraniana são, até o momento, ínfimos, muito inferiores aos de muitos países da UE ou americanos. Não há dúvida, por outro lado, que o governo de Zelensky é pró-imperialista e associado aos oligarcas ucranianos. Mas coisa bem distinta é afirmar que sua base é a extrema direita, como afirmava Maiello, seguindo a propaganda de Putin.

Por outro lado, descrever as milícias pró-russas de Donetsk e Luhansk (marcadas pela presença destacada da extrema direita russa) como simples “milícias separatistas” é silenciar que foram organizadas pelo exército russo, que as controla e dirige, além de lhes dar legitimidade como se fossem expressão de um movimento popular a favor da anexação à Rússia.

A identificação de Maiello da mobilização militar ucraniana contra a invasão (que teve como eixo o recrutamento massivo nas Forças Territoriais de centenas de milhares de voluntários, em sua maioria da classe trabalhadora) com o batalhão de ultradireita Azov é própria da propaganda de Putin e inconcebível em um revolucionário trotskista.

Versão final

Com o desenvolvimento da guerra, a versão final que os dirigentes da FT fixaram — uma espécie de versão oficial — é a que reproduzem os autores do artigo com o qual polemizamos.

Segundo eles, “a Ucrânia é um país oprimido que foi invadido por uma potência mais forte (a Rússia)”, mas a invasão “foi respondida pela coalizão dos principais Estados imperialistas ocidentais, liderados pelos Estados Unidos e pela OTAN, em apoio ao governo ucraniano de Zelensky”. Devido a tal coalizão imperialista, a resistência armada da Ucrânia à invasão deixa de ser uma “guerra justa” e passa a se converter em uma “guerra reacionária”. A opressão nacional passa a ser um fator irrelevante e a guerra da Ucrânia contra a agressão imperialista de Putin se converte no contrário: numa guerra reacionária entre a Rússia e “a coalizão dos principais Estados imperialistas ocidentais”.

Quando os companheiros da FT comparam a guerra da Ucrânia com a guerra sino-japonesa que precedeu e acompanhou a II Guerra Mundial — na qual a China contou com importante apoio militar norte-americano após o bombardeio de Pearl Harbor — os companheiros dizem que ambas são coisas muito diferentes. A razão que alegam é que então “as potências se dividiam entre si pela posse da China: não havia uma coalizão de potências reunidas no campo da nação oprimida”, como dizem que existe agora. Se então os trotskistas se colocaram resolutamente do lado militar da China, apoiando-a em sua “guerra justa” contra a invasão japonesa, agora não podemos nos colocar do lado militar ucraniano frente à Rússia.

A verdade é que essa argumentação é tão frágil que cai por seu próprio peso na medida em que a Rússia de Putin é qualificada como um país imperialista, que é o que realmente é: um “imperialismo regional”, apoiado pelo imperialismo chinês.

Albamonte argumentou que as teses de Lênin em “O imperialismo, etapa superior do capitalismo” eram mera “ciência positiva”, não dialética, e que ele se equivocou ao qualificar a Rússia de seu tempo como potência imperialista (leia aqui). Com base nisso, Albamonte e também Maiello, negam o caráter imperialista da Rússia de Putin. Ainda que agora, quando parece que a FT começou a atribuir à China “crescentes traços imperialistas”, cabe também que, com o tempo, digam o mesmo da atual Rússia.

É evidente a intensa intervenção indireta dos EUA e da UE na guerra, assim como o caráter pró-imperialista e antioperário do governo Zelensky. O problema é que isso não elimina o fato de que estamos diante de uma guerra de agressão nacional da segunda potência militar do mundo contra uma nação muito mais fraca que quer subjugar pela violência, com métodos de extrema crueldade. Uma guerra cujo propósito é o controle militar, econômico e político de um país que é um enorme celeiro, tem localização geográfica fundamental para o trânsito energético e comercial e uma dimensão e recursos que o Kremlin considera essenciais para seu projeto imperialista da Grande Rússia. Estamos diante de uma guerra justa por parte dos ucranianos: uma guerra de libertação nacional contra um exército conquistador.

Não há dúvida de que, por um lado, EUA e UE, cada qual com seus próprios interesses, e a Rússia por outro, querem colonizar a Ucrânia. Mas em política não se podem confundir os tempos. O que temos agora não é uma invasão da OTAN, mas da Rússia de Putin, diante da qual temos que apoiar o povo ucraniano em sua luta por liberdade e integridade nacional, incorporando-a na batalha pela saída socialista no quadro da luta pelos Estados Unidos Socialistas da Europa. Do resultado da luta vai depender, além disso, a resistência da classe trabalhadora e do povo ucraniano a seu governo pró-imperialista e ao espólio do imperialismo norte-americano e europeu, da mesma maneira que afetará diretamente a luta da classe trabalhadora russa, dos povos da Federação Russa e de sua periferia.

O comportamento do imperialismo ocidental

Os autores do artigo esquecem que, para Putin — assim como para os czares (e mais tarde para Stálin) — a Ucrânia não é um país, mas parte da Rússia. Esquecem que Washington e a UE, nos primeiros dias da invasão, limitaram-se a oferecer ao governo ucraniano a saída do país e o estabelecimento de um governo no exílio em seu território.

Mas os planos iniciais de Putin foram desmontados, sobretudo, por uma mobilização massiva de centenas de milhares de ucranianos, em sua grande maioria da classe trabalhadora e muitos deles russófonos, que foram se alistar como voluntários para lutar. Nesse longo período, morreram um milhão de russos e mais de 400 mil ucranianos, mas nenhum estadunidense nem europeu. Houve grandes mobilizações recentes contra a tentativa de Zelensky de controlar os organismos anticorrupção. Tudo isso não existe para os companheiros da FT. Eles ficam com uma “geopolítica” que exclui a vida tal como é.

Desde o início da guerra, após a derrota dos planos iniciais de Putin — que contava com uma rápida conquista do país — o imperialismo ocidental, com os EUA à frente, mudou de tática. Começou a dar apoio militar limitado, tardio, controlado e condicionado, com o objetivo final de repartir os recursos da Ucrânia com a Rússia, tentando debilitar o regime de Putin, mas evitando sua derrota. A chegada de Trump acentuou, de forma exacerbada, essa política, desprezando a UE e chantageando aberta e descaradamente o governo Zelensky para firmar o quanto antes uma capitulação, entregando a Putin o Leste da Ucrânia e reservando para si os minerais da parte em mãos ucranianas.

Os companheiros da FT tomam como boas, sem qualquer detalhe, as versões do governo norte-americano sobre a ajuda militar e financeira à Ucrânia. Exaltam, sem qualquer valoração concreta, a magnitude do apoio militar norte-americano e da UE, desconhecendo sistematicamente os atrasos e limitações no aspecto militar, o caráter de empréstimo das ajudas e sua condicionalidade. Chegam, inclusive, a considerar a brusca virada tática de Trump — marcada por sua aproximação a Putin e por um chantagismo descarado contra Zelensky — como simples continuidade das táticas de Biden.

A direção da guerra e a natureza desta

É curioso que os companheiros da FT, que se reivindicam trotskistas, esqueçam-se de recorrer aos ensinamentos históricos do movimento trotskista diante de guerras de libertação nacional.

Retomando a segunda guerra sino-japonesa, iniciada em 1937, quando o Japão invadiu a China, pensamos que a política ucraniana da FT é muito parecida com a do Workers Party (WP) de Shachtman. No início da guerra, tanto o SWP de Cannon (a seção da IV Internacional nos EUA) quanto o WP de Shachtman (uma cisão do SWP) apoiaram a China contra o Japão. Mas quando em 1941, após o bombardeio de Pearl Harbor, os EUA entraram na guerra contra o Japão e começaram a enviar ajuda militar à China, Shachtman mudou sua política e adotou uma posição de neutralidade, “nem, nem”, muito parecida com a da FT na Ucrânia.

Morrison, em nome do SWP, rebateu dizendo:

A proposição geral de Shachtman é que não se pode apoiar a luta de uma nação colonial ou semicolonial contra uma nação imperialista que está envolvida em uma guerra com outra nação imperialista, sempre e quando a nação colonial esteja sob controle da classe capitalista.

Mas a essência da política colonial do marxismo revolucionário é apoiar a luta dos povos coloniais contra um opressor imperialista, ainda que seja dirigida pela burguesia, e sem fazer nenhuma exceção durante um período em que esteja sendo travada uma guerra imperialista.

Esta posição é ainda mais evidente hoje, quando não há confronto armado direto entre a OTAN e Putin. Morrison seguia:

Suponhamos que a ajuda que chega à China desde os Estados Unidos seja muito maior agora do que antes de Pearl Harbor. A quantidade de material enviada pelos Estados Unidos muda o caráter do conflito chinês? (…) Mesmo antes da declaração oficial de guerra, aviadores estadunidenses lutavam pela China. Suponhamos que agora haja muito mais deles na China. Isso, claro, é um fator mais importante. Mas ninguém que seja um marxista realista sustentará que conseguir ajuda técnica ou mesmo ajuda militar através de oficiais especialmente treinados muda o caráter do conflito chinês. O importante é: quem, em última instância, tem o controle das forças armadas e, portanto, o controle do conflito? Até agora, ninguém em sã consciência pode dizer que não é o governo chinês quem controla os exércitos chineses. Se a situação mudasse e se enviasse um número suficiente de tropas estadunidenses à China e estas tomassem o controle da luta contra o Japão, então teríamos que mudar de atitude. Mas isso não ocorreu.

Morrison abordava um tema central: as circunstâncias de uma guerra justa de libertação nacional podem alterar-se de tal maneira que podem chegar a convertê-la em uma guerra interimperialista, o que ocorreu na China quando avançou a guerra norte-americano-japonesa na Ásia, tropas norte-americanas entraram na China e assumiram o controle das tropas do Kuomintang. Colocamos este assunto porque o problema de quem dirige a guerra é algo qualitativo. Se na Ucrânia o comando efetivo passasse às mãos norte-americanas — o que implica controle tecnológico completo, necessariamente acompanhado de intervenção de tropas no terreno — o próprio caráter da guerra mudaria e, em vez de uma guerra justa de libertação nacional, a guerra da Ucrânia passaria a converter-se em guerra interimperialista. Algo que não sucedeu e é difícil que ocorra nas circunstâncias atuais.

Os companheiros da FT não se detêm para analisar as circunstâncias concretas da guerra e sua condução. Afirmam alegremente que quem dirige efetivamente a guerra, desde o início mesmo, são os norte-americanos, através da OTAN.

É nítido que ninguém pode pôr em dúvida a influência da OTAN na direção da guerra, nem a política de submissão de Zelensky, também no terreno militar, centrada na súplica por armamento ocidental, em vez de colocar a indústria do país, mediante nacionalização, a serviço da guerra contra a invasão. O desenvolvimento da indústria militar ucraniana, com avanço notável em drones nos últimos tempos, foi tardio, desigual, insuficiente e dependente dos interesses de empresários privados.

Mas uma coisa é criticar a submissão de Zelensky e outra bem distinta é dizer que a direção militar efetiva da guerra passou às mãos dos EUA–OTAN. Isso não só não corresponde à realidade, como ignora deliberadamente as fortes contradições e choque que se deram — e se dão, agora mais com Trump — entre o comando militar ucraniano e o comando estadunidense da OTAN.

Essas contradições se manifestaram ao longo da guerra na oposição dos EUA/OTAN a que a Ucrânia realizasse ações ofensivas em território russo; na desconexão dos satélites Starlink, por ordens de Elon Musk, em setembro de 2022, durante a contraofensiva de Kherson e Donetsk; e também em março de 2025, nas ordens de Trump de interromper todo o aporte de inteligência militar à Ucrânia como chantagem explícita para forçar sua capitulação ante a Rússia, restabelecido apenas parcialmente depois. Em julho de 2025 voltou a cair a conexão com Starlink durante horas em toda a linha de frente.

É útil consultar o longo informe de Adam Entous, publicado no New York Times em 29/3/2025, que mostra as fortes contradições entre oficiais norte-americanos e o comando militar ucraniano sobre a condução da guerra, com estes últimos constantemente contrariados pelo atraso e falta de fornecimento de armas, pelas tentativas de controle das operações para “não provocar” a Rússia e pelo freio às ações ucranianas. O informe diz, por exemplo:

À medida que os ucranianos ganharam maior autonomia na parceria, mantiveram cada vez mais em segredo suas intenções. Estavam constantemente irritados porque os estadunidenses não podiam, ou não queriam, dar-lhes todas as armas e outros equipamentos que queriam. Os estadunidenses, por sua vez, estavam irritados com o que viam como demandas irrazoáveis dos ucranianos.

A importante “Operação Teia de Aranha”, de 1º de junho de 2025, contra aeródromos militares russos, foi realizada sem nenhuma informação ao comando militar norte-americano.

A política diante da invasão russa

Uma parte do texto dos companheiros faz uma síntese de sua atitude diante da guerra:

A posição da esquerda socialista, anti-imperialista, deve ser repudiar enfaticamente esta ocupação do governo autocrático de Putin, exigir a retirada imediata das forças militares russas de todo o território ucraniano e, ao mesmo tempo, incentivar entre a população ucraniana o surgimento de uma posição independente do governo pró-imperialista de Zelensky e das diferentes forças nacionalistas reacionárias, subordinadas às potências da OTAN. Da mesma forma, em nível internacional, impulsionar um grande movimento antiguerra e antimilitarista da classe trabalhadora e da juventude.

A primeira questão que chama a atenção é o que querem dizer com “repudiar enfaticamente esta ocupação”. De fato, os companheiros podem “repudiá-la”, inclusive “enfaticamente”, e exigir “a retirada imediata”, mas isso não passa de uma declaração puramente verbal. É assim porque, longe de estar no campo militar ucraniano para derrotar a invasão imperialista russa, para a FT não há uma guerra justa de libertação nacional, e sim uma “guerra reacionária” na qual não se deve estar nem com os agredidos nem com os agressores. Adicione-se a isso o fato de que suas organizações na Europa participaram de campanhas por “nem um tanque para a Ucrânia”, inclusive apoiando na Alemanha um chamado a uma greve geral contra o envio de armas à Ucrânia. Pensamos que sua posição se adapta enormemente às pressões pacifistas de Lula, Petro, A França Insubmissa , o alemão Die Linke ou os espanhóis Sumar e Podemos.

Por outro lado, alguém pensa que é possível desmascarar as intrigas e enganos da OTAN, ou do governo pró-imperialista de Zelensky, se não for com uma colocação clara nas trincheiras ucranianas? Alguém acha que é possível combater Zelensky com uma postura abstencionista, “nem com um nem com outro”, colocando-se em “terra de ninguém”? O que a FT diz aos trabalhadores ucranianos, muitos deles no front? Que não devem apoiar nenhum lado militar porque ambos são reacionários e que só será possível apoiar o lado ucraniano quando houver um governo anti-imperialista e socialista no comando?

Na LIT pensamos, pelo contrário, que os revolucionários devem estar incondicionalmente no campo militar da Ucrânia, lutar pela vitória militar da nação oprimida e invadida, sem que isso implique qualquer apoio político a Zelensky ou à OTAN. Que é preciso opor-se e denunciar sem ambiguidades a OTAN e o rearme imperialista, combatendo os orçamentos militares de Trump, Macron, Merz, Sánchez etc., e, dentro da Ucrânia, enfrentar Zelensky por sua submissão aos oligarcas ucranianos, a Trump e aos imperialismos europeus.

Mas esta confrontação política com Zelensky só pode ser realmente feita no terreno sendo “os melhores soldados contra Putin”, enquanto enfrentamos sua corrupção e suas medidas contra os direitos democráticos e contra os direitos e conquistas do povo trabalhador. De maneira similar a como fazíamos com o governo republicano durante a Guerra Civil Espanhola de 1936–1939, sendo “os melhores soldados contra Franco” e lutando pela organização independente do proletariado e da juventude. É assim que estamos atualmente trabalhando e nos esforçando para construir uma força revolucionária na Ucrânia.

Erros que não temos inconveniente em reconhecer e retificar

Por nossa parte, não temos inconveniente em reconhecer que cometemos erros em nossa política diante da guerra na Ucrânia. Um deles, talvez o mais importante, foi que, nos primeiros meses, incluímos em nossos materiais a reivindicação aos governos imperialistas pelo envio de armas para resistir à invasão russa. Isso foi um erro importante, corrigido posteriormente e registrado expressamente em nosso XVI Congresso mundial. A razão é evidente: nenhum governo imperialista pode apoiar de maneira real a luta de um povo oprimido por sua liberdade nacional, e, se intervém, o faz de maneira condicionada e atendendo a um fim último que não é outro senão subjugar e dominar o país oprimido conforme seus interesses imperialistas.

Mas dito isso, não podemos cruzar os braços e, como fizeram os camaradas do SWP de Cannon durante todo o primeiro período da guerra sino-japonesa, quando apoiaram resolutamente a China contra o Japão e mobilizaram ajuda política e material à resistência operária e popular chinesa. No nosso caso, temos campanhas de apoio ao sindicato mineiro-metalúrgico de Krivy Rih ou, atualmente, a campanha pela inclusão na lista de troca de prisioneiros dos companheiros Denys Matsola e Vlad Zhuravlev, dois lutadores classistas presos pelas tropas russas na tomada de Mariupol.

Por outro lado, sendo contra exigir aos governos imperialistas o envio de armas à Ucrânia, também nos opomos a boicotar seu transporte. Trotsky nos dizia em 1938:

Suponhamos que amanhã estoure uma rebelião na colônia francesa da Argélia sob a bandeira da independência nacional e que o governo italiano, motivado por seus próprios interesses imperialistas, prepare-se para enviar armas aos rebeldes. Qual deveria ser a atitude dos trabalhadores italianos neste caso? Tomei de propósito um exemplo de rebelião contra um imperialismo democrático com intervenção, do lado dos rebeldes, de um imperialismo fascista. Os trabalhadores italianos deveriam impedir o envio de armas aos argelinos? Que qualquer ultraesquerdista se atreva a responder afirmativamente a essa pergunta. Todo revolucionário, junto com os trabalhadores italianos e os argelinos rebeldes, rejeitaria tal resposta com indignação. (…) Ao mesmo tempo, os trabalhadores marítimos franceses (…) seriam obrigados a fazer todo o possível para bloquear o envio de munição destinada a ser utilizada contra os rebeldes. Só uma política assim por parte dos trabalhadores italianos e franceses constitui a política do internacionalismo revolucionário.

No Brasil, a FT cedeu a uma política campista do PT e do PSOL

Ainda neste novo artigo, os companheiros da FT e do MRT comparam um golpe realmente existente, o do Egito, com o impeachment de Dilma Rousseff no Brasil. Chamam de “golpe de Estado” ou de “golpe institucional”, a queda de um governo operário-liberal de colaboração de classes pelos mecanismos institucionais, dentro das regras do regime democrático burguês e que deu origem a um governo democrático burguês.

O impeachment é um mecanismo jurídico político inscrito na constituição de 1988, que permite derrubar o presidente eleito, sem mudar o regime, dando posse ao vice-presidente, ou no impedimento deste, aos presidentes das Casas Legislativas (Câmara ou Senado, nessa ordem), por último ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF).

Os companheiros dizem em seu artigo que “ao longo de todo giro reacionário articulado pela grande imprensa, operação Lava Jato, Judiciário e imperialismo norte-americano – em aliança com partidos tradicionais da burguesia como o PSDB e o PMDB – o PSTU decidiu centrar sua agitação política na consigna do Fora Todos. Ainda que afirmem ter sido contrários ao impeachment, é fato que isso nunca foi parte da agitação política do PSTU.”

Mas a defesa da palavra de ordem Fora Todos eles e Eleições Gerais, já! não existe dissociada da negação do impeachment. Praticamente todos os artigos, discursos e panfletos do PSTU desse período explicam que não éramos favoráveis ao impeachment, porque defendemos colocar todos eles para fora. Isso pode ser facilmente verificável nos jornais Opinião Socialista de 2015 e 2016 (disponíveis no arquivo Leon Trotsky). Afirmar, então, que a negação do impeachment não fez parte da nossa política é mais uma distorção da nossa posição.

Justamente contra o “Fica Dilma” do governo do PT e contra o impeachment, proposto pela oposição burguesa, dizíamos que era preciso derrotar e colocar para fora todos eles, quer dizer, também toda linha sucessória: Temer-MDB (o vice de Dilma-PT), Cunha (MDB – presidente da Câmara), e Renan Calheiros (MDB – presidente do Senado). A nossa palavra de ordem combatia o governo e também o regime político (incluindo o judiciário) e dialogava perfeitamente com a classe trabalhadora, especialmente com a classe operária.

A crise do governo era grande. O processo de impeachment foi admitido formalmente no parlamento em dezembro de 2015. Em setembro daquele ano, quando o apoio ao governo era de apenas 9% na população, a CSP -Conlutas realizou um ato alternativo aos da direita e do governo, com mais de 15 mil pessoas na avenida Paulista em São Paulo, defendendo dar um basta em todos eles. Nós do PSTU explicávamos então: “Dilma – PT, vive uma crise sem tamanho. Sua fraqueza vem em primeiro lugar da ruptura massiva da classe trabalhadora e do povo mais pobre contra o governo e o PT”.

O discurso do Zé Maria, presidente nacional do PSTU nesse ato dizia: “O governo do PT, frente à crise, ataca impiedosamente os direitos da classe trabalhadora para defender os interesses e os lucros dos bancos e das multinacionais. De outro lado, a oposição burguesa exige ainda mais cortes dos direitos dos trabalhadores e apresenta um pedido de impeachment para tirar Dilma e botar no lugar Temer, Aécio ou Cunha. E para fazer o quê? A mesma coisa que o PT está fazendo: defender os interesses de bancos e grandes empresas. É por isso que achamos errada a posição de parte da esquerda que diz que devemos defender o governo frente à oposição de direita que aí está”, afirmou. E seguiu argumentando: “além de ambos representarem a mesma política, a própria direita já está dentro do governo do PT, com a ruralista Kátia Abreu, o ministro da Fazenda Joaquim Levy e tantos outros.” O ministro da Fazenda foi indicado pelos banqueiros.

Dirigindo-se ao MTST e à direção do PSOL, Zé Maria defendeu a construção de uma alternativa dos trabalhadores. “É aqui, nas ruas, nas lutas dos trabalhadores que nós poderemos construir uma alternativa de esquerda à crise desse país, não defendendo o governo”, discursou.

Em abril de 2016, quando o apoio a Dilma não passava de 6% na população e a de Temer e demais figuras da oposição burguesa era de meros 11%, dizíamos no jornal Opinião Socialista: “ A classe operária e a maioria do povo querem que Dilma se vá, mas não querem que Temer, Cunha ou qualquer outro bandido deste Congresso governe. A vontade da classe trabalhadora e da maioria do povo não se expressa no Congresso Nacional, nem no bloco que defende o ‘Fica Dilma’, nem no que defende impeachment e governo Temer. Nem um, nem outro bloco representam a mudança que a classe trabalhadora, a juventude e o povo pobre exigem.”

Havia, então, três posições na crise: a do campo burguês do governo, que defendia Fica Dilma (impeachment é golpe); a posição do campo burguês da direita tradicional liberal (MDB e PSDB principalmente), que defendia impeachment e a entrega do poder a Temer-MDB (vice do governo do PT), e a que defendíamos nós: Fora Todos, novas eleições já.

Teoria da conspiração em lugar de análise marxista

Numa análise ou abordagem marxista, não cabe citar o impeachment de Dilma Rousseff como um golpe de Estado, seja em razão da natureza do processo político que culminou na queda do governo, seja em razão da lógica interna da democracia liberal.

Os companheiros da FT justificam sua adesão ao campo governista, usando a narrativa do PT. Repetem a explicação mais difundida pelo bloco em torno ao PT que se somaram à tese do “golpe” e à incondicional defesa de Lula perante as acusações de corrupção, ou seja, que a Força Tarefa da Lava Jato nasceu e foi treinada nos EUA (pelo FBI e CIA). Ela seria uma ação orquestrada pelo FBI para promover um golpe no Brasil: mudar o governo e o regime político (a articulação das instituições do Estado) e depois prender Lula, para garantir aos EUA apossar-se da Petrobrás, do Pré-Sal, e destruir o Mercosul.

Por incrível que possa parecer, esta explicação própria de uma teoria da conspiração, foi levantada em primeiro lugar por Marilena Chauí, professora de filosofia da USP (veja aqui). Ela foi compartilhada, no entanto, por diversas correntes de esquerda.

Mas, teorias da conspiração não explicam os acontecimentos de maneira estrutural e histórica, como parte de um processo que tem como pano de fundo a economia, a luta entre as classes e como resultado de múltiplas determinações. Pelo contrário, para a teoria da conspiração os acontecimentos são produtos de um complô.

De acordo com essa explicação, Obama estaria por trás da Lava Jato, interessado na desestabilização da democracia burguesa brasileira: havia treinado procuradores, promotores e juízes para derrubarem o governo do PT.

Mas, os governos de Dilma e de Lula nunca recusaram nada de relevante para os EUA, inclusive Dilma apoiou o projeto de partilha do Pré-Sal. Aceitaram de muito bom grado ampla “assessoria” em “segurança pública” e cooperação no “combate ao terrorismo” e no “combate às drogas”.

Que uma parte da burguesia, especialmente setores do PSDB e MDB, para articular o impeachment, tenha se aproveitado da seletividade Lava Jato em atingir apenas uma parte do espectro econômico e político (justamente porque não era seu objetivo mudar o regime), é fato. Que a rede Globo e a revista Veja a tenham usado contra o bloco burguês capitaneado pelo PT e contra o próprio PT (como usaram contra Crivella para a prefeitura do Rio de Janeiro) e abafaram escândalos do PSDB, é verdade. Que os membros do Ministério Público Federal que a compuseram, muitos deles, possuem uma concepção de direito burguês eivado de excepcionalidades, e que o juiz Sérgio Moro nunca foi neutro, também é verdade. A investigação do Intercept e a operação “Vaza Jato” demonstraram as ilegalidades jurídicas processuais, especialmente do processo contra Lula, posterior ao impeachment. Mas nada disso configura um golpe de Estado.

Não é verdade que a queda de Dilma foi orquestrada desde os EUA por Obama. Aliás, um episódio curioso: em 2016 houve a acusação realizada contra a Polícia Legislativa de atrapalhar as investigações da Lava Jato, retirando grampos instalados pela Polícia Federal em casas de senadores e até colocando grampos, numa ação de contraespionagem, com equipamentos importados ultrassofisticados. Também foram treinados pelos “colegas” dos EUA. Nesse caso pela Swat. Obama estaria então orquestrando a espionagem e a contraespionagem no Brasil, ou seja, assessorando os dois lados?

A verdade é que os governos do PT nunca contrariaram os EUA em nada. Os vazamentos do Wikileaks sobre Brasil atestam que, sob os governos do PT, o Brasil era visto por Bush e Obama como o país mais seguro e amigo dos EUA do que todos os demais que compõem os BRIC’s. A embaixada dos EUA no Brasil resistiu até onde pode contra a queda da Dilma. Ao contrário do que diz a FT, os banqueiros e inclusive o imperialismo norte-americano tentaram até o último momento impedir o impeachment. Os ratos só abandonaram o navio quando já não havia mais a mínima condição de governabilidade.

Essa explicação de um complô do imperialismo via Lava Jato não é marxista, nem dialética, nem histórica. Nesta pseudo explicação, a ruptura de massas da classe trabalhadora com o PT devido ao estelionato praticado pelo governo contra a classe para agradar o imperialismo, os banqueiros e o empresariado em meio a uma crise econômica fortíssima, não foi o que levou o governo a pique. A verdade, porém, é que a crise política que levou o governo do PT à ingovernabilidade ocorreu, em primeiro lugar, por falta de lastro social. Essa crise fez com que seus aliados fossem abandonando o barco.

A briga entre os dois blocos burgueses pelo controle do poder de Estado não representava diferenças fundamentais de política econômica ou na relação com o imperialismo. Tanto é assim que Henrique Meirelles, ex-chefe do Banco de Boston, ex-ministro de Lula e homem de confiança do imperialismo americano, era o nome preferido de Lula para tentar estabilizar o governo de Dilma, e foi o chefe da economia no governo Temer.

O ex-presidente FHC, do PSDB, disse ao jornal O Estado de São Paulo em março de 2016: “Com a incapacidade que se nota hoje de o governo funcionar, de ela resistir e fazer o governo funcionar, eu acho que agora o caminho é o impeachment”.

A Lava Jato, queria reformar o regime que estava extremamente desacreditado, não derrubá-lo. Por isso, não atacava todo o mundo político e econômico, preservava 70% dele. Visava dar de volta o poder ao PSDB em 2018. Mas, como a realidade é mais rica do que qualquer esquema, quem mais afundou com toda a crise foi exatamente o centro, ou, o PSDB.

Para quem quiser se aprofundar nesse assunto sobre o suposto “golpe” de 2016 no Brasil, recomendamos o livro de Pablo Biondi “A Operação Lava Jato e a luta de classes: forma jurídica, crise política e democracia liberal” “, da Editora Sundermann (adquira aqui).

A banalização do que é golpe

No que diz respeito ao modelo liberal da democracia, inclusive na sua variante presidencialista, tem-se que o Legislativo detém uma supremacia legal em face do Executivo. O que caracteriza esse tipo de regime é a dominância do parlamento sobre o governo em última análise, uma configuração institucional que data das revoluções burguesas (a lei como máxima expressão da vontade geral, a vinculação dos atos administrativos a padrões de legalidade, a exigência de aval parlamentar para a consumação de certas medidas que competem aos governos etc.).

Portanto, a deposição do governante pelas casas legislativas apenas reafirma a relação de supremacia que é pressuposta nas entrelinhas da chamada “separação de poderes”. E essa deposição, que só pode ocorrer por meio de um ato parlamentar, requer um julgamento político a respeito do governo. Como toda decisão que se toma na esfera legislativa, o impeachment é objeto de uma deliberação que envolve cálculos políticos e, acima de tudo, negociações políticas, promessas, concessões etc. O juízo sobre crime de responsabilidade é um juízo politicamente mediado pelas condições de sustentação do governo em face do sistema político (constelação de partidos políticos em suas relações recíprocas), o que inviabiliza, portanto, as leituras legalistas que abundam nas organizações de esquerda.

Perdendo lastro social, tendo o mais baixo índice de popularidade da história, 6% de aprovação na população, e encontrando-se isolado politicamente, o governo de Dilma não foi capaz de se manter de pé. Tendo sido decisivo, ao final, o declínio dos grupos capitalistas com os quais mantinha relações mais estreitas. Daí se seguiu um contínuo desembarque do empresariado que, por tanto tempo, nutriu boas relações com as gestões petistas, assim como um abandono por parte das agremiações partidárias que se mantiveram fiéis ao governo enquanto isso lhes pareceu conveniente (o partido mais importante a abandonar o governo foi o MDB). Diante desse cenário em que a maioria da burguesia brasileira se atreveu a entregar à própria sorte um governo que tanto a favoreceu, chegando mesmo a exigir a antecipação do seu fim em nome de um melhor cenário econômico, a maioria da esquerda agarrou-se ao campo burguês decadente, ao antigo campo governista.

Desde que o governo Dilma foi colocado contra as cordas: a principal tarefa de grande parte da esquerda passou a ser salvar o PT dos aliados de ocasião que o abandonaram ao invés de lutar por reconstruir a direção política da classe trabalhadora.

Ocorre que não há golpe de Estado sem uma mudança brusca nas relações entre os três poderes. Do ponto de vista interno à democracia liberal a derrocada do regime só se verifica com a subversão da predominância do Legislativo sobre o Executivo.

As principais formas burguesas de autoritarismo estatal são caracterizadas, basicamente, pela hipertrofia do Executivo em detrimento do Legislativo, algo que assume distintos graus e características em regimes como o bonapartismo, a ditadura militar e o fascismo (três regimes diferentes, vale dizer). A instauração e a manutenção dessa hipertrofia dependem de medidas policialescas, de uma intensificação da prática repressiva por parte do Estado, tal como se verifica nos autênticos golpes de Estado. Não foi o que aconteceu em 2016: a queda de Dilma Rousseff não exigiu um único toque de recolher, já que os trabalhadores não saíram de suas casas para defender seu mandato. Não se dispuseram a salvar um governo que consideravam detestável, por maiores que sejam os esforços reformistas para embelezar as administrações petistas ou da FT para construir uma teoria justificativa para ceder a uma posição campista.

A verdade é que essa confusão sobre o que é um golpe de Estado, criada pela narrativa do PT e PSOL, à qual a FT adere, além de cumprir o papel de jogar um véu sobre o real papel dos governos de colaboração de classes chefiados pelo PT, leva a deixar a classe trabalhadora e a vanguarda despreparadas para lidar com um golpe de verdade. A farsa do discurso sobre 2016 pode facilitar o caminho para uma tragédia real no futuro. Afinal, dentre as diversas maneiras de se subestimar a extrema direita, o bolsonarismo e as Forças Armadas em 2023, por exemplo, a mais perigosa é a que faz crer que um golpe de Estado poderia ocorrer, como supostamente na votação do impeachment de Dilma, sem que nenhum incremento expressivo na atividade de repressão estatal seja introduzido na vida social, sem uma mudança qualitativa no regime político.

Precisamos, pois, dar às palavras a sua dimensão: se a geração atual acreditar que sobreviveu a um golpe em 2016, e que está capacitada para lidar com esse tipo de experiência, ela será uma presa fácil.

Lula e o PT usam a narrativa do golpe para mostrar um passado rosa e isentar os seus mandatos da co-responsabilidade pela decadência do país e inclusive por inscrever mecanismos repressivos e bonapartistas na Constituição, como a lei anti-terrorismo, ou em conjunto com as Forças Armadas, as portarias de Garantia de Lei e Ordem (GLO), com as quais as Forças Armadas podem cumprir papel de repressão interna.

O PT passou a ser contrário à mudança de qualquer governo via impeachment, inclusive passou a dizer que a derrubada de Collor também foi “golpe”.

Mas, apesar do PT e Lula dizerem que a intentona bolsonarista de 2023 (essa realmente uma tentativa de golpe) seria um “aprofundamento do golpe”, eles sabem que em 2016 não teve golpe algum. Tanto sabem, que o atual vice de Lula, Alckmin-PSDB, foi defensor do impeachment de Dilma, da mesma maneira que 7 dos seus atuais ministros, entre eles Marina Silva (Rede). Quer dizer, Lula formou um governo cheio de “golpistas”? Claro que não! Mas, o MRT/FT corroboram essa farsa.

Além de uma análise superficial, meramente jurídica e unilateral, e de um distanciamento da classe operária e do forte sentimento contra o governo e o regime nas massas nesse momento, talvez o que possa explicar a capitulação do MRT/FT à pressão desta posição campista, seja o fato de que nessa época o MRT brasileiro tentava entrar no PSOL, no que foi vetado pela direção deste partido.

Definir o impeachment de 2016 como golpe, significa destituir de sentido o conceito de golpismo, significa banalizá-lo ao extremo, ao ponto de torná-lo irrelevante.

Para terminar

Enquanto trabalhávamos neste artigo, que buscava responder ao texto A concepção morenista de revolução e a crise histórica da LIT, as páginas de Ideas de Izquierda publicaram duas séries de artigos sobre a revolução angolana e nicaraguense.

Estes artigos, vejam só, reconhecem que sim, foram revoluções que aconteceram nestes países e que influenciaram enormemente na realidade e na luta de classes em nível mundial. O interessante é notar que, pelos critérios defendidos no artigo que agora respondemos, ambos os acontecimentos não seriam revoluções, pois não transferiram o poder de uma classe social para outra.

Como os camaradas da FT resolvem essa flagrante contradição? Em silêncio como se não estivesse acontecendo nada. Diante da necessidade imperiosa de atuar concretamente, a FT está tentando entrar na África, são obrigados a renegar sua teoria anterior e começar a construir outra, sem dizer uma palavra sobre as mudanças que estão operando.

Vale a pena fazer notar, no entanto, que ambos os textos, pese esse ajuste essencial, ainda que com 50 anos de atraso, pecam dos problemas que já identificamos antes, a de julgar os acontecimentos pelos seus resultados finais, ignorando as amplas possibilidades que eles abriam quando se deram.

Nós, optamos por não desenvolver aqui, no presente artigo, uma crítica mais profunda aos textos sobre Angola e Nicarágua, mas o faremos em breve e com a devida profundidade.

A mesma metodologia, de ir ajustando suas posições na medida que elas ficam indefensáveis, e se chocam com o movimento de massas e com a vanguarda, pode ser notado na discussão sobre Palestina. A contraposição que a FT fazia entre a palavra de ordem, “palestina livre do Rio ao mar” e outras variações que expressavam a defesa de uma palestina laica, democrática e não racista em todo o seu território histórico, e Palestina Operária e Socialista, como se a primeira fosse uma capitulação ao etapismo e a segunda a expressão de um genuíno programa trotskista, desapareceu

É óbvio, como desenvolvemos neste texto, que tal compreensão das palavras de ordem só se explicam por uma ruptura ou incompreensão do programa de transição, mas isso também será objeto de uma polêmica futura, por hora nos damos por satisfeitos em remarcar o método, de mudar de posição silenciosamente.

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