A democracia brasileira não pode seguir refém de fascistas e neo-cangaceiros
por Daniel Costa
Ao acordar nesta quarta-feira e passar rapidamente pelos principais portais de notícias, sejam eles da imprensa dita hegemônica ou da chamada alternativa, o destaque era a vergonhosa aprovação do projeto que prevê a redução de pena dos envolvidos na tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, benefício que alcançaria inclusive os líderes da conspiração, como o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Porém, para além dessa anistia disfarçada, quem acompanhou a movimentação na Câmara dos Deputados na última noite pôde assistir a mais um capítulo do ininterrupto processo de corrosão das bases de nossa já combalida democracia. Do alto de sua cadeira, o “menino mimado”, ou melhor, o presidente da Câmara, Hugo Mota, talvez imaginando estar no alpendre de alguma de suas propriedades em Patos, na Paraíba, resolveu agir como um autêntico coronel. Determinou que seus jagunços retirassem à força um parlamentar que ocupava a mesa diretora da Câmara de forma pacífica, sem impedir os trabalhos do Parlamento. Além disso, jornalistas foram agredidos pelos seguranças a serviço do “minúsculo coroné”, e a transmissão do plenário feita pela TV Câmara foi inesperadamente cortada, o que representa um nítido caso de censura.
Ora, que paladinos da democracia liberal são esses que, ao menor sinal de dissenso, recorrem sem pudor à repressão? O que assistimos ontem foi mais um capítulo da morte anunciada do pacto forjado pela Nova República e da Constituição de 1988, ambos esgarçados e corroídos de forma deliberada ao menos desde o golpe parlamentar de 2016. Diante das deploráveis cenas vistas ontem, surge uma questão: até quando as forças democráticas de esquerda conseguirão exercer o papel de freio para tamanhas investidas? Apesar de ser constantemente identificada pelo “mercado”, pela imprensa hegemônica e por setores fisiológicos como a outra face do fascismo tropical, é a esquerda democrática que vem garantindo a manutenção desse pacto em crise terminal.
E tudo indica que essa mesma esquerda seguirá sendo o único muro de contenção do extremismo, visto que até mesmo o PSDB, cuja ressurreição é tentada pelas viúvas da terceira via, insiste em repetir a cantilena golpista inaugurada por Aécio Neves em 2014.
Sabemos que, devido ao seu perfil, o presidente Lula continuará buscando não apenas pacificar o país, mas também forjar um novo consenso que permita à sociedade brasileira voltar a caminhar nos trilhos da democracia. No entanto, diante das investidas da aliança formada entre protofascistas e achacadores dos cofres públicos, essa ainda seria a postura adequada por parte dos parlamentares do campo democrático de esquerda?
Talvez seja a hora de esses parlamentares abrirem mão da pequena política, conceito trabalhado pelo intelectual sardo Antonio Gramsci, e retornarem ao exercício da grande política. Apenas esse tipo de ação será capaz de isolar minúsculos parlamentares que chegam ao Congresso sem o verdadeiro espírito democrático e republicano, mas sim portando um comportamento digno dos mais sanguinários cangaceiros, que não titubeiam em usar seus asseclas contra aqueles que os questionam, sejam parlamentares ou profissionais da imprensa.
Diante de tantos desmandos, resta apenas pensar na população de Patos, refém do “microscópico coroné” e de sua famiglia.
Daniel Costa é historiador, jornalista e pesquisador
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