Péricles (495–425 a.C.) foi o mais importante governante da Atenas Clássica e o maior símbolo da democracia antiga. Administrou a cidade por 30 anos, eleito anualmente. Era muito rico, mas lutava contra a aristocracia. Não se trata de listar suas reformas, sempre voltadas a ampliar a democracia. Péricles foi um líder inspirador, que governou pelo exemplo, com grandeza moral incomparável, impulsionando o povo e seus seguidores a uma vida politicamente engajada. Adquiriu, com mérito, a fama de incorruptível.
Péricles entendia ser fundamental garantir a autoridade e a solenidade do cargo. Recusou todos os convites para banquetes e festas patrocinados por amigos ricos. Em sua longa carreira, só foi jantar fora de casa uma única vez, na festa de casamento de seu primo Euriptólemo. Guiou-se pelo princípio de que os ambientes de festas e de convívios suntuosos destroem a gravidade e a observância dos princípios morais que devem governar a atividade pública.
Ao tomar a medida de Péricles, percebe-se o quanto é degradada e corrompida a conduta de políticos, juízes e altos escalões do Estado atualmente. Por esse viés deve-se discutir o imbróglio envolvendo o Supremo Tribunal Federal, o escândalo do Banco Master e a exigência, feita pelo presidente Edson Fachin, de que a Corte adote um Código de Ética.
O escândalo do Banco Master respinga em várias direções, atingindo muitos políticos, principalmente dos segmentos mais à direita, mas tingindo de suspeitas também ministros do STF. O processo contra os diretores do Banco Master corria na Justiça Federal de Brasília. No entanto, seus advogados recorreram aos Supremo, alegando que haveria prerrogativa de foro por conta de um suposto envolvimento de um deputado federal. Com base nessas alegações, o ministro Dias Toffoli avocou para si a condução do processo, suspendeu todas as investigações em andamento e decretou sigilo absoluto sobre o caso. Ocorre que o deputado mencionado não tem relação com o escândalo do banco. Essa atitude de Toffoli é suspeita e inaceitável.
Mas a coisa se agrava. Toffoli viajou para Lima, no Peru, para assistir à final da Libertadores, no mesmo jatinho em que estava um dos advogados dos donos e diretores do Banco Master. A mídia divulgou também que Roberta Maria Rangel, esposa de Toffoli, integrou o quadro societário do Werle Advogados, que é um dos contratados para a defesa de Daniel Vorcaro, dono do banco. Quer dizer, existe uma teia de relações promíscuas e suspeitas em tudo isso. Toffoli não só deveria se declarar suspeito para continuar no caso, mas deve ser considerado suspeito pela opinião pública.
A imprensa vem divulgando nos últimos dias que o escritório controlado pela esposa do ministro Alexandre de Moraes, a advogada Viviane Barci de Moraes, tinha um contrato de 129 milhões de reais com o Banco Master, volume de dinheiro espantoso no meio jurídico. Pode não ter nada de ilegal nesse contrato, mas parece ter muito de imoral.
É por isso que o Código de Ética proposto por Fachin faz todo o sentido. É necessário disciplinar essas relações em duas frentes: proibir que familiares e parentes de juízes dos tribunais superiores atuem em causas julgadas por esses tribunais e regulamentar as atividades econômicas paralelas e os ganhos que esses magistrados obtêm fora do âmbito judicial. Também é preciso disciplinar favores recebidos, como presentes, patrocínios e viagens, dos quais os juízes são beneficiários.
O Brasil tem 53 mil servidores que ganham acima do teto do funcionalismo, algo espantoso e vergonhoso. Boa parte deles é de juízes. A afirmação de que os magistrados devem ser “o exemplo dos exemplos” reflete a expectativa social de que atuem segundo os mais altos padrões morais. Afinal, eles julgam aqueles que violam leis e normas éticas da sociedade. Além de guardiões da Justiça e da Constituição, detêm grande poder sobre a liberdade e os direitos dos indivíduos. Se exigem que o cidadão comum cumpra a lei, eles devem ser os primeiros a fazê-lo de forma exemplar.
Além de pautar suas condutas pela Constituição e pelo Código de Ética da Magistratura, os juízes dos tribunais superiores devem ter suas atividades extratribunais reguladas por um código próprio, como propõe Fachin. A democracia deve muito ao STF, a Alexandre de Moraes, a Flávio Dino e a outros magistrados, que conquistaram o respeito da sociedade por isso. Mas é necessário que eles também respeitem a sociedade, mantendo uma conduta moral elevada, conforme dela se espera. •
Publicado na edição n° 1392 de CartaCapital, em 17 de dezembro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A ética e o STF’