A Morte de Teori Zavascki: O Rastro Digital, o Elevador e a Sombra da Barbárie, por Salvio Kotter

A Morte de Teori Zavascki: O Rastro Digital, o Elevador e a Sombra da Barbárie

por Salvio Kotter

Este artigo é calcado em muito na conexão de fatos apresentada no editorial de Luís Nassif do GGN 20 Horas de 6 de dezembro. Vale ouvi-lo.

A morte do ministro Teori Zavascki em 2017 não é apenas uma ferida não cicatrizada na história do Judiciário; é o epicentro de um terremoto cujas réplicas ainda estamos sentindo. Relator da Lava Jato, Teori era o fiel da balança, o homem que detinha o poder de frear os excessos de uma operação que, sob o pretexto de combater a corrupção, entregava a soberania econômica nacional a interesses estrangeiros e instaurava um regime de exceção.

A tese oficial de “acidente” desmorona quando confrontada com dois grupos de fatos: a negligência técnica da investigação e a revelação de um ambiente de terrorismo interno imposto pela “República de Curitiba”.

O Mistério Matemático do Voo PR-SOM

Antes de entrarmos na violência física, precisamos encarar a violência dos números. Uma investigação séria jamais poderia ter ignorado o rastro digital deixado dias antes da tragédia.

O site JetPhotos, banco de dados global de aviação, registrou uma anomalia estatística assustadora. A aeronave King Air C90GT (matrícula PR-SOM), um avião executivo discreto que raramente atraía atenção, recebeu cerca de 1.800 visualizações em um único dia – em 3 de janeiro de 2017, apenas duas semanas antes da queda.

Quem estava monitorando aquele avião? Por que houve um interesse súbito e massivo nas especificações e na fuselagem daquela aeronave exata? A ausência de rastreamento desses IPs e a falta de geolocalização desses acessos constituem o primeiro de dez erros capitais.

O Decálogo da Impunidade

A investigação oficial foi um compêndio de falhas que, somadas, sugerem mais do que incompetência: sugerem intenção.

  1. A Anomalia Digital Ignorada: O pico de acessos no JetPhotos foi tratado como inexistente.
  2. Premissa Errada: Tratou-se a morte de um Ministro de Estado como um acidente civil comum, e não como um potencial atentado contra a segurança nacional.
  3. Incompetência do Órgão: O CENIPA, focado em prevenção, não tem mandato nem ferramentas para investigar crimes complexos ou sabotagem.
  4. Falta de Independência: Nenhuma comissão externa ou independente foi permitida para auditar os trabalhos.
  5. Perícia de Explosivos Inexistente: A hipótese de sabotagem foi descartada sem exames laboratoriais profundos de microdetonações nos destroços.
  6. Cadeia de Custódia Opaca: Não há clareza sobre quem guardou os destroços, comprometendo a integridade da prova.
  7. PF Submissa: A Polícia Federal abdicou de seu protagonismo, aceitando um papel secundário na cena do crime.
  8. MPF Omisso: O Ministério Público atuou como mero carimbador, sem exigir contraprovas.
  9. Narrativa Fabricada: A tese de “mau tempo” foi vendida à imprensa antes mesmo do início da perícia técnica.
  10. Laudo sem Rosto: O arquivamento ocorreu sem responsabilização pessoal e sem exames toxicológicos profundos no piloto.

O Fator Luciana Bauer: O Motivo Oculto

Se os erros técnicos já são escandalosos, o motivo para uma possível “queima de arquivo” torna-se assustadoramente palpável com as recentes revelações sobre a ex-juíza Luciana Bauer. O relato traz à luz a natureza violenta e descontrolada que operava nos bastidores da 13ª Vara Federal.

Bauer relata um episódio de agressão física direta: teria tido seu pescoço pressionado pelas mãos de Sérgio Moro dentro de um elevador no prédio da Justiça Federal. O motivo? Ela havia emitido um alvará de soltura para um réu, cumprindo estritamente uma ordem superior do Supremo Tribunal Federal. Ao obedecer à lei e à hierarquia, tornou-se alvo da fúria física do então juiz.

O terror não parou no elevador. Após o episódio, a magistrada descreve uma rotina de perseguição digna de regimes totalitários: viaturas da Polícia Federal passaram a estacionar e rondar sua residência de forma ostensiva e intimidatória. Mesmo após mudar de endereço para fugir do assédio, as viaturas continuaram a aparecer, sinalizando que o aparato estatal estava sendo usado para caçar juízes que não se dobrassem.

O ponto crucial: Luciana Bauer havia relatado toda essa sequência de barbáries — a agressão física e a perseguição policial – diretamente a Teori Zavascki. Depois do desaparecimento dele, ela se demitiu da magistratura federal.

Teori Sabia Demais

Ao receber o relato de Bauer, Teori deixou de ser apenas um entrave jurídico para a Lava Jato. Ele se tornou o detentor de uma prova testemunhal devastadora: a de que o líder da operação agredia fisicamente colegas e utilizava a Polícia Federal como milícia privada para intimidar o Judiciário.

Teori preparava-se para “acabar com a festa” não apenas processualmente, mas moralmente. Ele tinha em mãos o mapa do abuso.

Diante disso, a queda do avião em Paraty deixa de parecer um infortúnio meteorológico (até porque milhares de pousos exitosos são feitos em condições climáticas idênticas) para assumir contornos de uma eliminação estratégica. Se para fazer valer seus desígnios escusos e lesa-pátria eles eram capazes de esganar uma juíza dentro de um prédio federal e usar viaturas oficiais para perseguição doméstica, do que não seriam capazes para impedir que essas verdades viessem à tona?

O Brasil não precisa apenas de respostas; precisa da verdade. E a verdade, ao que tudo indica, jaz no fundo do mar de Paraty, junto aos destroços de uma investigação que nunca aconteceu.

A Operação Lava Jato enfrentou reveses significativos, que, infelizmente não foram provocados por resistência institucional, mas sim por fatores fortuitos — como a improvável ação de um hacker, que, ironicamente, tinha afinidade com a própria operação. A Lava Jato ainda permanece ativa, embora sua atuação tenha talvez se restringido ao assassinato de reputações. Um exemplo recente é o ataque ao juiz federal Eduardo Appio, afastado de suas funções com base em uma acusação não comprovada e relacionada exclusivamente à sua esfera privada. O ativismo político exacerbado de todos os envolvidos na denúncia e no afastamento de Appio inevitavelmente remete à figura de Teori Zavascki, levando-me a desejar sinceramente que este magistrado corajoso, que ousou revelar as entranhas corruptas de uma vara que se autoproclamava combatente do crime, tenha um destino mais justo.

Salvio Kotter passou formações bem variadas, como Administração de Empresas, Música Erudita, Grego Antigo e Latim. Publicou vários livros, de ficção e não-ficção e é editor da Kotter Editorial, especializada em literatura, filosofia e política.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

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