O Banco Central e a Selic de uma nota só: 15%

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central manteve, na reunião dos dias 9 e 10 de dezembro, a taxa Selic em 15% ao ano, conforme anunciado no final da tarde, desta quarta-feira (10). O índice consolida o juro básico no maior patamar em quase duas décadas e reforçando a estratégia de usar a política monetária como âncora quase exclusiva do combate à inflação.

A decisão contrasta com um quadro de desemprego historicamente baixo, PIB em crescimento moderado e inflação em trajetória de desaceleração, e escancara as omissões do comunicado oficial em relação ao uso de instrumentos não monetários que poderiam dividir o “trabalho anti-inflacionário” com a Selic.​

Copom sustenta Selic em 15% e fala em “período prolongado”

No comunicado desta última reunião do ano, o Copom afirma que a manutenção da Selic em 15% é “compatível com a estratégia de convergência da inflação para a meta de 3%”, em um ambiente descrito como de “incerteza elevada” e prêmios de risco ainda pressionados. O texto repete a avaliação de que a política monetária deve permanecer “significativamente contracionista por período prolongado”, com o comitê declarando-se “bastante incomodado” com a inflação rodando acima do centro da meta no horizonte relevante, ainda que dentro da banda.​

O BC volta a mencionar a necessidade de “harmonia” entre política monetária e política fiscal, atribuindo à “deterioração da percepção fiscal” parte da alta nos prêmios de risco, da desancoragem parcial das expectativas e da volatilidade cambial. Mas, na prática, fica definido que, enquanto essa harmonia não for percebida, a Selic seguirá em 15%, consolidando o Brasil na vice-liderança mundial do ranking de juros reais, com taxa em torno de 9,5%–9,7% ao ano.​

Emprego recorde e PIB em alta desafiam a lógica do juro extremo

A decisão se dá em um contexto de mercado de trabalho em seu melhor momento desde o início da série histórica da PNAD Contínua: a taxa de desemprego caiu para cerca de 5,4% no trimestre encerrado em outubro, a menor já registrada, com máximo de ocupados e crescimento dos empregos formais. Ao mesmo tempo, projeções de organismos internacionais como o FMI apontam para crescimento do PIB brasileiro em torno de 2,3%–2,4% em 2025, após um biênio em que a economia seguiu avançando, ainda que em ritmo moderado, em paralelo ao processo de desinflação.​

Esse arranjo — emprego alto, PIB positivo, inflação em queda e juro real entre os mais altos do planeta — é visto por economistas como um “descompasso” entre a dureza da política monetária e o ciclo real da economia, que responde com defasagem aos aumentos da Selic. A transmissão do aperto monetário atinge primeiro o crédito e o investimento, depois o consumo e, apenas por último, o mercado de trabalho, o que ajuda a explicar por que o desemprego segue baixo mesmo com o juro em 15%, mas também evidencia o risco de, mais à frente, a freada ser mais brusca do que o necessário.​

A contradição fiscal: risco “brasileiro” maior que o de países mais frágeis

O comunicado volta a apontar a tal “erosão fiscal” como fator relevante para manter a política monetária em campo restritivo, sugerindo que a qualidade do ajuste e a credibilidade das regras fiscais são centrais para uma futura redução da Selic. Porém, na comparação internacional, o Brasil opera com juros reais muito superiores aos de economias com déficits mais elevados, dívidas maiores e quadros institucionais menos estáveis, o que alimenta a percepção de que parte do prêmio de risco é explicada pelo próprio nível extremo da taxa de juros.​

Essa contradição — um país com inflação sob controle relativo, desemprego baixo e crescimento modesto pagando o segundo maior juro real do mundo — transforma a Selic em uma armadilha: o custo da dívida aumenta, dificulta a melhora do resultado fiscal e retroalimenta a mesma percepção de risco que o BC cita para justificar o juro alto. Ao restringir o debate quase exclusivamente à coordenação com a política fiscal, o comunicado passa ao largo de outros instrumentos que  segundo os especialistas poderiam reduzir pressões inflacionárias sem elevar ainda mais a conta de juros.​

O que o comunicado diz — e o que omite — sobre os instrumentos não monetários

Quando menciona prêmios de risco, credibilidade do regime de metas e necessidade de harmonia com a política fiscal, o documento toca, de forma implícita, em elementos típicos da agenda não monetária: regras fiscais críveis, previsibilidade orçamentária e gestão responsável da dívida pública. Mas não há nenhuma referência concreta a como um desenho fiscal mais estável — metas factíveis, trajetória clara para a dívida/PIB, composição de gastos que privilegie investimento — poderia abrir espaço para reduzir gradualmente a Selic real sem perder o controle da inflação.​

O silêncio é ainda maior em relação a outros instrumentos não monetários: o comunicado não discute o uso calibrado de bancos públicos e crédito direcionado para proteger investimento produtivo e habitação enquanto se modera o consumo de bens supérfluos; não aborda a política de salário mínimo, transferências de renda e desonerações como ferramentas para enfrentar choques de preços de forma mais seletiva; e não toca em políticas de preços administrados e desindexação que poderiam reduzir a inércia inflacionária. Também ficam de fora as medidas do lado da oferta — investimentos em infraestrutura, energia, logística e promoção da concorrência em setores concentrados — que diversos estudos apontam como essenciais para diminuir custos estruturais e aliviar pressões inflacionárias sem apertar ainda mais o crédito.​

A armadilha dos juros altos e o debate sobre o “mix” de política econômica

Economistas vêm alertando que, ao concentrar quase todo o esforço de combate à inflação apenas na Selic, o país empurra o custo do ajuste principalmente para o investimento privado, restringe a oferta de crédito e captura o orçamento público, por meio de um serviço da dívida cada vez mais pesado. Isso limita a capacidade do Estado de investir em áreas que poderiam justamente aumentar a produtividade — infraestrutura, transição energética, digitalização, inovação — e, assim, reduzir a necessidade de juros tão altos para manter os preços sob controle.​

Parte do trabalho hoje atribuído quase exclusivamente ao Copom poderia ser compartilhada com a política fiscal e com um conjunto de medidas estruturais. Isso significa discutir não apenas o tamanho do gasto público, mas sua qualidade; não apenas o nível da Selic, mas a maneira como crédito, renda e oferta são organizados para reduzir pressões de preços sem sufocar o crescimento e o emprego.​

Ao insistir em Selic de 15% e tratar os instrumentos não monetários quase apenas como uma nota de rodapé fiscal, o comunicado de dezembro do Copom ajuda a ancorar expectativas, mas também explicita os limites de um modelo que faz da taxa de juros a única linha de defesa contra a inflação.

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