Em sessão marcada por censura e violência, petistas denunciam autoritarismo do Presidente da Câmara dos Deputados e aliança com a extrema-direita para blindar golpistas
Mais um momento vergonhoso para o Parlamento brasileiro, a sessão desta terça 9 de dezembro gerou um dos momentos mais tumultuados desde a redemocratização, o dia em que a Presidência da Câmara determinou um ataque direto à liberdade de parlamentares e da imprensa. A Polícia Legislativa, sob ordem do presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), arrastou o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) para fora do plenário, agrediu parlamentares e expulsou jornalistas do local, ao mesmo tempo que o sinal da TV Câmara era abruptamente cortado.
A base do governo foi surpreendida antes da sessão com a pauta da semana que incluía a votação da dosimetria das penas dos golpistas, medida vista como uma anistia disfarçada para Bolsonaro e seus aliados, e a cassação de Glauber, colocada lado a lado com a de Carla Zambelli, já condenada criminalmente e presa na Itália.
Autoritarismo na Câmara
O líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (PT-RJ), condenou a conduta do Presidente ao dizer que “Hugo Motta está perdendo as condições de ser presidente da Câmara. A responsabilidade por essa escalada é do presidente da Casa, que tem conduzido os trabalhos de forma temerária, cedendo à extrema-direita e impondo pautas feitas sob medida para reduzir penas de golpistas e blindar deputados que sequestraram a Mesa Diretora”.
O petista denunciou também a gravidade da situação ao avaliar que “a cena desta tarde na Câmara representa uma violação frontal à liberdade parlamentar e de imprensa: um deputado foi retirado à força e jornalistas foram expulsos do Plenário, impedidos de registrar os atos da Presidência, enquanto o sinal da TV Câmara era desligado. É um gesto autoritário, incompatível com a Constituição e que remete imediatamente aos períodos mais sombrios da ditadura militar”.
Parlamentares espancados
O deputado mineiro Rogério Correia (PT-MG), uma das vítimas da conduta violenta, anunciou que medidas jurídicas serão tomadas. “Nós vamos entrar com queixa-crime”. O parlamentar destacou: “Célia Xakriabá [deputada do PSOL] está em cadeira de rodas, machucada, Glauber está numa maca, Dorinaldo Malafaia está ferido”, descreveu o deputado mineiro. Rogério Correia enfatiza que não foi eleito para apanhar de Polícia Legislativa. “Fui eleito para defender o nosso povo, e o faço com dignidade. Não admito que alguém dê ordem para espancar deputado. Vossa Excelência exorbitou das suas prerrogativas”.
Renúncia de Motta
Já o deputado Reimont (PT-RJ), presidente da Comissão de Direitos Humanos na Câmara, confrontou diretamente Motta ao pedir a sua renúncia. “Senhor presidente, tenho 64 anos. Respeito as autoridades, mas, se pudesse lhe dar um conselho, seria este: declare vaga a Presidência da Câmara e convoque novas eleições para ocupar este cargo, porque o senhor já não reúne condições de exercer essa função após os eventos de hoje”.
O parlamentar também cravou: “O Congresso consolida o rótulo de inimigo do povo”. Reimont explicou a truculência vivenciada por quem estava na tribuna quando a Polícia Legislativa entrou no plenário. “O que é dirigir com suprema autoridade? É autorizar que seis deputados sejam agredidos pela Polícia Legislativa? Rasgaram o paletó do Glauber, bateram nele, agrediram Célia Xakriabá, Samia Bomfim, Rogério Correia, Dorinaldo. Enquanto isso, quem ocupou a Mesa por 48 horas não teve punição alguma”, ao fazer referência aos deputados de extrema-direita que foram tratados a ‘pão de ló’, em agosto, quando os mesmos sequestram a Mesa Diretora, sem que Hugo Motta movesse uma palha para retirá-los do local.
Censura e violência
A decana da bancada, deputada Benedita da Silva (PT-RJ), falou com indignação sobre “a maior vergonha já testemunhada neste Parlamento”. A parlamentar pontuou que “segundo o regimento, esta sessão jamais poderia ter prosseguido. Parlamentares saíram machucados, foram afastados com truculência, assim como a imprensa e assessores. É a maior vergonha que um parlamentar pode testemunhar neste país”.
Na mesma linha a deputada Maria do Rosário (PT-RS) denunciou a censura inédita desde a redemocratização. “Sob a responsabilidade de Hugo Motta ocorreu o maior ato de censura e repressão à imprensa desde a redemocratização. Um parlamentar foi arrastado, a TV Câmara teve o sinal suspenso e o plenário foi fechado. Isso jamais havia acontecido. É inaceitável colocar no mesmo dia a cassação injusta de Glauber e a de parlamentares já condenados criminalmente”.
Explícita ruptura democrática, foi como o deputado Alencar Santana (PT-SP) classificou a cena. “A violência praticada contra Glauber foi absurda. Nós que estávamos lá, foi muito triste. Diferentemente daquele episódio que bolsonaristas usurparam a Mesa, Glauber estava apenas conduzindo os trabalhos, e os deputados estavam usando a palavra normalmente, fazendo discursos no grande expediente, momento anterior à abertura da sessão ordinária. Não houve cerceamento de ninguém, ao contrário do período anterior, em que o Parlamento foi, sim, cerceado”.
Jornalistas agredidos
A deputada Erika Kokay (PT-DF) destacou a gravidade da censura: “A imprensa foi expulsa deste plenário, talvez para que o Brasil não assistisse aos atos de violência. A TV Câmara foi suspensa, algo inédito desde a redemocratização. Vossa Excelência se ajoelhou diante dos que ocuparam a Mesa por 48 horas, mas hoje atentou contra o caráter inviolável deste plenário”.
Diante da conduta com jornalistas e profissionais da imprensa, o deputado Bohn Gass (PT-RS) reforçou a revolta: “É inaceitável que a Polícia Legislativa tenha impedido a imprensa de registrar o desastre que foi a violência contra parlamentares. No mesmo dia querem votar anistia para quem cometeu crime. É absurdo”.
Sociedade defende democracia

Na coletiva realizada após ser retirado à força, Glauber Braga (PSOL-RJ) explicou o ocorrido, alegando que “nunca tinha visto cortarem o sinal da TV Câmara para impedir o país de acompanhar o plenário. A ordem foi clara: silenciar quem denuncia o autoritarismo. Rasgaram minha roupa, me jogaram no chão, agrediram colegas. Tudo porque me recusei a aceitar o pacote golpista que querem aprovar”.
E como alertou o líder Lindbergh Farias: “Cabe à sociedade defender a democracia contra esse desvio autoritário conduzido pela atual Presidência da Câmara”.
Elisa Alexandre