O inquérito do fim do mundo… até o fim do mundo

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o polêmico Inquérito das Fake News, aberto em 2019 e sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes, continuará aberto por tempo indeterminado. A informação, confirmada por ministros do tribunal, revela a intenção de manter o instrumento vivo como uma ferramenta permanente para “apurar e combater eventuais novos ataques à Corte, às instituições e à democracia.” Prestes a completar sete anos de existência, essa decisão não é apenas uma nota administrativa; é a consolidação de um mecanismo processual que nasceu sob forte questionamento legal e que se tornou, na prática, uma Jurisdição de Exceção no Brasil.

O cerne da crítica, que este editorial sustenta, reside na alarmante negação dos pilares mais básicos do Direito. Embora o objetivo declarado seja a nobre defesa da democracia, a manutenção de um inquérito sem prazo e sem escopo definido representa a legalização da arbitrariedade. O que torna o Inquérito das Fake News um caso único e perigoso na história jurídica brasileira é a sua profunda desconexão com o devido processo legal. O instrumento que deveria defender o Estado de Direito é, paradoxalmente, a sua maior ameaça. A decisão de mantê-lo por “tempo indeterminado” choca-se frontalmente com a natureza de qualquer investigação criminal, que deve ser finita, sob pena de se tornar uma ferramenta de perseguição e intimidação à disposição do Judiciário. Além disso, o caso nasceu viciado, sem pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) e por iniciativa do próprio STF, que, assim, uniu as funções de investigar, acusar e julgar, em uma ruptura com a praxe legal e constitucional de separação de poderes.

O inquérito ainda sofre com um escopo expansivo e arbitrário. Inicialmente focado em ataques aos ministros, ele se expandiu de forma caótica, absorvendo desde políticos acusados de tramar um golpe de Estado até o Partido da Causa Operária (PCO), de extrema esquerda, por postagens na internet. A ausência de critérios claros para determinar quem entra na mira da Corte transforma a investigação em uma “rede de arrasto” perigosamente seletiva e sem freios.

O fato de este inquérito se arrastar por quase sete anos — e agora com a chancela de ser eterno — é um sintoma de um grave desequilíbrio político. Ao centralizar investigações cruciais, como as decorrentes do 8 de janeiro e a própria trama golpista, o ministro Alexandre de Moraes se tornou um pilar de sustentação da democracia. Contudo, há um risco intrínseco e fatal nessa centralização e permanência: o instrumento de defesa se confunde com o instrumento de poder absoluto. O argumento de que o inquérito é necessário para “proteger a democracia” é a justificativa perfeita para mantê-lo ativo. Mas a verdadeira proteção da democracia se dá pela rigorosa observância das regras, mesmo quando é mais fácil quebrá-las. A avaliação de que, sem este inquérito atípico, o STF não teria tido instrumentos suficientes para enfrentar ataques, apenas reforça a ideia de que a Corte criou uma exceção jurídica permanente para cumprir seu papel.

Se um golpe de Estado é a ruptura da ordem constitucional e das regras do jogo para que um poder se sobreponha aos demais, o inquérito das fake news, em sua forma atual e sua nova permanência, não é apenas uma investigação sobre golpistas; ele é, em si, um inquérito de golpe de Estado contra o devido processo legal e a Constituição. Ao negar o fim, o escopo definido e o rito legal, a Corte cria uma Jurisdição de Exceção que pode ser invocada a qualquer momento, contra qualquer pessoa ou partido, sob a ampla e vaga acusação de “atentar contra as instituições”. O STF precisa demonstrar que defende a democracia não apenas punindo seus inimigos, mas, principalmente, respeitando a Lei que a sustenta. O Inquérito do Fim do Mundo deve ter um fim imediato, ou a excepcionalidade se tornará a regra, corroendo a própria legitimidade da Justiça.

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