Logo depois da COP30, o País viu avançar uma série de decisões que afrouxaram proteções ambientais. O governo do Pará adiou em cinco anos o rastreamento do gado, o Congresso derrubou 56 vetos presidenciais que preservavam partes essenciais da lei de licenciamento ambiental e a bancada ruralista recolocou o marco temporal na pauta para transformá-lo em regra constitucional. Nos salões da conferência, repetiam-se compromissos; fora deles, a vanguarda do atraso se movimentou de imediato.
O primeiro ato foi do anfitrião da COP30, o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), que assinou um decreto empurrando para 31 de dezembro de 2030 o início da identificação individual do rebanho bovino. Durante a conferência, o estado havia sido cobrado a adotar um mecanismo minimamente confiável para controlar a pecuária, principal vetor do desmatamento recente na Amazônia.
Essa cobrança tem um motivo simples: sem rastreamento, a cadeia bovina permite práticas conhecidas como “lavagem de gado”, quando a trajetória real do boi é escondida ao longo da rota.
A “lavagem de gado” não é só registrar um boi ilegal como se fosse de uma fazenda regular. Envolve transferir o animal para propriedades intermediárias e emitir documentos que registram apenas o último endereço, apagando o percurso anterior. É esse tipo de ocultação que o chip evita, porque registra cada movimentação do animal ao longo da cadeia.
Sem o chip, toda a movimentação do gado depende das Guias de Trânsito Animal, formulários que informam somente a fazenda de onde o animal saiu no último transporte. As guias não mostram onde o boi nasceu, onde engordou nem se passou por áreas embargadas. Basta uma mudança de propriedade para que um animal criado em área embargada por desmatamento chegue ao frigorífico com documentação “limpa”.
O Pará tem cerca de 25 milhões de cabeças de gado, mas até julho apenas 0,2% estavam marcadas com brincos eletrônicos. Mais de 90% do desmatamento recente na Amazônia está ligado à abertura de pasto. E, ao longo das últimas décadas, um em cada quatro trabalhadores resgatados de escravidão contemporânea no país estava em fazendas de gado.
A Mighty Earth, organização ambiental internacional que atua pressionando grandes empresas a reduzir emissões e evitar destruição de florestas tropicais, avaliou que adiar por cinco anos o rastreamento amplia o risco de que desmatamento e violações sigam entrando na cadeia bovina sem detecção. Para a entidade, a falta de transparência estrutural é um incentivo direto à continuidade dessa dinâmica.
O decreto de Barbalho pode ser lido também como gesto aos pecuaristas do interior paraense, base decisiva na eleição de 2026, quando o governador deve disputar o Senado ou tentar ser escolhido vice de Lula (PT). O adiamento até 2030 também reduz a pressão sobre sua vice, Hana Ghassan (MDB), lançada como candidata à sucessão.
Enquanto o Pará relaxava controles, o Congresso acelerava alterações na legislação ambiental. Logo após a COP30, parlamentares derrubaram os 56 vetos de Lula à Lei Geral do Licenciamento Ambiental, que ficou conhecida por organizações socioambientais como “PL da Devastação”, e aprovaram uma Medida Provisória criando a chamada Licença Ambiental Especial.
Os vetos derrubados eram os poucos dispositivos que impediam que o licenciamento se transformasse em mera autodeclaração do empreendedor. Sem eles, voltam a possibilidade de autorizações automáticas, redução de estudos prévios e enfraquecimento da fiscalização.
O resultado é que: um sistema antes baseado em análise técnica e condicionantes passa a permitir a aprovação de obras com exame mínimo, perdendo sua capacidade de frear empreendimentos que alteram rios, florestas e territórios inteiros.
A ofensiva não se limitou ao licenciamento. A bancada ruralista reagiu aos anúncios de homologação e avanço de processos de demarcação feitos durante a COP. A resposta veio em três frentes: uma notícia-crime contra Lula e o ministro Ricardo Lewandowski, a reativação da PEC 48/2023, no Senado, e a retomada da PEC 132/2015, na Câmara. Ambas buscam escrever na Constituição que povos indígenas só teriam direito a terras ocupadas exatamente em 5 de outubro de 1988.
Poucos dias depois, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil), marcou para terça-feira (9) a votação da PEC do marco temporal, um dia antes de o Supremo julgar ações sobre o mesmo tema.
Em 2023, o STF havia derrubado a tese. O Congresso respondeu aprovando a Lei 14.701, que a restabeleceu. Lula vetou os pontos centrais. O Parlamento derrubou o veto. Agora, a PEC tenta levar a tese ao texto constitucional para blindá-la de futuras decisões judiciais. Organizações indígenas apontam que isso desconsidera expulsões históricas e deslocamentos forçados, além de restringir um direito que é originário, não datado.
Antes da COP30, o governo federal já havia autorizado a Petrobras a perfurar na Foz do Amazonas, reafirmado apoio à Ferrogrão, ferrovia projetada para escoar grãos do Mato Grosso ao Pará atravessando territórios dos povos Panará, Kayapó e Munduruku, e retomado a defesa da BR-319, estrada que corta um dos trechos mais preservados da Amazônia.
A disputa pelo território amazônico estava colocada antes mesmo da conferência; o pós-COP apenas explicitou suas consequências.
Nos discursos, o Brasil se apresentou como líder da transição verde. Nos atos, mostrou alinhamento com agendas que pedem menos controle e mais espaço para expandir gado, obras e empreendimentos sobre florestas e territórios indígenas. A boiada não esperou a poeira baixar.