O Supremo Tribunal Federal julgará na próxima quarta-feira 10 a constitucionalidade da Lei nº 14.701/2023, que regulamenta os direitos territoriais indígenas. A lei, de outubro de 2023, estabeleceu 5 de outubro de 1988 como marco temporal para a garantia da terra, embora a Corte já tivesse rejeitado essa tese ruralista em um julgamento anterior. Partidos de oposição pediram a declaração de inconstitucionalidade, enquanto outros solicitam o reconhecimento da validade da norma.
Diante do impasse jurídico, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil protocolou uma manifestação pedindo a suspensão integral da lei até o fim do julgamento. A entidade argumenta que os direitos territoriais são originários e preexistentes, e que a nova lei não pode retroagir para anular ou suspender procedimentos demarcatórios já concluídos, sob pena de violar a segurança jurídica e o ato jurídico perfeito. O relator do caso, Gilmar Mendes, ainda não se manifestou sobre esta solicitação.
Para buscar uma solução consensual, o ministro criou uma comissão especial de conciliação, em junho de 2024. Após 23 encontros e a saída da Apib, que alegou conciliação forçada, o colegiado elaborou um anteprojeto de lei para regulamentar o artigo 231 da Constituição. A redação garante o direito à consulta prévia e assegura o isolamento de povos não contatados.
A proposta de consenso também define a participação obrigatória de estados e municípios nos processos de demarcação, garante a legitimidade direta de indígenas e suas organizações para ingressar em juízo, e estabelece que a Justiça Federal é competente para analisar disputas sobre os territórios. Sobre a gestão, permite atividades econômicas e turismo, vedando o arrendamento da terra.
A Apib, contudo, manifestou insatisfação com a minuta da comissão, classificando-a como um “consenso mínimo e parcial”. Sustentou também que a negociação não resolve o problema constitucional de fundo, pois se concentra em aspectos operacionais da lei, sem abordar o cerne do conflito: a inconstitucionalidade do marco temporal.
A Advocacia-Geral da União protocolou no STF o “Plano Transitório para Regularização das Terras Indígenas em Litígio Judicial”, com o objetivo estabelecer um regime de transição para indenização, buscando soluções consensuais e o apaziguamento dos conflitos fundiários em curso. A AGU considera que a iniciativa tem grande potencial para reduzir conflitos antigos e solicitou que o Supremo homologue o plano.
A discussão que o STF enfrentará, portanto, representa um conflito direto entre dois regimes jurídicos sobre as terras indígenas. Enquanto um lado defende o direito originário, apontando a demarcação como um ato meramente declaratório, o outro busca impor o marco temporal de 1988. A Advocacia-Geral da União e a Comissão de Conciliação oferecem uma terceira via, focada na indenização e em uma pretensa pacificação social, buscando reconhecer o direito indígena ao mesmo tempo em que compensa os ocupantes de boa-fé.