O labirinto político de Ciro Gomes

Ciro Gomes. Foto: Divulgação

Publicado no Cafezinho

O Ceará é, possivelmente, a unidade da federação com a dinâmica política mais rica, divertida e surpreendente. Temos diversos atores do estado que têm projeção nacional: Camilo Santana, ministro da Educação; o deputado federal José Guimarães, uma das principais lideranças do PT na Câmara dos Deputados; e senadores influentes, como Cid Gomes. Além dessa figura sempre barulhenta e polêmica, que é Ciro Gomes.

O interesse nacional pelas disputas internas do Ceará ficou provado agora com a intervenção de Michelle Bolsonaro para evitar a aliança entre o PL e Ciro Gomes. Em uma tentativa de construir uma “frente ampla” contra o PT, Ciro vinha costurando um acordo com o PL de Jair Bolsonaro no Ceará. O acordo previa uma chapa com Ciro para governador e o deputado bolsonarista Alcides Fernandes (PL) para o Senado.

A negociação foi “momentaneamente paralisada” após a ex-primeira-dama visitar Fortaleza e desferir duros ataques a Ciro. A crise se aprofundou quando a senadora Damares Alves entrou na jogada. Ela compilou vídeos antigos com declarações de Ciro contra Bolsonaro e postou nas redes sociais com a legenda: “Como apoiar este homem?”.

As declarações passadas de Ciro são, de fato, um fardo pesado. Ele já chamou Bolsonaro de “quase um idiota” e “incompleto imbecil”. Também o acusou de ser “ladrão, picareta, frouxo, covarde, bandido” e até “assassino”, no contexto da pandemia de COVID-19. Sobre a família Bolsonaro, Ciro foi ainda mais longe: afirmou que “o Bolsonaro é ladrão, os filhos são ladrões, as mulheres são todas ladras”, fazendo referência explícita ao depósito de Fabrício Queiroz na conta de Michelle.

Agora, o PL condiciona a retomada da aliança a um gesto público de Ciro. A exigência é clara: um elogio a Bolsonaro, um pedido de desculpas ou uma retratação pelas declarações passadas. Para um político de perfil impetuoso como Ciro, tal ato seria visto como uma humilhação pública.

Aceitar a condição dificultaria enormemente sua participação política futura. Ciro seria incessantemente provocado por jornalistas e adversários a explicar a drástica mudança de postura. Todo repórter que cruzasse seu caminho perguntaria: por que xingava tanto Bolsonaro e hoje é aliado? Rejeitá-la, por outro lado, significa implodir a única aliança de oposição que se desenhava.

O colunista Guálter George, do jornal O Povo, resumiu bem a situação: “Michelle Bolsonaro está submetendo Ciro Gomes a uma humilhação pública que, até então, ninguém houvera conseguido fazê-lo”. George destaca que é difícil explicar por que os ataques de Michelle seguem completamente ignorados por quem não costuma deixar provocação sem resposta. O silêncio de Ciro, mesmo estando em viagem aos Estados Unidos, contrasta radicalmente com seu histórico de político “sem papas na língua”.

O problema não se limita a Ciro. Seu principal aliado, o ex-prefeito Roberto Cláudio (União Brasil), também é atingido pela crise. Roberto Cláudio, que obteve 14,14% dos votos na eleição para governador em 2022, está intimamente ligado ao projeto político de Ciro. A ruptura com os bolsonaristas respingará fatalmente em seus planos políticos futuros.

Um dos aspectos interessantes do Ceará é que ele possui um ecossistema de debate, um ecossistema midiático muito rico, diverso e profissional, independente e que reflete a cultura política do estado. É muito atento aos problemas regionais, tem uma estrutura política organizada, o que é difícil falar sobre outros estados. O meu Estado, o Rio de Janeiro, por exemplo, está muito longe de ter alguma coisa parecida. A cultura política no Rio praticamente não se discute o Estado do Rio, o que é uma pena, e é um dos motivos do atraso e da falta de esperança que marcam o Estado fluminense.

Uma recente pesquisa de intenção de votos para o governo do Ceará em 2026, realizada entre os dias 2 e 3 de dezembro pelo instituto Real Time Big Data, coloca o atual governador Elmano de Freitas (PT) e o ex-ministro Ciro Gomes (PSDB) em um empate técnico e numérico, ambos com 39% da preferência do eleitorado. À primeira vista, o resultado pode sugerir uma disputa acirrada, mas uma análise mais profunda revela um cenário complexo, repleto de contradições e um futuro incerto, especialmente para Ciro.

O bom posicionamento de Ciro na pesquisa pode ser, em grande parte, atribuído ao seu alto recall. Com quatro candidaturas presidenciais no currículo, seu nome é amplamente conhecido em seu estado natal. No entanto, a força de Elmano de Freitas não pode ser subestimada.

O governador do Ceará, Elmano de Freitas. Foto: Divulgação

O governador conta com o apoio de uma máquina robusta. Essa estrutura inclui o presidente Lula, o influente ministro da Educação e ex-governador Camilo Santana, e o recém-eleito prefeito de Fortaleza, Evandro Leitão (PT). Mais crucial ainda, Elmano tem o apoio de cerca de 160 dos 184 prefeitos cearenses, uma base de sustentação municipal que, na tradição do estado, é um fator determinante para a vitória em uma eleição majoritária.

Somado a isso, o governador ostenta uma aprovação de 54% de sua gestão, segundo a mesma pesquisa Real Time Big Data. Esses números revelam uma força que vai além do simples reconhecimento de nome.

Para justificar sua aproximação com a direita, Ciro e seus aliados, como Roberto Cláudio, adotaram a narrativa de que o Ceará estaria sendo “destruído” pela gestão petista. Esse discurso se alinha com a posição do deputado federal André Fernandes (PL), que também critica duramente o governo estadual. Os dados, no entanto, contam uma história diferente.

A economia cearense cresceu 6,49% em 2024, o melhor resultado desde 2010 e quase o dobro da média nacional. O estado atraiu investimentos bilionários nos últimos anos. O mais expressivo é o Data Center de 200 bilhões de reais do TikTok no Complexo do Pecém, cujas obras devem começar ainda em dezembro de 2025, com promessa de gerar mais de 25 mil empregos diretos e indiretos. Há também o novo Polo Automotivo da GM em Horizonte, com investimento de 400 milhões de reais e capacidade inicial de produzir 10 mil veículos eletrificados em 2026.

Na área social, o Ceará atingiu em 2024 o menor índice de desigualdade de sua história. O Índice de Gini caiu para 0,487, ficando abaixo da média nacional de 0,504. Na educação, o estado é o primeiro do Brasil em alfabetização na idade certa, com 85,3% das crianças alfabetizadas, e também lidera em matrículas no ensino fundamental em tempo integral.

O presidente da Assembleia Legislativa, Romeu Aldigueri (PSB), em entrevista ao podcast “As Cunhãs”, conduzida pelas jornalistas Inês Aparecida e Hébely Rebouças, afirmou que Ciro seria “o adversário ideal” em 2026. Segundo ele, a campanha já teria até um slogan: “a humildade contra a arrogância”. Aldigueri também destacou avanços na segurança pública: “nunca se prendeu tanto no Ceará”. Foram presos 1.800 traficantes e apreendidos mais de 100 milhões de reais em bens por meio da asfixiação financeira do crime organizado.

A força do PT no estado é corroborada pelos números eleitorais de 2022. Lula obteve 69,97% dos votos no segundo turno, vencendo em todos os 184 municípios do Ceará. Elmano foi eleito governador com 54% dos votos já no primeiro turno. Em contraste, Ciro amargou apenas 6,8% dos votos para presidente em seu próprio estado, uma queda de 81% em relação a 2018.

A derrota mais simbólica ocorreu em Sobral, seu berço político. Ciro ficou em terceiro lugar com 18,46% dos votos, atrás de Lula (55,46%) e Bolsonaro (24,67%). O próprio Ciro admitiu posteriormente que a derrota em casa foi “a maior de todas as humilhações que já passei”.

Essa confiança do grupo governista se apoia não apenas na força da máquina e na popularidade de Lula. Ela se sustenta também nos indicadores positivos da gestão e no apoio maciço dos prefeitos. Na tradição cearense, é praticamente impossível vencer uma eleição para governador sem o apoio de um bom número de prefeituras, a menos que o governo seja muito mal avaliado. Não é o caso de Elmano.

O cenário para 2026 está desenhado. Ciro Gomes, apesar do recall e do reconhecimento de seu nome, se encontra em uma encruzilhada. Ou se humilha publicamente para garantir uma aliança frágil e contraditória com os bolsonaristas, ou enfrenta, praticamente isolado, a poderosa máquina governista em seu próprio reduto eleitoral. Qualquer que seja sua escolha, o caminho será árduo.

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