O governo do presidente Javier Milei oficializou a privatização de quatro grandes usinas hidrelétricas localizadas na Patagônia, marcando a primeira venda de ativos estratégicos desde o início de seu mandato. As informações foram divulgadas originalmente pela Sputnik Brasil. A operação envolve propostas que somam aproximadamente US$ 685 milhões (cerca de R$ 3,6 bilhões) para a venda das usinas Alicurá, Piedra del Águila, El Chocón-Arroyito e Cerros Colorados, situadas nas províncias de Neuquén e Río Negro.
A iniciativa é considerada pelo governo argentino um marco dentro do programa de desestatizações defendido por Milei, que busca ampliar a participação do setor privado em setores tradicionais da infraestrutura. As hidrelétricas fazem parte do chamado Complexo Comahue, um dos mais relevantes sistemas de energia da América do Sul.
Barragens de Comahue: pilares da matriz energética e reguladores de rios estratégicos
Construídas entre o fim dos anos 1960 e os anos 1990, as quatro usinas formam o coração do sistema hidrelétrico da região. Elas integram o conjunto das chamadas Barragens de Comahue, responsável por abastecer grandes regiões metropolitanas e polos industriais.
Em 2023, a energia hidrelétrica representou quase 25% da capacidade instalada da Argentina, o que reforça a relevância dessas estruturas para a segurança energética nacional. Além da produção de energia, os reservatórios desempenham funções de regulação hídrica dos rios Limay e Neuquén, essenciais para o abastecimento populacional e para atividades econômicas.
O baixo custo operacional das usinas permitiu por décadas que o Estado argentino moderasse tarifas e financiasse subsídios setoriais, especialmente em períodos de instabilidade econômica — cenário que se intensificou com a crise cambial recente e com as reservas líquidas negativas do Banco Central.
No contexto atual, com vencimentos da dívida que ultrapassam US$ 7 bilhões no primeiro trimestre de 2026, a venda é vista pelo governo como um mecanismo rápido para obtenção de dólares, diante da dificuldade de acesso ao financiamento externo prometido anteriormente.
Propostas argentinas superam multinacionais presentes desde o governo Menem
A disputa pelos ativos atraiu tanto empresas nacionais quanto grupos estrangeiros. Entretanto, as melhores propostas vieram de corporações argentinas como Central Puerto, MSU e Grupo Edison, superando multinacionais que administravam os ativos desde as privatizações implementadas no governo Carlos Menem, nos anos 1990.
O ministro da Economia, Luis Caputo, celebrou o resultado e destacou o apetite do setor privado. “Isso reafirma o interesse do setor privado em investir na Argentina quando as regras são claras”, afirmou.
Privatização gera críticas por falta de regulação, avaliação por banco privado e paralisia do TCU
Apesar do anúncio oficial, a venda das hidrelétricas provocou forte reação no Congresso argentino e em órgãos de controle. A Comissão Bicameral de Privatização alertou que o governo ainda não definiu qual será a autoridade reguladora responsável por supervisionar as operações das novas concessionárias. A ausência desse marco regulatório é vista como um risco para a administração futura das redes de energia, transporte e infraestrutura.
Outro ponto de preocupação diz respeito à avaliação dos ativos. O órgão responsável pelo processo, o Tribunal de Avaliação, declarou-se impedido em diversas etapas, transferindo a análise para um banco privado. Parlamentares da oposição classificaram a decisão como um risco à integridade patrimonial do Estado, já que não houve perícia pública independente.
A isso se soma a situação do Tribunal de Contas da União argentino, paralisado desde abril após o fim do mandato de seis dos seus sete auditores. Sem funcionamento regular da corte, não há mecanismo institucional para revisão técnica posterior das privatizações. Diante da lacuna, congressistas discutem elaborar um relatório próprio caso o Executivo siga sem prestar esclarecimentos formais.
Governo amplia plano de desestatizações e mira outras barragens e setores de infraestrutura
A privatização das quatro usinas faz parte de um processo mais amplo. A Casa Rosada já iniciou procedimentos para a venda de outras sete barragens cujas concessões estão próximas do vencimento. O plano também inclui empresas ferroviárias, rodoviárias e de energia, todas listadas na chamada lei omnibus, aprovada em 2024 e que concede amplos poderes ao Executivo para avançar com privatizações.
O presidente Milei defende que a venda de ativos estatais é essencial para “atrair investimentos” e “estabilizar a macroeconomia” até 2026. Integrantes do governo afirmam que o programa reduzirá a necessidade de subsídios públicos e permitirá uma reorganização fiscal em setores considerados deficitários.
Privatizações devem alimentar debate político e judicial nos próximos meses
Analistas consideram que as vendas de ativos estratégicos na área de energia tendem a intensificar o debate político na Argentina, sobretudo em um cenário de volatilidade cambial, inflação elevada e pressões sobre o orçamento. O questionamento à falta de regulação e à ausência de auditorias oficiais indica que a disputa pode chegar aos tribunais, especialmente se novas etapas ocorrerem sem supervisão dos órgãos de controle.
Enquanto isso, investidores e operadores do setor elétrico acompanham atentamente o andamento das próximas privatizações, que devem moldar o futuro da matriz energética do país.