Um dos principais articulistas da ala direita do Partido dos Trabalhadores (PT), Alberto Cantalice, declarou recentemente que “a segurança pública é um direito”. A frase está contida no artigo Segurança Pública: uma inflexão necessária, publicado pelo Brasil 247.
A tese em si é absurda. Quando se fala, por exemplo, que a população brasileira tem direito a uma vida digna, o seu sentido é claro. Significa que, mesmo que uma pessoa seja pobre, ela não deve viver em um palafita pelo simples fato de um banqueiro sugar o orçamento nacional e impedir que ela tenha um salário que satisfaça suas necessidades mais elementares. Esse direito pode ser contemplado de diversas maneiras: construção de habitações populares, expropriações, regulamentação fundiária etc.
O direito à liberdade de expressão implica que o Estado não tem poder de censura sobre a população. Esse direito também pode ser contemplado de maneira bastante clara: basta que não haja qualquer tipo de proibição ou punição diante do que se fala.
Mas o “direito à segurança pública” seria o que, exatamente? Entende-se que seria o direito a não ser assaltado, a não ser assassinado, a não ser sequestrado etc. O problema é que, deste ponto de vista, não há o que o Estado — ao menos não diretamente. Não há como impedir que alguém pegue um revólver e pratique um assalto. A única maneira de evitar que isso aconteça é, na verdade, satisfazendo as necessidades da população e, assim, impedindo uma crise social que leve à criminalidade.
Falar em “direito à segurança pública” é tão abstrato quando falar em “direito de viver em um mundo melhor”. Não significa absolutamente nada, no que diz respeito aos direitos democráticos ou sociais do povo.
Quando Cantalice fala em “direito à segurança pública”, no entanto, ele não está fantasiando com um Estado que consiga impedir a selvageria capitalista e que, portanto, assegure uma sociedade harmônica. Ele está defendendo a existência de um aparato de repressão. Ele está dizendo que o Estado tem o “direito” de constituir uma força para reprimir os setores oprimidos, classificados maliciosamente como “bandidos”.
A existência da polícia nada tem a ver com direito algum. Ela é o oposto do direito: ela garante que o Estado passe por cima dos direitos. Ela, na medida em que possui o monopólio da força, desbarata greves, reprime manifestações, espiona inimigos do regime e aterroriza a população pobre para que esta não se rebele.
A preocupação da esquerda está justamente com o enfraquecimento da polícia. O Estado brasileiro é controlado pelos capitalistas — neste sentido, tudo aquilo que é mais controlado pela burocracia estatal e menos controlado pelo povo é, por definição, controlada pela classe inimiga da população. A eleição presidencial, por exemplo, por mais manipulada que seja, permitiu que, por três vezes, fosse eleito um representante do movimento operário, um líder grevista, que participou de algumas das mobilizações mais importantes da história do País. Já o Supremo Tribunal Federal (STF) nunca teve uma liderança operária entre os seus quadros.
A polícia representa o mesmo tipo de problema. Ela não cumpre função alguma na manutenção da dita “segurança pública” — até porque, como explicamos, ela é produto das condições sociais do País.
É interessante que, no mesmo artigo, Cantalice afirma que “a pauta da segurança pública é a única “bala de prata” que a direita e a extrema direita brasileiras perseguem”. Não é verdade que esta seja a “única ‘bala de prata’” da extrema direita, mas é fato que este setor nada de braçada na disputa com a esquerda pequeno-burguesa sobre o assunto. O motivo para isso é a existência dos Cantalices da esquerda.
Se a esquerda insistir na defesa da repressão, ela, ao mesmo tempo em que fortalecerá a extrema direita, se afastará do povo, pois trata-se de uma política que se choca com os seus verdadeiros interesses. É preciso uma política oposta, democrática, e que esteja preocupada com as causas dos males que atingem a população. É preciso denunciar a ditadura dos bancos, o caráter criminoso e fascista das políticas e lutar pela destruição do aparato repressivo e pela implementação de polícias organizadas nos bairros, controladas pela prpópria população, com seus chefes eleitos.