O papa Leão XIV encerrou nesta terça-feira (2) sua viagem ao Líbano com gestos de memória e denúncia — e aproveitou o voo de volta para enviar um recado público ao governo dos Estados Unidos. No porto de Beirute, onde a explosão de 2020 matou 200 pessoas e permanece sem culpados punidos, o pontífice falou em reconstrução e responsabilidade.
Diante de 150 mil pessoas, segundo o Vaticano, Leão XIV celebrou missa à beira-mar, pedindo que o Líbano volte “ao seu esplendor” após anos de crise. Em uma cerimônia aberta para a cidade e para o Mediterrâneo, reafirmou sua linha de “presença, clareza e negociação” — um cartão de identidade do novo pontificado, que tenta “desarmar corações em um mundo tomado por extremismos”.
Mas foi dentro do avião que mirou diretamente Washington e a retórica belicista de Donald Trump.
‘Quem sofre é o povo, não as autoridades’
Questionado sobre o risco de uma operação militar americana contra a Venezuela, Leão XIV foi categórico: os EUA não devem usar força para derrubar Nicolás Maduro. Rejeitou a escalada militar alimentada por Trump e criticou a mudança constante de sinais vindos da Casa Branca.
“É melhor buscar formas de diálogo, ou talvez de pressão, até pressão econômica”, disse. Ele também criticou a inconsistência de sinais vindos de Washington: “As vozes que vêm dos Estados Unidos mudam com certa frequência”.
A declaração de Leão XIV ocorre após Trump confirmar uma conversa telefônica com Maduro, apesar das ameaças subsequentes de bloqueio aéreo e intervenção terrestre. Dias depois da ligação, Washington designou o chamado “Cartel de Los Soles” como organização terrorista — sem provas divulgadas — acusando Maduro de liderá-lo, medida vista por analistas como pretexto para ações mais agressivas.
Enquanto o governo venezuelano denuncia a acusação como invenção, o clima na região se deteriorou, com companhias aéreas suspendendo voos e o espaço aéreo sob pressão internacional.
“Por um lado há uma ligação, por outro há ameaça de operação”, disse, apontando a imprevisibilidade de um governo que faz da ambiguidade um instrumento estratégico — e perigoso.
Para o Papa, o principal impacto de qualquer aventura militar seria, como sempre, sobre os civis: “Quem sofre mais é o povo, e não as autoridades”.
Trump joga com fogo no Caribe
A crítica do pontífice ocorre num momento em que Trump endurece o tom contra Caracas, ampliando exercícios militares na região, enviando navios de guerra ao Caribe, classificando o “Cartel de Los Soles” como organização terrorista sem apresentar provas e insinuando bloqueios aéreos e até uma operação terrestre.
A conversa telefônica recente entre Trump e Maduro — que o próprio presidente americano descreveu como “nem boa nem ruim” — não trouxe moderação. Ao contrário: aumentou a pressão, a ameaça e a volatilidade.
Analistas veem nessa postura um teatro de intimidação geopolítica que coloca milhões de venezuelanos como reféns de disputas de poder entre Washington e Caracas.
Pontificado nasce entre ruínas e abusos de potências
Em Beirute, Leão XIV celebrou missa diante de 150 mil pessoas, pedindo a reconstrução do país e a pacificação do Oriente Médio. Ao lado do presidente libanês, Joseph Aoun, defendeu o fim das hostilidades e a união até “de inimigos”.
A viagem, marcada por empatia e firmeza, ofereceu um contraponto frontal à política de coerção de Trump: enquanto o Papa tenta desarmar corações e reconstruir pontes, Washington amplia ameaças militares e instabilidade regional.
Diálogo contra o belicismo
Ao terminar sua primeira grande missão internacional, Leão XIV reforçou que mudanças políticas não podem ser impostas “com fogo e ferro”. E, embora admita que pressões econômicas possam ter algum papel, deixou claro que ação militar americana seria uma catástrofe evitável.
Ao concluir a viagem, Leão XIV reforçou que seu pontificado “decola” marcado por gestos simbólicos em lugares feridos. Entre ruínas e esperança, tenta exercer influência moderadora em um ambiente global instável — buscando, antes de tudo, “evitar que se abra mais uma guerra onde já há sofrimento demais”.
O novo pontificado desafia abertamente excessos de potências que tratam conflitos externos como palco para demonstrações de força — denunciando, ainda que nas entrelinhas, o risco que Trump representa para a estabilidade hemisférica.