Para 35% da população da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), o que corresponde a 4 milhões de moradores, o cotidiano é ditado pelo controle ou a influência de grupos armados, especialmente o Comando Vermelho, as milícias e o Terceiro Comando Puro. Em 18 anos (2007 a 2024), a área sob esses tipos de domínio saltou 130% e a população, quase 60%.
Os dados fazem parte do Mapa Histórico dos Grupos Armados 2025 — produzido desde 2018 pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pelo Instituto Fogo Cruzado (IFC) —, divulgado nessa quinta-feira (4).
Segundo o estudo, em 2024, 14% da superfície urbanizada da RMRJ e 29,7% da sua população se encontravam sob controle direto de grupos armados, enquanto outros 4,1% do território e 5,3% dos moradores viviam sob influência.
O controle ocorre quando um grupo armado extrai recursos econômicos de mercados legais ou ilegais no território; dita normas de conduta e padrões de comportamento dos moradores; e sustenta esse arranjo por meio do uso — efetivo ou potencial — da força.
Já a influência é, de acordo com o estudo, uma espécie de controle insuficiente ou intermitente: “as mesmas condições aparecem de forma parcial, irregular no tempo ou com menor densidade, mas ainda assim produzem impacto real na vida das pessoas”.
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Considerando essas diferenças, o Mapa aponta que “o crescimento acumulado na série é expressivo: a área dominada por grupos armados quase dobrou (alta de 98,4% no controle e de 420,1% na influência), enquanto a população sob controle ou influência saltou 59,4% — com especial destaque para a expansão da influência populacional, que cresceu mais de três vezes desde 2007”.
“Esse é o resultado da política de segurança pública do Rio de Janeiro durante muitos anos. Milícias e facções não param de crescer e seu domínio é bem concreto”, explica Cecília Olliveira, diretora do Fogo Cruzado, em vídeo publicado nas redes sociais.
Para ela, “o governador (Cláudio Castro) pode patrocinar mais de uma dezena de chacinas policiais — e ele tem feito isso —, mas a gente sabe, na prática, que nada disso adianta”.
Colonização X conquista
As informações colhidas ao longo das pesquisas mostram, ainda, que o Rio viveu, durante alguns anos, uma fase de “colonização” — quando um grupo criminoso se espraia para áreas não controladas por ninguém — e agora está vivendo um período de “conquista” — a disputa entre essas organizações por uma determinada localidade, o que se dá de forma violenta.
O processo de conquista, diz Cecília, é muito pior para quem vive nesses bairros e comunidades: “o custo social dessa mudança, de colonizar para conquistar, as pessoas sentem no seu dia a dia por meio dos tiroteios e do caos que essas milícias e facções provocam”.
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No que diz respeito à divisão territorial entre esses grupos, o Mapa mostra que o controle ou influência se dá, principalmente, pelo Comando Vermelho (CV), milícias e Terceiro Comando Puro (TCP).
Em termos de extensão territorial, em 2024 o controle e influência territorial era majoritariamente das milícias, com 49,4% de toda área sob domínio armado; porém, em termos de controle consolidado, o domínio é do CV, com 47,5%.
De acordo com os pesquisadores, entre 2007 e 2024, “as milícias foram o grupo que mais ampliou sua presença territorial: a área sob seu controle cresceu 315%, e, quando se considera também a influência, o salto chega a 501%. O CV, por sua vez, avançou de maneira constante, com aumento de 46,4% da área controlada e de 45,1% na soma entre controle e influência”.
Mas, quando a análise é feita considerando a dimensão populacional dos locais sob comando desses grupos, o CV lidera com 47,2%. As milícias, por sua vez, tiveram um aumento de 106% no número de pessoas sob seu controle no mesmo período e de 167% quando considerado o controle e a influência.
De acordo com os dados, no caso da capital do estado, em 2024, 31,6% da superfície urbanizada e 42,4% da população estavam sob controle ou influência de grupos armados, com 22,5% da área e 36,3% dos moradores submetidos a controle efetivo.
Segundo o Mapa, a hegemonia miliciana se concentra, sobretudo, na Zona Oeste, região que responde por 65% do território urbanizado da cidade e 49% de seus habitantes. Lá, quase 90% da área dominada e cerca de 80% da população submetida a grupos armados estão sob o comando de milícias.
A partir de 2020, porém, o relatório identifica um recuo gradual: entre 2020 e 2024, as milícias perderam parte do território e da população que controlavam na Zona Oeste, abrindo espaço para avanços do CV, do TCP e de pequenos remanescentes do Amigos dos Amigos (ADA).
No caso de outras forças presente no território da RMRJ, o estudo aponta que o TCP é a terceira força em expansão, principalmente a partir de 2018, enquanto o ADA é o único com retração consistente.
Violência e desigualdade
O Mapa também reforça a relação entre o controle da população por esses grupos criminosos e a desigualdade social à qual está historicamente submetida.
A renda média dos cidadãos que estão sob o julgo do crime organizado é de R$ 1.267 na capital e de R$ 1.121 na RMRJ. Na ponta oposta, onde não há esse controle, a renda média fica em R$ 3.521 na cidade do Rio e em R$ 1.658 na Região Metropolitana.
Da mesma forma, o recorte racial mostra que os negros estão muito mais à mercê dessa lógica imposta pelas milícias e facções. Enquanto nas áreas controladas os não brancos (o que inclui pretos, pardos e indígenas) somam 69% da população, nas não controladas o percentual é de 55%.
Na divisão “favela x asfalto”, 70% das áreas controladas naquelas comunidades são de não brancos contra 58% nas não controladas. No caso de quem vive no “asfalto” (ou sub-bairros), o percentual é de 64% nas áreas controladas e de 55% nas não controladas.
Conforme destaca o documento, “os problemas associados ao controle territorial armado localizam-se de forma desigual/desproporcional onde residem as pessoas mais pobres e não brancas. O controle territorial, portanto, deve ser compreendido como parte do aprofundamento das dificuldades associadas à pobreza e ao racismo, afetando principalmente os grupos historicamente já vulnerabilizados por essas dinâmicas”.
Cecília agrega que “a violência armada gera desigualdade econômica, educacional e de saúde. Esse é o tamanho do impacto. Quem vive em área com grupo armado não tem apenas que pagar mais caro pelo gás e pela água ou depender dos transportes que esses grupos controlam. Quem vive em área de milícia e facção frequenta menos a escola, ganha menos e tem seu acesso aos serviços de saúde prejudicado. São, portanto, pessoas impedidas de melhorarem de vida”.