Não há alternativa: em 2026, o Brasil terá de escolher, de novo, entre Lula e Bolsonaro
Por Marcelo Zero*
Muitos, na grande imprensa, fingem que há, política e eleitoralmente, uma terceira via, uma opção entre Lula e Bolsonaro. Entre soberania e democracia e entreguismo e autocracia.
Não há.
Tarcísio, Zema, Caiado etc. não são alternativas ao bolsonarismo. São simplesmente o bolsonarismo sem Bolsonaro, como o governador de São Paulo já deixou abundantemente claro. Esses fantoches só serão viáveis se forem o “candidato do Bolsonaro”.
Tal balizamento já foi dado pelas circunstâncias políticas nacionais e pelos imperativos geopolíticos do Império.
O Império, dominado pelo Maga e por Trump, isto é, pela extrema-direita, tem uma agenda cristalina para o Brasil. O governo Lula precisa cair e ser substituído por alguém da extrema-direita brasileira, associado intimamente ao bolsonarismo.
No campo nacional, o poder econômico, a Faria Lima, também quer, majoritariamente, a mesma coisa.
O bolsonarismo é a forma política que o neoliberalismo tardio assumiu no Brasil.
Em nosso país, bolsonarismo e neoliberalismo se tornaram interdependentes. São, na realidade, irmãos siameses.
Esse é um fenômeno que se repete, com nuances, no cenário mundial.
É preciso considerar que a implantação progressiva do chamado modelo neoliberal reverteu, em maior ou menor grau, o progresso social e político feito ao longo do pós-guerra, no qual a socialdemocracia consolidou o Estado do Bem-Estar e produziu crescimento econômico com redução das desigualdades, eliminação da pobreza e oferta de serviços públicos gratuitos.
O grande crescimento das desigualdades, a erosão do Estado de Bem-Estar, a redução da participação dos salários no PIB, a extinção progressiva dos direitos trabalhistas e sociais, o desemprego estrutural, o crescimento das formas de trabalho com baixa proteção, a ausência de oportunidades, a reversão da expectativa de que as novas gerações teriam uma vida melhor que as anteriores etc. minaram as classes médias e os pilares sociais de uma democracia estável e substantiva.
Não é segredo para ninguém que há uma crise geral das democracias e dos sistemas de representação política, fortemente golpeados pelas desigualdades ocasionadas pelas políticas neoliberais. Como fica evidente em obras como a de Piketty, o padrão de acumulação capitalista predominante a partir das décadas de 1970 e 1980 do século XX parece cada vez mais incompatível com a democracia.
A incompatibilidade entre democracia, no sentido amplo, e o neoliberalismo tardio e fracassado é algo que parece bastante evidente.
O trumpismo, contudo, me parece ser um modelo híbrido e único. É que o capitalismo estadunidense está fazendo uma transição, um tanto confusa e contraditória, entre liberalismo clássico e o que Yanis Varoufakis chama de tecnofeudalismo.
De fato, as Big Techs dos EUA movem-se por uma lógica própria, que prescinde de alguns elementos do liberalismo econômico ou do neoliberalismo tardio.
A “Cloud Rent” pode conviver, por exemplo, com o protecionismo comercial. Não pode conviver, porém, com o controle e limites legais da mal -chamada “liberdade de expressão”.
E os EUA precisam manter o monopólio da Cloud Rent. Não existe apenas a migração da renda de países, empresas e de pessoas para o dólar e os treasuries estadunidenses. Há também, de forma cada vez mais intensa, a migração dessas rendas para as Big Techs. Esse Leviatã econômico dos EUA consumirá, em 2026, mais energia elétrica que todo o Japão.
O Brasil foi punido por Trump não apenas por condenar Bolsonaro. A bem da verdade, a preocupação maior é com o controle das Big Techs, a atual ponta-de-lança do capitalismo estadunidense e instrumento central de controle político de Washington.
Mas esse é um tema para outro e longo artigo.
O fato a ser destacado, é que, do ponto de vista geopolítico, o Império vem investindo pesadamente no enfraquecimento de Lula, da democracia e da soberania, de forma a, como diz candidamente Pete Hegseth, “recuperar o quintal”.
O controle do Brasil é, obviamente, fundamental para proceder a tal recuperação, enfraquecer o BRICS, solapar as instituições multilaterais e conter a China e a ascensão do Sul Global como um todo. E o Brasil também precisa ser controlado para não controlar as Big Techs.
Todos esses fatores, internos e externos, combinam-se para tornar uma terceira via no Brasil uma miragem política vã.
Portanto, assim como em 2022, as eleições de 2026 anteporão aqueles que defendem a democracia, a soberania e a justiça social e aqueles que defendem o entreguismo, a autocracia e aquele plano econômico que têm como pilares fundamentais a desigualdade, o Estado inoperante e o “Fazendão”.
As eleições de 2026 anteporão, de forma clara, a bandeira brasileira, a bandeira da democracia, da soberania e do povo brasileiro, e a bandeira estadunidense, a bandeira dos traidores, a bandeira dos que querem apequenar o Brasil e arruinar sua democracia.
O golpe continua.
*Marcelo Zero é sociólogo e especialista em Relações Internacionais.
Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.
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