
Versos sobre o assassinato de um gari
por Bruno Mateus
O gari Laudemir de Souza Fernandes tinha 44 anos
quando saiu de sua casa para mais um dia de trabalho
por volta das nove horas da manhã do dia onze de agosto
no bairro Vista Alegre, zona Oeste de Belo Horizonte
Laudemir foi atingido por um tiro de pistola calibre .380
a bala rápida e quente parou perto das costelas
Laudemir se contorceu e caiu ao virar a esquina
‘acertou em mim’ foram suas últimas palavras
levado ao Hospital Santa Rita ele fechou os olhos
“Mas vocês que filosofam a desgraça
e que criticam os medos todos
afastem esse pano do rosto
agora não é hora dessas lágrimas”
Renê da Silva Nogueira Júnior tinha 47 anos
quando saiu de casa com seu carro elétrico de cor cinza
e assassinou Laudemir de Souza Fernandes
na esquina das ruas Jequitibá e Modestina de Souza
Renê sacou a pistola calibre .380 de sua esposa delegada
primeiro ameaçou a motorista do caminhão de limpeza
com o olho cheio de fúria disse ‘vou atirar na sua cara’
mas mirou mesmo contra Laudemir e simplesmente disparou
então sentiu a mão tremer e acelerou o carro em fuga
“Mas vocês que filosofam a desgraça
e que criticam os medos todos
afastem esse pano do rosto
agora não é hora dessas lágrimas”
Laudemir de Souza Fernandes tinha um grande coração
nunca faltou ao trabalho em sete anos e onze meses
limpando o lixo de homens como Renê, como eu e você
nunca se sentou à mesa com pessoas importantes
nem tomou decisões em reuniões de negócios
todos os dias voltava para casa com saudade das filhas
Laudemir só queria que elas tivessem o que ele não teve
mas foi assassinado por Renê da Silva Nogueira Júnior
numa manhã de segunda-feira enquanto trabalhava
“Mas vocês que filosofam a desgraça
e que criticam os medos todos
afastem esse pano do rosto
agora não é hora dessas lágrimas”
Renê da Silva Nogueira Júnior tem fascínio por armas
e com uma delas atirou brutalmente em Laudemir
depois foi passear tranquilamente com seus cachorros
e numa academia de alto padrão foi preso pelo crime
no currículo ele diz ter experiência internacional
nas manchetes a imprensa o chama de empresário
no fim das contas ele não é nada do que diz ser
Renê é um assassino confesso e agora dorme
a 44 km de Belo Horizonte no Presídio de Caeté
“Mas vocês que filosofam a desgraça
e que criticam os medos todos
afastem esse pano do rosto
agora não é hora dessas lágrimas”
Renê tem conexões na polícia e tentou se livrar
e perguntou a um coronel: “Pode me ajudar?”
Laudemir só queria voltar para casa e descansar
mas sua família chorou quando o caixão desceu
e sob o sol da manhã clamou pela justiça do Senhor
Essa é a história do gari Laudemir de Souza Fernandes
e do assassino Renê da Silva Nogueira Júnior
Renê está encarcerado e um dia sairá da prisão
Mas Laudemir nunca mais vai olhar as estrelas no céu
“Ah, mas vocês que filosofam a desgraça
e que criticam os medos todos
enfiem bem esse pano no rosto
pois agora é hora dessas lágrimas”(*)
(*) Os trechos entre aspas foram retirados da canção “The Lonesome Death Of Hattie Carroll”, de Bob Dylan, lançada no disco “The Times They Are a-Changin’”, de 1964.
Bruno Mateus é jornalista de Belo Horizonte, pai da Amora e interessado pelo extraordinário das coisas comuns.
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