A primeira vez que ouvi Breno Ruiz foi há mais de 15 anos. Acho que foi a cantora Ilana Volkov que o trouxe, para um dos saraus no meu apartamento.
No início fui abusado. O governo de Minas Gerais me convidou a apresentar-me musicalmente na inauguração de uma casa de Minas Gerais. Tinha composto uma Congada e pedi para o Breno interpretar.
Escrevi na época:
Breno Ruiz veio diretamente dos anos 20 para os tempos modernos. Era descendente direto da mais bela manifestação cultural brasileira, a canção, que começa com Carlos Gomes e Villa Lobos, nos anos 30 gera Valdemar Henrique, Joubert de Carvalho e outros, até se encerrar com Tom Jobim pré-bossa nova. Aliás, as canções de Jobim com Vinicius, em minha opinião, são as mais belas de seu repertório.
O que chamava a atenção no jovem que chegava a São Paulo era a figura esguia, ascética, um piano maravilhoso, uma voz dramática e canções que pareciam provir do fundos dos tempos.
Breno já havia sido descoberto por Paulo César Pinheiro, o mais profícuo letrista e o maior descobridor de talentos melódicos da história da música brasileira. As músicas de Breno navegavam entre sereias, bichos do mato, caipiras, temas negros.
Breno não parou de reinventar o passado. Sua última aventura é a peça “Pequenas Impressões Sobre o Caos”, uma parceria para uma peça de teatro com Roberto Didio que já gerou um disco onde seu piano faz duo com o violão majestoso de João Camarero.
Desta vez, Breno deixa as canções brasileiras e vai beber nas águas de Kurt Weill, o notável compositor das peças de Bertold Brecht.
De certo modo, revisita parte da história da MPB, do Teatro Oficina, de “Roda Viva” e “Grande Circo Místico”, de Chico Buarque e Edu Lobo.
De uma família judaica alemã, Kurt Weill nasceu em Dassau, Alemanha, em 1900. O pai era cantor de uma sinagoga. Seu estilo foi do modernismo europeu ao musical estadunidense, usando a música como crítica social, mistuyrando elementos eruditos e populares, cabarés, operetas.
Sua obra mais famosa foi a “Ópera dos Três Vintens”.
Na ópera, sua música mais coinhecida foi a imortal “Mack The Knife”, gravada pelos maiores intérpetes da época, como Ella Fitzgerald.
E que mereceu uma gravação fantástica de Elza Soares, de 1960, com versão portuguesa do grande Alberto Ribeiro.
por Ansembly Dixxieland.
No Brasil, Kurt Weill mereceu um LP belíssimo, interpretado por Cida Moreira.
E outro, por Suzana Salles.
É nesse universo denso, em que a música é um elemento a mais para satirizar e passar recados de impacto, que Breno Ruiz aportou seu barco, filho direto da pandemia do Covid, com ele observando, da janela do quarto, as habitações improvisadas na praça, nas imediações da rua Santa Isabel, com, vista para as barracas montadas no Campos Elíseos.
O piano é elemento central, indissociável, fornecendo a estrutura rítmica, uma avenida cheia de sobressaltos, onde transita o violão de Camarero.
Vai do lirismo de “Desacalanta”, à “Semafórica”, valsa tipicamente Weilliana, na brechtiana “Campos Elíseos”, com falas e coros revezando-se com acordes soltos, ao impacto de “Dona Tereza”, o sotaque do frevo rancho “Camelódromo”,
O disco foi lançado sem alarde, enquanto os autores aguardavam a oportunidade para montar a peça. Agora, está aberto ao distinto público, um grito dos desassistidos, similar ao de Brecht-Weill nas vésperas da grande hecatombe.