
Audiência pública sobre a Ferrovia Malha Oeste
por José Manoel Ferreira Gonçalves
Um eixo que redefine fronteiras
A cidade de Mairinque, em São Paulo, guarda um simbolismo especial. Foi ali que nasceu a Ferrovia Malha Oeste, hoje no centro de um debate que ultrapassa limites regionais e ganha caráter nacional. A audiência pública convocada para tratar da relicitação da linha entre Mairinque e Corumbá (MS) busca não apenas reativar trilhos abandonados, mas recolocar o Brasil em rota com o futuro. A ferrovia, se recuperada, pode conectar o Centro-Oeste ao Sudeste, reduzir custos logísticos e abrir caminho para a integração com a rota bioceânica rumo à Ásia.
Ferrovia Malha Oeste Estratégica
O abandono da linha pela atual concessionária deixou marcas profundas. Dos cerca de 2 mil quilômetros originais, apenas 70 seguem em operação. Os demais trilhos se deterioram, pátios ferroviários viraram ruínas e milhares de empregos desapareceram. Enquanto isso, o transporte rodoviário absorveu a carga, sobrecarregando estradas já congestionadas, elevando custos e ampliando impactos ambientais. Esse quadro revela a gravidade de uma concessão que falhou em cumprir suas obrigações. O prejuízo estimado ao Estado brasileiro, considerando quilômetros abandonados e valores de reposição por faixa de trilho, alcança cifras bilionárias, entre 30 e 40 bilhões de reais.
Potencial de investimentos e crescimento
Apesar da herança negativa, o processo de relicitação abre espaço para reverter essa realidade. Estudos do governo federal apontam para um potencial de R$ 15 bilhões em investimentos ao longo do trecho. Esses recursos se destinam não apenas à modernização da linha, mas também à construção de novos terminais, recuperação de pátios e revitalização de cidades cortadas pela ferrovia. O Mato Grosso do Sul, grande produtor agrícola, figura como o principal beneficiado, com a possibilidade de escoar sua safra de maneira mais competitiva até os portos do Sudeste.
Corredor logístico e integração nacional
A retomada da Malha Oeste se insere em um contexto de reposicionamento da matriz de transportes brasileira. Hoje, mais de 60% da carga circula por rodovias, um modelo caro, poluente e concentrador. A ferrovia traz a chance de reequilibrar essa matriz, ampliando a eficiência do sistema e reduzindo impactos sociais e ambientais. Além disso, ao se conectar à rota bioceânica, que ligará o Brasil ao Oceano Pacífico, o eixo Mairinque-Corumbá se transforma em porta de acesso à Ásia, maior mercado consumidor global. Essa perspectiva reforça a relevância estratégica da audiência pública em Mairinque e da mobilização popular e institucional em torno do tema.
A hora da decisão política
O Tribunal de Contas da União já reconheceu a necessidade de relicitar o trecho e abriu espaço para um novo marco regulatório. Agora, cabe ao governo federal conduzir o processo com transparência, exigindo compromissos firmes de investimento. Governos estaduais de São Paulo e Mato Grosso do Sul demonstram apoio, mas a pressão da sociedade civil organizada será crucial para garantir que a ferrovia não volte a ser esquecida. A Malha Oeste não é apenas um corredor de cargas; ela representa desenvolvimento regional, geração de empregos e um passo concreto na direção de uma logística mais eficiente e menos onerosa para o país.
O futuro sobre trilhos
A reativação da Ferrovia Malha Oeste, que une Mairinque a Corumbá, pode se tornar um divisor de águas na infraestrutura brasileira. O projeto carrega em si a possibilidade de recuperar patrimônio público abandonado, atrair investimentos privados e integrar o Brasil de forma mais competitiva ao comércio internacional. Mais do que uma questão técnica, trata-se de uma decisão política que definirá se o país continuará prisioneiro de uma matriz rodoviária ineficiente ou se avançará rumo a um modelo moderno, sustentável e integrado. O momento é de escolher o futuro — e ele deve ser sobre trilhos.
José Manoel é pós-doutor em Engenharia, jornalista, escritor e advogado, com uma destacada trajetória na defesa de áreas cruciais como transporte, sustentabilidade, habitação, educação, saúde, assistência social, meio ambiente e segurança pública. Ele é o fundador e presidente da FerroFrente e da Associação Água Viva. Em 2018, fundou e passou a coordenar o Movimento Engenheiros pela Democracia (EPD), criado a partir da convicção de que a engenharia, como base material do desenvolvimento nacional, deve estar a serviço da democracia, da ética e da justiça social.
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