Tempestade em um Copo de Drones
Por Marcelo Zero*
A Europa, que perdeu o patrocínio econômico e geopolítico dos EUA, anda muito nervosa. Mais que de costume.
Parece ter perdido de vista a compostura aconselhada a uma velha senhora e o sábio conselho de um americano, Thomas Jefferson, que disse: Se raivoso, conte até 10 antes de falar. Se muito zangado, conte até 100.
Pois bem, a Europa não contou nem até 1, ao reagir, de modo insopitável e intempestivo, ao suposto “ataque de drones” feito pela Rússia contra a Polônia.
Ora, em primeiro lugar, não houve ataque nenhum. Ninguém morreu, ninguém se feriu e o único dano material foi na casa de um certo Sr. Wesolowski, atingida acidentalmente pelos destroços de um drone abatido pela força aérea da Polônia.
Os poucos drones (19, se tanto) que penetraram acidentalmente no território polonês eram drones de vigilância. Não eram drones de ataque. Não continham explosivos.
O cenário mais provável é que esses drones tenham se desviado do seu alvo original, o Norte da Ucrânia, devido a um electrical jamming, a que frequentemente são submetidos.
A Polônia, no entanto, saiu correndo invocando o artigo 4º do Tratado da Otan, aquele que precede a invocação do famoso artigo 5º, o qual prevê que uma agressão a um membro da Otan é uma agressão a todos os membros da Otan, o que exigiria, portanto, uma intervenção militar aberta dessa organização na Rússia e em Belarus. Um delírio perigoso.
A Polônia também pediu uma reunião do Conselho de Segurança da ONU para tratar do assunto.
Isso é um total absurdo.
Ao contrário da narrativa paranoica e irracional que hoje predomina na Europa, a Rússia não tem a menor intenção, e nem condições, de invadir a Polônia ou qualquer outro país europeu.
A intenção da Rússia é terminar logo a guerra na Ucrânia, obtendo a posse do Donbas e de outros oblasts de maioria russófona, e assegurando a neutralidade do território daquele país. Já tem problemas de sobra com isso. Sua geoestratégia é claramente defensiva.
Ademais, se quisesse atacar, a Rússia teria feito um ataque de fato. Não uma pantomima sem nenhum sentido militar.
Ressalte-se que a paranoia russofóbica da Europa não tem base histórica alguma.
Ao contrário das lendas geopolíticas, foi a Rússia que sofreu muitas invasões e agressões vindas do Oeste.
Já em 1240, após uma invasão mongol, vinda do Leste, claro, a Rússia foi novamente invadida pelos Cavaleiros Teutônicos, o quais foram derrotados por Alexandre Nevski, imortalizado no filme de Eisenstein.
Em 1654, uma união de poloneses e lituanos voltou a invadir a Rússia.
Em 1708, houve a invasão do Reino Sueco, também repelida.
Em 1812, ocorreu a invasão napoleônica, que chegou até Moscou, queimada pelos próprios moscovitas, para não ser dominada pelas forças francesas.
Já em 1941, a então União Soviética foi invadida por Hitler, o que gerou um dos piores conflitos da história, que ocasionou a morte de 27 milhões de cidadãos e cidadãs soviéticos. O país foi simplesmente arrasado.
Observe-se que a União Soviética só dominou o Leste europeu, por algumas décadas, por mero reflexo dessa última guerra.
A paranoia, então, teria de estar do lado da Rússia; não do lado da Europa, a qual, junto com os EUA, expandiu, sem nenhum motivo racional, a Otan até as fronteiras russas.
Putin, no início deste século, queria aproximar a Rússia à Europa e até mesmo cogitou em colocar seu país na Otan. O Ocidente, contudo, preferiu a hostilidade e a permanente procura pelo enfraquecimento da Rússia, tal como já tinha recomendado Zbigniew Brzezinski, na década de 1990, na sua obra “O Grande Tabuleiro de Xadrez.
O Sr. Wesolowski tem razão em estar nervoso. A Europa não.
Que tome um calmante e pare de ameaçar o mundo com um novo conflito global, por causa de alguns drones que perderam o rumo.
A Europa é que está precisando de rumo geopolítico próprio, depois do pontapé trumpista.
*Marcelo Zero é sociólogo e especialista em Relações Internacionais.