Não há como saber quantas pessoas foram censuradas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nos últimos anos. “Qualquer órgão público tem dever de informar a prática de atos que atingem a esfera jurídica das pessoas, especialmente quando esses constituem censura. O dever de informar é exercício do direito fundamental de defesa. A circunstância de o STF não informar e não atender aos reclamos da imprensa constitui algo abominável”, criticou Luiz Guilherme Marinoni, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e pós-doutor em Direitos na Universidade Estatal de Milão e na Columbia Law School, em relação ao pedido do Gazeta do Povo feito aproximadamente há um mês, a respeito do número de pessoas bloqueadas nas redes, que não foram atendidas, nem pelos canais destinados para a imprensa, nem pelo sistema da Lei de Acesso à Informação (LAI).
Em março de 2019, o presidente do STF, à época, Dias Toffoli, iniciou o Inquérito 4.781 – relacionado às “fake News”, apelidado de “inquérito do fim do mundo” – entregando a relatoria ao ministro Alexandre de Moraes. No mês seguinte, em uma reportagem da revista Crusoé, que identificava Toffoli como um “amigo do amigo de meu pai”, mencionado em um documento da operação Lava Jato e que foi censurado. Iniciando um processo de escalada de censura no país a partir desta revelação, com contas de jornalistas, influenciadores, parlamentares e cidadãos comuns bloqueados nas redes sociais. O próprio STF é vítima e é impedido de realizar entrevista; veículos de comunicação são censurados previamente; críticos do STF se tornam alvo de perseguição judicial.
Na resposta ao pedido realizado por meio da LAI sobre o total de perfis bloqueados, a Ouvidoria do STF declarou não ter dados consolidados sobre essas ações e indicou que poderíamos fazer buscas por palavras-chave na página de pesquisa de jurisprudência do STF. Os números totais nunca foram divulgados oficialmente pelo Judiciário brasileiro.
Também foi enviado para o Gazeta do Povo uma lista de processos públicos que tiveram decisões proferidas a partir de 2019, baseadas nos seguintes termos “redes sociais”, “Twitter”, “Facebook”, “Instagram” ou “YouTube”. Ocorrendo a maior parte da censura praticada desde 2019, a partir de processos sigilosos. Muitos dos processos relacionados à censura não estão disponíveis nesses bancos de dados públicos, e na pesquisa indicada, não há como chegar ao total real dos casos de perfis bloqueados.
Atualmente sabe-se que vários perfis foram suspensos pelo Judiciário brasileiro apenas com relatórios produzidos pela plataforma X (antigo Twitter), com base em reportagens e decisões judiciais de depoimentos de vítimas, deduz-se que não há dados confiáveis, com os números de censurados podendo alcançar os milhares. Em entrevista ao sítio do Gazeta do Povo, Eduardo Tagliaferro, ex-assessor de Alexandre de Moraes, citou uma pesquisa feita no gabinete, quando esteve trabalhando no TSE, chegando aproximadamente a quatro mil perfis suspensos por decisões do STF, em uma contagem imprecisa, afirmando poder ser maior o número de vítimas.
Para Maíra Miranda, doutora em Direitos Humanos pela Universidade de Salamanca, há clara violação ao princípio de publicidade e à exigência de transparência nos diversos inquéritos desde 2019. Explica que as decisões judiciais devem ser públicas e que o sigilo só pode ser adotado em situações excepcionais, ainda mais quando envolvem restrições aos direitos fundamentais como a liberdade de expressão, que são de interesse público. Como o Gazeta do Povo fez solicitação formal de informações, o Supremo tem o dever de responder justificando eventual negativa. Mesmo que se admita a legalidade do sigilo em alguns casos, a Resolução 215/2015 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), determina que as informações, como a existência dos processos, sua identificação e o nome das partes não podem ser ocultadas de forma definitiva.
O sigilo processual visa o público geral, não para os envolvidos no processo. Os atos secretos são vedados pela constituição, também não há como medir o impacto da autocensura, com repórteres relatando a dificuldade para conversar abertamente com fontes, especialmente juristas, que evitam comentar as ações do poder judiciário, por medo de represália. Mesmo os que se manifestam publicamente, escolhem com cautela as palavras, conscientes de que criticar a atuação da Corte pode custar caro.
Tornou-se uma expressão de ministros do STF, nos últimos anos a ideia de que a liberdade de expressão tem limites, devendo ceder sempre que houver risco às instituições democráticas. Para Pedro Moreira, doutor em Filosofia do Direito pela Universidad Autónoma de Madri, “o risco de banalizar os limites da liberdade de expressão é o risco de viver em uma sociedade cerceada e administrada”, questionando este papel institucional do poder judiciário.