
A atitude do Ministro Luiz Fux, em seu voto no julgamento da conspiração de 8 de janeiro, não foi apenas uma tentativa de passar pano ao bolsonarismo. Foi um gesto com implicações profundas, que pode ser interpretado como um movimento de alinhamento com forças políticas e ideológicas que ameaçam a soberania nacional e a estabilidade democrática.
O voto e suas contradições
As impressões digitais de um juiz estão nas suas sentenças. Mudanças bruscas de entendimento exigem justificativas técnicas e, idealmente, autocríticas. No caso de Fux, sua longa peroração não trouxe nem uma coisa nem outra. Desdisse o que havia afirmado há pouco tempo, dentro do mesmo julgamento, sem oferecer fundamentos sólidos para a guinada.
Essa mudança não é trivial. Ela ocorre em um momento de crescente tensão institucional, em que o Supremo Tribunal Federal tem sido um dos últimos bastiões da legalidade diante das investidas autoritárias. Ao questionar a competência do STF para julgar os réus dos atos golpistas, Fux não apenas fragiliza a Corte, mas também legitima narrativas que buscam relativizar a gravidade do ataque de 8 de janeiro.
Impacto político interno
O voto de Fux foi celebrado por setores bolsonaristas como um sinal de que ainda há espaço para suas pautas dentro das instituições. Isso fortalece a extrema-direita, que busca reabilitação política e jurídica após os eventos golpistas. Ao mesmo tempo, gera perplexidade entre ministros do STF e juristas, que vêem na mudança de posição uma ameaça à coerência e à segurança jurídica.
No plano partidário, o PT e outros setores da esquerda acusam Fux de traição à democracia. A polarização se intensifica, e o voto se torna combustível para disputas narrativas que podem influenciar as eleições municipais e, posteriormente, a sucessão presidencial.
Impacto político externo
Mais preocupante ainda é o impacto internacional. O voto de Fux ocorre em um contexto de radicalização política nos Estados Unidos, onde o trumpismo busca consolidar uma nova doutrina de intervenção externa, baseada na criação de inimigos comuns.
Nas últimas décadas, a ultra financeirização produziu uma enorme concentração de renda nos Estados Unidos, e um aumento da miséria. Em 2023, cerca de 13,5% das famílias enfrentavam insegurança alimentar, correspondendo a 18 milhões de lares afetados. 47,4 milhões de pessoas viviam em domicílios com insegurança alimentar. Os preços dos alimentos subiram 28% desde 2019. A insegurança aumenta nas famílias negras, latinas e em áreas rurais e o quadro piorou com o desmonte de políticas emergenciais e com a falta de perspectivas até para a juventude escolarizada.
Nessas circunstâncias, a maneira de manter o poder é a criação do inimigo comum. De início, o “inimigo interno”, as minorias latinas especialmente. Mas esse recurso não enche a barriga de ninguém, nem será suficiente para compensar a frustração com o governo Trump, à medida que o tempo passa e a situação não melhora. Mesmo contando com o apoio poderoso dos algoritmos das redes sociais.
O expediente adotado, então, passa a ser a busca de inimigos externos. E o Brasil tornou-se o prato predileto por várias razões. Primeiro, por sua posição de liderança no Sul Global, e no fortalecimento dos BRICS. Depois, por seu papel na América Latina. Finalmente, pelo fato de não ser uma ameaça aos Estados Unidos, nem no campo comercial, nem no campo militar.
A legitimação interna de narrativas golpistas — agora com o respaldo de um ministro do STF — pode ser usada como justificativa para pressões diplomáticas, sanções ou até mesmo ameaças veladas de intervenção. A imagem de Bolsonaro batendo continência à bandeira americana e de Tarcísio de Freitas vestindo o chapéu do MAGA não são apenas folclore político: são sinais de alinhamento ideológico que podem ser explorados por forças externas.
Conclusão
O tempo revelará com mais clareza as motivações de Luiz Fux. Mas o impacto de seu voto já é sentido: ele enfraquece o STF, fortalece o bolsonarismo, aprofunda a polarização interna e abre brechas para ingerência externa. Em um momento de fragilidade democrática global, esse gesto não pode ser visto como mera divergência jurídica. É, sim, um autêntico crime de lesa-pátria.
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