Fux cita Mensalão como exemplo mas também esquece que votou contra naquele caso

Ministro cita o caso para afastar a acusação de organização criminosa na trama golpista

Por Cleber Lourenço, no ICL

O ministro Luiz Fux voltou a recorrer ao julgamento do Mensalão (Ação Penal 470) para fundamentar seu voto no processo que apura a tentativa de golpe de Estado. A menção, entretanto, escancara uma contradição de peso em sua trajetória dentro do Supremo Tribunal Federal.

Em 2014, no julgamento dos embargos infringentes que revisaram parte das condenações do Mensalão, Fux votou para manter a condenação de José Dirceu e outros réus por formação de quadrilha. Agora, diante da acusação de organização criminosa contra Jair Bolsonaro e seus aliados, utiliza o mesmo precedente para afastar esse crime do caso, sustentando que não há elementos típicos de uma organização criminosa.

Ao lembrar que STF não viu crime de formação de quadrilha no caso do mensalão, o ministro afirmou: “No julgamento do caso denominado mensalão, este tribunal concluiu, com maioria, que a reunião de vários agentes voltados à prática, permanente e reiterada, de crimes de corrupção ativa, corrupção passiva, lavagem de dinheiro e crimes contra o sistema financeiro nacional não preencheria elementar típica concernente à série indeterminada de crimes, razão pela qual os réus foram absolvidos dessa imputação de formação de quadrilha”.

Na época do Mensalão, Fux argumentou que o vínculo entre os agentes políticos, operadores financeiros e outros envolvidos não era episódico. Para ele, havia um elo duradouro e estável que demonstrava algo além da simples coautoria. Em seu voto, destacou que a divisão de tarefas e a estrutura de funcionamento apresentada pelos réus era clara e direcionada à prática reiterada de crimes, o que configuraria quadrilha.

Apesar de seu posicionamento, foi voto vencido: a maioria do Supremo absolveu os réus dessa acusação, limitando-se a manter as condenações por corrupção ativa, passiva e lavagem de dinheiro. “Houve uma convergência de vontades com divisão de tarefas voltadas à prática criminosa”, registrou em seu voto escrito, defendendo a existência do crime de quadrilha.

Sala de julgamentos da Primeira Turma do STF

Fux: condutas de Bolsonaro não caracterizam organização criminosa

Ao analisar a trama golpista, Fux seguiu outra linha. Ele afirmou que as condutas atribuídas a Bolsonaro e a seus aliados não caracterizam organização criminosa, mas apenas concurso de agentes — quando duas ou mais pessoas atuam em conjunto para cometer crimes específicos. Para ele, diferentemente do que exige a lei sobre organizações criminosas, não houve hierarquia formal ou estrutura autônoma destinada a um conjunto de delitos permanentes. Essa argumentação, no entanto, recorreu ao precedente do Mensalão que absolveu os réus do crime de quadrilha, como se o tribunal tivesse fixado naquele momento uma interpretação que ele próprio, em 2014, combateu com veemência.

A contradição fica ainda mais visível ao lembrar que, em março de 2025, a Primeira Turma do STF já havia reafirmado que a Corte era competente para julgar a tentativa de golpe, mesmo com Bolsonaro fora da Presidência. O entendimento foi de que os atos investigados ocorreram quando ele ainda exercia o cargo e se relacionavam diretamente à sua condição de presidente da República. Naquele julgamento, apenas Fux destoou dos demais, defendendo que o caso fosse remetido para instâncias inferiores, numa posição isolada que reforça o contraste com seus colegas.

A movimentação de Fux expõe um ministro que, embora recorra a precedentes, ajusta suas interpretações conforme a conjuntura. O fato de citar como exemplo um caso no qual seu voto foi exatamente o oposto do resultado majoritário reforça a percepção de mudança de rota. No Mensalão, ele buscava manter a condenação por quadrilha com base em uma leitura ampla de cooperação criminosa. No caso da tentativa de golpe, defende a leitura restrita, afastando a figura da organização criminosa e limitando a atuação conjunta ao conceito de concurso de agentes.

Esse contraste não é apenas uma curiosidade de registro. Ele evidencia a forma como ministros podem manejar precedentes em sentidos diversos, dependendo do contexto político e jurídico em análise. No caso de Fux, a oscilação chama atenção porque atinge o coração de dois dos maiores processos da história recente do Supremo: o Mensalão e a tentativa de golpe.

Em ambos, as decisões terão impactos duradouros não apenas para os réus, mas para a compreensão de como o tribunal define os limites entre coautoria e organização criminosa. Ao adotar um caminho diferente do que havia defendido dez anos atrás, Fux deixa registrada uma guinada interpretativa que, inevitavelmente, alimentará críticas sobre a coerência de sua atuação.

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Last Update: 10/09/2025