A 1ª Vara Federal de Petrópolis (RJ) condenou os ex-militares Rubens Gomes Carneiro e Antonio Waneir Pinheiro Lima, do Centro de Informações do Exército (CIE), pela prisão ilegal, tortura e desaparecimento do advogado e dirigente da Aliança Libertadora Nacional (ALN) Paulo de Tarso Celestino da Silva, em 1971.
Na sentença, publicada no dia 1º de setembro, o juiz federal substituto Reili de Oliveira Sampaio afirmou que os réus tiveram “responsabilidade pessoal” nas violações cometidas na “Casa da Morte”, aparelho clandestino da ditadura em Petrópolis.
Crimes imprescritíveis
O magistrado rejeitou a tese da prescrição e também o enquadramento na Lei da Anistia, argumentando que sequestro, tortura e desaparecimento forçado, praticados de forma sistemática contra a população civil, configuram crimes contra a humanidade.
“O Direito Internacional estabelece a imprescritibilidade desses delitos e a impossibilidade de concessão de anistia”, destacou Sampaio.
Reparação e pedido de desculpas
Os dois condenados deverão ressarcir solidariamente à União cerca de R$ 111 mil, valor pago à família de Paulo de Tarso em 1996, atualizado monetariamente. Também terão de arcar com indenização por danos morais coletivos, a ser revertida ao Fundo de Direitos Difusos.
Para garantir os pagamentos, o juiz determinou o bloqueio de R$ 100 mil dos bens de cada réu.
A União foi obrigada a apresentar um pedido formal de desculpas à população brasileira, com menção expressa ao caso de Paulo de Tarso. A mensagem deverá ser feita pela chefia de governo e divulgada em jornais de grande circulação, redes sociais e sites oficiais.
A Casa da Morte
Paulo de Tarso, capturado em julho de 1971 por agentes do DOI-CODI no Rio de Janeiro, foi levado à “Casa da Morte”, em Petrópolis, último local onde foi visto com vida.
A denúncia só foi possível graças ao depoimento da militante Inês Etienne Romeu, única sobrevivente do centro clandestino, que relatou as torturas sofridas por Paulo: choques elétricos, espancamentos, ingestão forçada de sal e privação de água. Após dois dias de tormento, ele foi retirado do imóvel e nunca mais foi encontrado.
Direito à memória e à verdade
Além das indenizações, a decisão obriga a União a revelar os nomes de todas as vítimas e agentes que atuaram na Casa da Morte. Determina ainda que os documentos do processo sejam destinados ao memorial do local, para fins acadêmicos e culturais.
Para a procuradora da República Vanessa Seguezzi, autora da ação, a sentença tem caráter pedagógico:
“Ela não apenas pune os responsáveis, mas reafirma o compromisso do Estado brasileiro com a memória, a verdade e a reparação. É um passo fundamental para que crimes dessa gravidade jamais se repitam.”
Mais de 50 anos sem respostas
Passados 53 anos do desaparecimento, a família de Paulo de Tarso ainda não teve o direito de enterrar seu corpo. Os réus, hoje idosos e reformados do Exército, vivem em liberdade. Já a memória do militante segue como símbolo de resistência.
Nascido em Morrinhos (GO), Paulo de Tarso concluiu o curso de Humanidades no Colégio Universitário da Universidade Federal de Goiás (UFG) em 1962. Sete anos depois, aos 23 anos, finalizou o curso de Direito na Universidade de Brasília (UnB). Foi presidente de Federação dos Estudantes Universitários de Brasília (FEUB). Advogou em Goiânia, chegando a fazer sustentação oral no Supremo Tribunal Federal (STF). Em 1968 fez pós-graduação na Sorbonne, na França.
Paulo de Tarso foi militante da Ação Libertadora Nacional (ALN), tornando-se um dos principais nomes da organização após a morte do líder Joaquim Câmara Ferreira. Entre julho de 1969 e janeiro de 1970, fez curso de guerrilha em Cuba. Retornou ao Brasil em março de 1971. Ainda neste mês, foi julgado e condenado à revelia à pena de dois anos e seis meses de reclusão.
Desapareceu aos 27 anos de idade, no dia 12 de julho de 1971, quando foi preso, junto com Heleny Ferreira Telles Guariba, no Rio de Janeiro (RJ), por agentes do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI).
No relatório que produziu, em 18 de setembro de 1971, sobre sua prisão no centro clandestino mantido pelo Centro de Inteligência do Exército em Petrópolis, a chamada “Casa da Morte”, Inês Etienne Romeu aponta uma série de mortes e desaparecimentos que presenciou durante os mais de noventa dias que permaneceu incomunicável naquele “aparelho”. Dentre esses casos, relata um, ocorrido em julho de 1971, envolvendo Walter Ribeiro Novaes, Paulo de Tarso e uma moça, que acredita ser Heleny.
Em relação ao primeiro, um dos carcereiros do local, de nome “Márcio”, disse-lhe que havia sido executado. O segundo, Paulo de Tarso, foi torturado por quarenta e oito horas, colocado no pau de arara e obrigado a comer uma grande quantidade de sal, tendo suplicado água durante horas. Em longa reportagem dada à revista Veja, o sargento Marival Chaves Dias do Canto, ex-agente do DOI-CODI/SP, relatou ter ouvido de agentes que estiveram na Casa da Morte que os corpos dos presos políticos executados naquele centro clandestino eram esquartejados, para dificultar a eventual identificação dos restos mortais.