O ministro Luiz Fux afirmou nesta quarta-feira (10) que o STF é incompetente para julgar os réus da trama golpista, todos sem prerrogativa de foro. Segundo ele, a análise do caso pela Primeira Turma viola princípios constitucionais básicos e, por isso, pediu a nulidade absoluta do processo, impactando toda a condução do caso envolvendo Jair Bolsonaro (PL) e aliados.

“Concluo assim pela incompetência absoluta do Supremo Tribunal Federal (…) Impõe-se a declaração de nulidade absoluta de todos os atos (…) Anula-se o processo por incompetência absoluta“, declarou ao analisar as questões preliminares.
Fux é o terceiro ministro a votar. Ele abriu divergência contra o relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, que votou pela condenação dos oito réus acusados de compor o “núcleo crucial” da tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. O ministro Flávio Dino seguiu o entendimento de Moraes. Ainda faltam votar a ministra Cármen Lúcia e o presidente da Primeira Turma, Cristiano Zanin.
Competência do STF
O ministro destacou que a Primeira Turma está julgando pessoas que não têm foro privilegiado. Mas, vale destacar que o processo reúne provas de fatos ocorridos desde 2021, enquanto a mudança no foro foi implementada em 2023, criando um conflito temporal que sustenta a argumentação de Fux sobre nulidade.
As defesas alegaram que o Supremo é incompetente para processar os réus, pois nenhum deles possui prerrogativa de foro e Fux concordou: “Compete ao STF principalmente a guarda da Constituição, cabendo-lhe processar e julgar originariamente nas infrações penais comuns o presidente da República, o vice-presidente da República, os membros do Congresso Nacional, seus próprios ministros e o PGR. O primeiro pressuposto que o ministro deve analisar antes de ingressar na denúncia ou petição inicial é verificar se ele é competente“.
O ministro lembrou que a prerrogativa de foro sofreu várias alterações ao longo do tempo e que os réus já haviam perdido seus cargos antes do surgimento do entendimento atual, vigente apenas este ano: “A prerrogativa de foro sofreu inúmeras modificações. Houve certa banalização dessa interpretação constitucional.”
“Os réus desse processo, sem nenhuma prerrogativa de foro, perderam os seus cargos muito antes do surgimento do atual entendimento. O atual entendimento é recentíssimo, desse ano“, acrescentou.
Competência da Primeira Turma
Fux criticou o fato de o caso estar sendo analisado pela Primeira Turma, defendendo que caberia ao plenário do STF julgar a ação ou, como dito anteriormente, a primeira instância. Ele acolheu a preliminar e sugeriu a nulidade de todas as decisões tomadas até agora.
“Ao rebaixar a competência original do plenário para uma das turmas, estaríamos silenciando as vozes de ministros que poderiam esterilizar a forma de pensar sobre os fatos a serem julgados nesta ação penal. A Constituição Federal não se refere às Turmas, ela se refere ao plenário e seria realmente ideal que tudo fosse julgado pelo plenário do STF com a racionalidade funcional“, argumentou.
Cerceamento da defesa
Fux também reconheceu o cerceamento da defesa. Os advogados alegaram que receberam um verdadeiro “tsunami” de dados em pouco tempo:
“Eu não sou especialista. A quantidade chega a 70 terabytes. Fui pesquisar isso, nem acreditei, porque são bilhões de páginas“, disse. “E, apenas em 30 de abril de 20205, portanto mais de um mês após o recebimento da denúncia e menos de 20 dias antes do início do depoimento das testemunhas, foi proferida decisão deferindo acesso à íntegra de mídias e dos materiais apreendidos na fase investigatória“, pontou.
Segundo Fux, o material foi disponibilizado sem classificação adequada, dificultando a análise pelos advogados e por ele próprio: “Também senti essa dificuldade”.
Situação de Alexandre Ramagem
Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) e atualmente deputado federal pelo Rio de Janeiro, é um dos réus no processo da trama golpista. Ele responde por três crimes: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.
A Câmara dos Deputados aprovou, por 315 votos a 143, um pedido de suspensão parcial da ação penal contra Ramagem, referente aos crimes de dano qualificado contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado, cometidos após sua diplomação como deputado, em dezembro de 2022.
O STF determinou que a suspensão se aplicasse apenas aos dois crimes mencionados, com base na imunidade parlamentar prevista no artigo 53, §3º da Constituição Federal.
No entanto, o ministro Luiz Fux voltou a analisar a questão e defendeu que a preliminar de suspensão da ação penal contra Ramagem seja estendida também ao crime de organização criminosa e aos “demais”.
STF e o papel do juiz
Ao abrir sua fala, Fux decidiu abordar o princípio do STF, afirmando que a Constituição deve guiar todas as decisões da Corte: “Em qualquer tempo ou circunstância, a Constituição deve funcionar como um ponto de partida, como caminho e ponto de chegada de todas as indagações nacionais.”
O ministro disse ainda que o Supremo não deve atuar como agente político, mas apenas afirmar o que é constitucional ou ilegal. “Não compete ao STF realizar um juízo político, conveniente ou inconveniente, apropriado ou inapropriado. A revés, compete a este tribunal afirmar o que é constitucional ou inconstitucional, legal ou ilegal“, declarou.
Fux detalhou ainda o papel do juiz criminal, que deve acompanhar a ação penal com distanciamento, respeitando os limites de sua competência e garantindo imparcialidade.
“A despeito dessa limitação, o juiz exerce dois papéis essenciais: primeiro, funciona como um controlador da regularidade da ação penal, contribuindo para que ela se desenrole nos limites dos direitos e garantias constitucionais legais. É o juiz quem tem a palavra final sobre a justa correspondência entre fatos e provas. É ele quem firma o juízo definitivo de certeza, distinguindo entre as hipóteses acusatórias e aquelas que se encontram amparadas por evidências concretas“, disse.
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