
O documentarista
por Manuel Domingos Neto
Tínhamos 24 anos, quando nos conhecemos, no primeiro semestre de 1974. Nos inscrevemos no mesmo curso de História da Universidade de Paris. Mais de 50 anos de amizade.
Andávamos muito à pé. Não sei como ele, sempre acima do peso, conseguia carregar durante horas suas sacolas pesadas, com equipamentos fotográficos.
Folgado, reclamava quando eu não tinha Grand Marnier em casa. Vivia lascado, mas sempre conseguia comprar lentes requintadas.
Só brigamos quando ele não assinou o manifesto em defesa de Genoino e Breno Altman, processados pelos sionistas pelas denúncias do genocídio em Gaza. Fiquei muito puto, disse-lhe grosserias.
Fizemos as pazes em minha última palestra no Rio, ano passado. Ele foi à casa Ruy Barbosa. Tava fraquinho, cadeira de rodas, falando baixo, quase sussurrando. Não mostrava mais aquele riso constante, de quem levara a vida pilheriando. Era um carioca que sacava o humor nordestino.
Lembrou passagens de nossa juventude. Levantei-me da mesa e fui beijá-lo. Todos aplaudiram.
Fiz força pra segurar o choro e retomar meu fio de argumentação.
Sabia que ele estava no fim. Muita saudade, mas não quero ficar triste. Minha geração tá partindo. Não quero passar o tempo que me resta amargando tristeza.
O que tenho a dizer hoje é: assistam os filmes de Silvio Tendler os que quiserem saber do Brasil.
Manuel Domingos Neto nasceu em Fortaleza em 1949. Graduou-se em História pela Universidade de Paris VI, em 1976. Obteve o título de Mestre em Sociedade e Economia na América Latina, pela Universidade de Paris III, em 1976, e o título de Doutor em História pela mesma universidade, em 1979. Foi pesquisador da Casa de Rui Barbosa, superintendente da Fundação Centro de Pesquisas Econômicas e Sociais do Piauí, estado pelo qual também foi deputado federal. Professor da Universidade Federal do Ceará e professor associado da Universidade Federal Fluminense, foi também vice-presidente do CNPq e presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED).
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