Tarcísio de Freitas, o boneco de Bolsonaro e uma fraude como administrador

por José Dirceu

Tarcísio de Freitas, o governador de São Paulo que se tornou o queridinho de setores da direita e da Faria Lima para enfrentar o presidente Lula em 2026, precisará mostrar quem efetivamente é. Mas pelo que tem dito e feito, ele já demonstrou que pode ser qualquer coisa, ou melhor, pode ser tudo ou coisa nenhuma, desde que sirva ao seu padrinho maior, Jair Bolsonaro, e ao seu oportunismo eleitoral. Sua vassalagem em relação ao ex-presidente, posta à prova na esperança de reforçar sua fidelidade e assim ganhar as bênçãos do bolsonarismo e dos extremistas em geral, chega a ser vergonhosa, indigna da fama que seus defensores tentam difundir. Uma falsa fama, não custa dizer.

Mas Tarcísio não é apenas um vassalo do bolsonarismo, é também uma fraude como gestor, o atributo preferido com o qual tenta difundir sua imagem de administrador, técnico e competente. Seu desempenho em áreas como saúde, educação, transporte público, habitação e até mesmo na propalada preocupação com a responsabilidade fiscal está bem longe do que se apresenta no seu modo pré-campanha, como demonstra o “Dossiê Tarcísio”, documento divulgado recentemente pelo deputado estadual Donato (PT-SP), líder da Federação PT/PV/PCdoB na Assembleia Legislativa de São Paulo.

No primeiro grande teste político a que precisou se submeter – mostrar que é verdadeiramente democrata e que está ao lado do Brasil – Tarcísio foi reprovado. Primeiro, a defesa renhida a Bolsonaro, sustentando contra tudo e contra todos que o golpista contumaz é, no fundo, um injustiçado; depois, a atitude vexatória de ficar ao lado de quem usou Donald Trump e suas tarifas e sanções injustificáveis para chantagear o Supremo Tribunal Federal, o governo, os setores econômicos, nossas autoridades e o Brasil como um todo apenas para salvar o amigo golpista do julgamento e da prisão. Como governador de um estado que será profundamente afetado pelo tarifaço trumpista, esperava-se algo muito diferente do que jogar a responsabilidade no julgamento de Bolsonaro e tentar, inutilmente, transferir a culpa para o governo Lula. Como as recentes pesquisas atestam, pagará um preço alto por isso, mas não apenas.

A bajulação constante a Bolsonaro desmonta qualquer fantasia de que o governador é parte de uma direita democrática e moderada, pois hoje parece evidente que ou se é democrata ou se está com Bolsonaro, e ou se é a favor do Brasil ou a favor de Trump e de Bolsonaro. Não dá para ser as duas coisas simultaneamente. Tarcísio vinha tentando operar com ambiguidade para poder trafegar das duas formas, ou seja, como o liberal moderado e democrata e o fiel aliado de Bolsonaro. Mas desde que a família Bolsonaro passou a atacar o Brasil por meio da incitação ao governo dos EUA, esse espaço se fechou. A escolha passou a ser muito clara, e Tarcísio não hesitou em fazer sua opção.

Recentemente, na Festa do Peão, em Barretos, apareceu com um boneco de Bolsonaro nas mãos, afirmando que o ex-presidente lhe “abriu as portas” e hoje enfrenta “uma grande injustiça”, ao lado dos demais governadores de direita que querem herdar os votos do bolsonarismo. Ao fazê-lo, Tarcísio deixou claro o que será nas eleições presidenciais de 2026, caso venha a se candidatar à Presidência. Não há dúvida mais, ele será o boneco de Bolsonaro, mesmo levando broncas públicas e privadas do filho de Bolsonaro mais empenhado em trabalhar com o governo norte-americano para prejudicar o Brasil e tentar salvar o pai. Esse é um caminho natural para quem enxerga não a defesa da independência, da democracia e da soberania do Brasil, com um projeto nacional de desenvolvimento, e sim a salvação de Bolsonaro, o perdão aos golpistas e sua oportunidade eleitoral.

Mas Tarcísio é mais do que isso. É aquele que, primeiro, elogiou o sistema eleitoral brasileiro e, vendo-se atacado por bolsonaristas, voltou atrás logo em seguida, sugerindo que “não haverá paz social sem paz política, (…) sem eleições livres, justas e competitivas”. Foi desse modo que deu a entender, obviamente, que eleições sem Bolsonaro não serão nem livres, nem justas, nem competitivas. Ou seja, assim como o bolsonarismo mais golpista e extremista sempre trabalhou para disseminar desconfianças sempre que perdeu as eleições, Tarcísio levantou dúvidas sobre a lisura do Judiciário e do sistema eleitoral brasileiro. Fará o mesmo se perder a disputa em 2026 e, como o padrinho, vai inspirar um exército de vândalos inconformados com a democracia?

Tarcísio é também o patrocinador da política de segurança pública manchada de sangue em São Paulo, conduzida pelo secretário Guilherme Derrite. Uma política baseada no uso desproporcional da força, na violência desmedida, no descontrole policial, no despreparo e na vocação da polícia para matar, especialmente pobres, pretos e vulneráveis em geral. Com o apoio irrestrito de Tarcísio, Derrite, ex-capitão da PM, atua como chefe de uma espécie de milícia institucionalizada, promove operações letais, concede carta branca para seus comandados e transforma cada bairro popular num campo de guerra.

São Paulo precisa de presença policial, de polícia de proximidade, de polícia junto à comunidade, precisa de uma política firme que melhore os indicadores que pioraram sob Tarcísio, pois os casos de homicídios, feminicídio, estupro, roubos e latrocínios aumentaram significativamente no seu mandato. A ordem de matar não deu certo nos últimos 30 anos. Tarcísio é aquele que dá continuidade à herança da cultura de extermínio, um passado sempre cultivado pela direita brasileira. É quem, diante da letalidade policial do estado que dirige, silencia, omite e acoberta, como demonstrou seu esforço de mudar a política de uso das câmeras corporais da PM, um reconhecido instrumento de maior controle sobre a ação de policiais e aperfeiçoamento das investigações.

Na educação, outra área-chave, Tarcísio é aquele que teve a ousadia de reduzir o orçamento educacional, terceirizou a construção de novas unidades da rede escolar do estado, que responde pelo ensino fundamental da 6a a 9a série e pelo Ensino Médio, e aderiu às chamadas escolas-cívico-militares, único modelo de educação que atrai o bolsonarismo. Seu descaso com a educação pública é tanto que chegou a tentar dispensar a livros didáticos, propondo ter obras 100% digitais no currículo escolar paulista para poder introduzir mais facilmente conteúdo conservador. Assim como no caso das câmeras corporais, o governo só voltou atrás por pressão da classe média. O resultado está aí: números do Ideb mostraram queda no desempenho escolar tanto no Ensino Médio quanto nos anos finais do Ensino Fundamental, abaixo da meta e inferior a 2019, antes da pandemia de Covid-19.

Se falha na segurança pública e na educação, Tarcísio também falha na habituação, onde infla números para apresentar resultados. Prometeu entregar 200 mil unidades até o final de sua gestão, mas a grande maioria está vinculada a programas de subsídio de baixo valor (entre R$ 10 mil e R$ 16 mil por unidade), incluindo complementos ao Minha Casa Minha Vida, do governo federal. Apenas 30% correspondem a programas com custo superior a R$ 180 mil por moradia.

Na saúde, o governo paulista afirma ter criado mais de 6 mil leitos do SUS entre 2023 e 2024, mas os dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) mostram o contrário: o número de leitos sob gestão estadual caiu de 31.373 (dez/2022) para 31.124 (maio/2025), uma redução de 249 leitos.

O marketing de bom gestor também prega responsabilidade fiscal, mas como mostra o “Dossiê Tarcísio” do deputado Donato, as contas de 2024 só ficaram no azul graças à venda da Sabesp. Sem a privatização o estado teria fechado no vermelho, como no ano anterior. Renúncias fiscais também fazem parte da rotina do governo paulista, serão R$ 15 bilhões a mais em 2026.

E, claro, Tarcísio é também o nome da Faria Lima, do mercado financeiro, do rentismo e da rejeição a qualquer projeto nacional de desenvolvimento. É a continuidade do programa Michel Temer-Jair Bolsonaro, contra todas as evidências e fatos em nível mundial, com desmonte do Estado Nacional e de Bem-Estar Social e regressão democrática. É a recusa às reformas políticas e econômicas que o Brasil reclama, começando pela tributária progressiva e o fim da escala 6×1. Quer, ao contrário, privatizar os bancos públicos, a Petrobras e a Previdência, desvincular tanto o salário mínimo da aposentadoria quanto os gastos da educação e da saúde. Ele representa a defesa das mesmas políticas de austeridade fiscal que levaram a Europa e os EUA a crises econômicas e à extrema direita.

Tarcísio gosta de se exibir ora como um estadista, ora como um gestor, ora como um técnico sem vícios ideológicos. Na prática, como se nota, ele age exatamente como um direitista extremista e um mau administrador público, e como tal deve ser tratado daqui para frente.

José Dirceu – político brasileiro filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT). Foi ministro da Casa Civil no primeiro governo Lula, em 2003.

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Last Update: 05/09/2025