O desenvolvimento integral e sustentável do Brasil é uma impossibilidade concreta sem o enfrentamento direto e a superação de sua origem escravocrata. A estrutura econômica, social e política nacional foi erguida sobre a exploração racializada, criando um abismo de oportunidades que perdura e define o limite do nosso progresso como nação. Qualquer projeto desenvolvimentista que não tenha a reparação histórica da população negra como eixo central está fadado ao fracasso, pois ignora a base mesma sobre a qual a desigualdade—o principal entrave ao desenvolvimento—foi construída. A Proposta de Emenda à Constituição nº 27/2024, ao instituir o Fundo Nacional de Reparação Econômica e de Promoção da Igualdade Racial (FNREPIR), não propõe uma medida entre outras, mas apresenta a condição sine qua non para que o Brasil finalmente se liberte do seu passado e realize o seu potencial.

A noção de um desenvolvimento “genérico” ou “cego à cor” é uma ilusão perversa em uma sociedade cujas estruturas foram meticulosamente planejadas para privilegiar um grupo racial em detrimento de outro. Os indicadores sociais brasileiros não são acidentais; são o resultado direto de séculos de escravização seguidos de políticas deliberadas de exclusão e marginalização da população negra. A desigualdade econômica racial não é um apêndice do modelo brasileiro; ela é o modelo. Portanto, tentar desenvolver o país sem desmontar esta estrutura é como tentar curar uma doença tratando apenas os sintomas e ignorando a sua causa patogênica.

O verdadeiro desenvolvimento—aquele que se mede pela melhoria da qualidade de vida de toda a população e pela justa distribuição de riqueza—exige a correção ativa deste desvio histórico. Isto implica em destinar recursos massivos para habitação, saneamento e infraestrutura nas periferias; em promover uma reforma agrária que reverta o histórico de expropriação; em fomentar o empreendedorismo negro; e em desconstruir um aparato de segurança pública que opera como instrumento de controle e extermínio. Sem estas medidas reparatórias, o Brasil continuará a operar com apenas uma parcela de seu potencial humano e econômico, condenando-se a ser uma eterna potência do futuro que nunca se realiza.

A PEC 27/2024 é a materialização constitucional deste entendimento. Ela reconhece que a reparação não é um tema setorial, mas a fundação sobre a qual um novo projeto de nação deve ser erguido. A criação do FNREPIR é estratégica em sua concepção:

Ao financiar projetos econômicos, culturais e sociais especificamente voltados para a população negra, o Fundo ataca o cerne da desigualdade: a disparidade na geração e acumulação de riqueza. Ele é um mecanismo para romper o ciclo de desvantagem histórica que impede o pleno florescimento econômico das comunidades negras.

A previsão de recursos provenientes de indenizações de empresas que lucraram com a escravidão é um ato de profunda justiça simbólica e material. Estabelece o princípio de que a riqueza acumulada por meio da exploração deve ser direcionada para reparar os danos por ela causados. O aporte inicial obrigatório da União de R$ 20 bilhões sinaliza o compromisso do Estado em priorizar esta agenda.

A PEC surge num contexto de décadas de tentativas frustradas de criar fundos de promoção da igualdade racial, frequentemente arquivados sem debate. Ao elevar o Fundo ao patamar constitucional, a proposta busca blindá-lo contra a instabilidade política e conferir-lhe a permanência e seriedade que a magnitude da dívida histórica exige.

Dessa forma a PEC 27/2024 transcende a ideia de uma política pública específica. Ela é um projeto de nação. É o reconhecimento explícito de que a única possibilidade de desenvolvimento para o Brasil passa necessária e inevitavelmente pela reparação histórica da população negra. Não se trata de benevolência, mas de justiça e de pragmatismo econômico inteligente.

Investir na reparação é investir no desenvolvimento. Significa incorporar milhões de brasileiros e brasileiras ao mercado consumidor, ao empreendedorismo inovador, à produção de cultura e à geração de riqueza em seu pleno potencial. Aprovar esta PEC é, portanto, mais do que um ato de justiça histórica; é a decisão estratégica mais crucial para o futuro do Brasil. É a admissão de que só seremos uma nação desenvolvida quando formos, finalmente, uma nação justa.

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Last Update: 05/09/2025